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"Golpe em Guiné-Bissau, uma moeda no ar"

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    NOVACULTURA.info
  • há 2 minutos
  • 6 min de leitura
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O grave contexto de instabilidade que sacode praticamente todo o continente parece não ter mais espaço para novos conflitos. Desde a presença angustiante do terrorismo em vastas áreas do Sahel, do Golfo da Guiné, da Nigéria, de Moçambique, do Chifre da África e que segue latente no Sinai egípcio. Somando-se às guerras civis do Sudão, a do leste da República Democrática do Congo e, ainda pendente de resolução, a que mantém o bloco de Trípoli com as forças do general Khalifa Haftar, na Líbia. A instabilidade política do Sudão do Sul, da República Centro-Africana, do Quênia, de Madagascar e do Chade; o recrudescimento das tensões entre Eritreia e Etiópia. Os protestos na Tunísia e no Marrocos, este último país que, além disso, deverá resolver a questão da usurpação de territórios pertencentes à República Árabe Saaraui Democrática. Ao continente também pesam os conflitos perenes que a Argélia mantém tanto com o reino alauíta como com Mali. Somando-se a isso, os milhões de deslocados, migrantes, poderosas quadrilhas criminosas, cartéis de drogas e traficantes ilegais de tudo: de cigarros a armas, de pessoas a combustíveis, de ouro e pedras preciosas a fauna, desenham uma colagem que parece traçado em fogo.

 

Por tudo isso, o golpe de Estado na Guiné-Bissau da quarta-feira, 26 de novembro, coloca mais uma vez o continente em tensão, já que não é estranho que produza um efeito contagioso.

 

Assim, a história dos golpes militares na África tem sido destacadamente profusa desde o processo independentista dos anos 60. Desses, poucos aconteceram tentando mudar a matriz de dependência que a maioria das nações do continente mantêm para além da retirada formal das metrópoles coloniais.

 

Desses poucos intentos, os que mais se destacaram, pela repercussão internacional que tