Nilson Leitão e a "PL do escravismo"

Nos últimos dias, ganhou grande repercussão a nível nacional o que se tem dado a conhecer como “a tentativa do PSDB de reestabelecer a escravidão no campo”, a “abolição do trabalho assalariado no campo”, dentre outras descrições. Todas as descrições até então feitas pelos diferentes veículos de comunicação dos setores democráticos e populares descrevem mais ou menos bem o que o grande latifundiário e deputado federal do PSDB pelo Mato Grosso, Nilson Leitão, está realmente tentando aplicar com seu odioso “Projeto de Lei 6.442/2016”. Não há qualquer exagero em afirmar que esta PL de fato “revoga a Lei Áurea” e permite que grandes latifundiários possam legalmente explorar os trabalhadores rurais de forma servil ou semi-escravista. Esta PL, de tão arcaica, acabou por gerar protestos mesmo entre personalidades de extrema-direita favoráveis ao golpismo, à classe latifundiária e à dominação imperialista externa. Eliane Cantanhêde, jornalista do Estadão e simpatizante do PSDB, insinuou recentemente que Nilson Leitão deveria ser expulso do partido por propor a volta da escravidão. Até mesmo Miriam Leitão, conhecida “especialista” e entusiasta dos mais vis entreguismo e privatismo manifestou oposição nesta última sexta-feira (5) à PL 6.442/2016 de Nilson Leitão.
Após a enxurrada de protestos não apenas por parte dos setores democráticos e populares, como também dos setores mais reacionários e golpistas, Nilson Leitão buscou pateticamente se justificar por meio de suas páginas de internet e veículos de comunicação, e está espalhando confusões sobre o assunto. Antes de tirarmos as devidas conclusões Marxista-Leninistas em torno da PL para a luta de classes no campo, examinemos do que se trata realmente o projeto, em sua fonte primária, bem como o que este representará para a intensificação da exploração latifundiária sobre as massas trabalhadoras do campo.
O que é o Projeto de Lei nº 6.442/2016? De que maneira este intensifica e torna ainda mais arcaica a exploração das massas trabalhadoras do campo?
Tal como tem sido corrente nas recentes “reformas” e “medidas de austeridade” aplicadas contra o povo brasileiro por parte do governo fantoche golpista, Nilson Leitão faz o discurso pomposo de que seu Projeto de Lei teria como objetivo “modernizar” uma legislação trabalhista que estaria “defasada” e não corresponderia mais à atual realidade onde supostamente seria prevalecente um dito “moderno” “agronegócio”. Como esquizofrênico latente, ao mesmo tempo que vomita discursos demagógicos em torno de “modernização”, Nilson Leitão titubeia que a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não respeita as “tradições” (!) e “particularidades” do campo brasileiro, e portanto não poderia ser levada em consideração. “Bons tempos da tradicionalíssima senzala!”, denuncia imediatamente o aspecto não-dito do discurso. Na verdade, o que busca a PL 6442 é jogar as massas trabalhadoras rurais para os tempos mais “áureos” do pré-capitalismo e da tirania do colonialismo português do século XVI, descaradamente. Examinemos o projeto na fonte para vermos do que realmente se trata.
O Artigo 1º da PL 6442 estabelece que “As relações de trabalho rural serão reguladas por esta Lei e pelos acordos individuais ou coletivos de trabalho, contratos individuais de trabalho e regulamento das empresas.” O parágrafo 1 do Artigo 1º estabelecerá que “Nas relações de trabalho rural não se aplica subsidiariamente a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1.º de maio de 1943 (CLT), exceto aqueles artigos mencionados expressamente nesta Lei.” O Artigo 2º, então, seguirá: “As disposições desta Lei e da Consolidação das Leis do Trabalho, quanto ao trabalho rural, poderão ser negociadas mediante convenções ou acordos coletivos de trabalho.”
No dia 3 de maio de 2017, a famigerada “Frente Parlamentar da Agropecuária” publicou em seu sítio de internet uma página de “Perguntas e Respostas sobre a Lei 6442/2016”. A primeira pergunta e resposta da página refere-se justamente à acusação que se faz à PL 6442 acerca de a mesma retirar a CLT do alcance dos trabalhadores rurais, veemente negada: “Não, o intuito da reforma trabalhista rural é modernizar as leis adequando-as às realidades e especificidades do trabalho no campo sem retirar direitos já garantidos aos trabalhadores na CLT. Como se sabe a CLT é uma norma de essência urbana, e precisamos de algo que trate das especificidades rurais não contempladas pela CLT, e é exatamente essa a intenção do PL 6.442/16.” Mentira deslavada e cínica, sem qualquer compromisso com a realidade! O próprio primeiríssimo artigo da PL já estabelece que “As relações de trabalho rural serão reguladas por esta Lei e pelos acordos individuais ou coletivos de trabalho, contratos individuais de trabalho e regulamento das empresas.”, ou seja, não é a CLT mas a famigerada lei feudal quem regulamentará a contratação de trabalhadores rurais. Quando o primeiro parágrafo do Artigo 1º da PL estabelece que “Nas relações de trabalho rural não se aplica subsidiariamente a Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-lei nº 5.452, de 1.º de maio de 1943 (CLT),” já se está revogando explicitamente a CLT. Quando o Artigo 2º, por sua vez, estabelece que a CLT e as disposições da PL feudal poderão ser “livremente negociadas” entre os lavradores – estes, desesperados por trabalho diante de um contexto de desemprego generalizado no campo e na cidade – e o patronato rural – este, por sua vez, desinteressado em expandir mais a produção diante de uma conjuntura internacional de baixos preços dos produtos agrícolas, e portanto desinteressado em expandir a contratação de trabalhadores rurais –, segue-se o modus operandi da reforma trabalhista do governo golpista de fazer “o negociado prevalecer sobre o legislado”, que na prática também revoga a CLT. Portanto, colocar que a CLT será respeitada pela PL do medievalismo é uma farsa que os algozes da nação brasileira estão tentando pateticamente colocar como verdade.
Sigamos, pois. O Artigo 3º da PL 6442 estabelece a definição de “empregado rural”: “Empregado rural é toda pessoa física que, em propriedade rural ou prédio rústico, presta serviços de natureza não eventual a empregador rural ou agroindustrial, sob a dependência e subordinação deste e mediante salário ou remuneração de qualquer espécie.” Interpretemos este artigo. Fazemos questão de colocar em negrito em “ou” do extrato “mediante salário ou remuneração de qualquer espécie”. Quer dizer, com a PL 6442, poderá ser um empregado rural todo aquele remunerado mediante salário ou remuneração de qualquer espécie. Ao contrário do que foi falado, de fato a PL 6442 não busca exatamente a abolição do trabalho assalariado no campo, mas permite sim que trabalhadores rurais sejam legalmente contratados mediante “remuneração de qualquer espécie”. Ora, as relações de trabalho onde lavradores não recebem “remuneração de qualquer espécie” já são generalizadas no país. Segundo o extinto Ministério do Desenvolvimento Agrário, em 2011 cerca de 60% dos camponeses do país não seriam proprietários das terras que cultivam, e estariam submetidos à exploração de relações de produção feudais e semifeudais por parte dos latifundiários, como o arrendamento, comodato, parceria, meia, terça, posse ilegal, etc. Nada disto é exatamente proibido pela legislação trabalhista brasileira, talvez com o único adendo formal de que um proprietário da terra, ao estabelecer contratos de parceria ou arrendamento com camponeses, não poderia simplesmente especular com a terra, e deve contribuir de alguma maneira com a produção. São generalizadas neste sentido, por exemplo, a obrigação de o camponês ceder ao proprietário da terra metade da colheita no final da safra, desde que este segundo contribua, por exemplo, com sementes e alguns implementos agrícolas. Todavia, a “novidade” que a “nova” lei feudal traz é de que estas relações de produção pré-capitalistas poderão se estender agora até mesmo aos proletários rurais, que por regra se encontram mais disseminados em grandes lavouras orientadas para a exportação. Na prática, faz com que os atuais assalariados rurais que trabalham mesmo nas lavouras de exportação regridam à etapa histórica anterior de camponeses arrendatários ou parceiros, como é prevalente nas culturas orientadas ao mercado interno. Desta maneira, é evidente que em períodos de decadência econômica, desemprego generalizado e baixos preços dos produtos agrícolas no exterior, os grandes latifundiários tenham a tendência de lançar mão de formas de exploração pré-capitalistas – feudais ou usurárias – sobre os assalariados rurais (caso sendo aprovada a PL tal como se encontra agora, claro, o termo assalariado rural seria errôneo para designar estes trabalhadores, cabendo então utilizar o termo camponês arrendatário ou parceiro) com o fim de alçarem enormes lucros sem que tenham de se dar ao trabalho de desenvolver as forças produtivas no campo ou aplicar seus próprios capitais para a contratação de trabalho assalariado. Pode-se considerar, contudo, é fato, que o trabalho assalariado tenderia a ter maior disseminação diante de um contexto de prosperidade econômica e preços elevados dos produtos agrícolas no exterior. Dado que este cenário se encontra muito longe da atual realidade brasileira e internacional, logicamente os grandes proprietários de terras teriam preferência por lançar mão de formas de exploração pré-capitalistas em relação às capitalistas. Se formos também realmente rigorosos na caracterização dos modos de produção de acordo com os critérios Marxistas, também seria equivocado considerarmos que a PL 6442 leva à restauração do escravismo, afinal a mesma não permite em quaisquer artigos seus que os proprietários de terras se tornem também proprietários dos que nestas trabalham, o que caracterizaria de fato o modo de produção escravista. O que a PL 6442 gera como consequência e dissemina generalizadamente entre os assalariados rurais, de fato, são as formas mais atrasadas de feudalismo. Fazer com que os assalariados rurais trabalhem nas grandes plantações em troca não de salário, mas de comida e glebas para plantarem suas culturas de subsistência, é na verdade converter estes assalariados rurais em camponeses sem-terra massacrados pela forma mais atrasada de exploração feudal, a corveia (chamada também de comodato ou renda-trabalho). De acordo com o Artigo 13º PL 6442 – “A remuneração por produção é admitida mediante previsão no contrato individual de trabalho” – generaliza-se também entre os assalariados rurais da exploração feudal mediante a renda-produto, ou seja, da “meia”, “terça”, onde o camponês remunera o proprietário da terra com parcelas da colheita, e deixa parte para si. Utilizar o termo “agronegócio” é um elogio para estes genuínos senhores feudais. Quando a “Frente Parlamentar da Agropecuária”, portanto, ao ser questionada se o salário do trabalhador rural poderia ser trocado por moradia ou alimentação, responde que “Não. Observe-se no § 4º, do art. 16 do PL 6442/2016 que “a cessão pelo empregador, de moradia e de sua infraestrutura básica, assim, como, bens destinados à produção para sua subsistência e de sua família, não integram o salário do trabalhador”, ou seja, o salário continua existindo”, trata-se da mais deslavada mentira, pois o Artigo 3º da PL 6442 admite também como empregado rural aquele que r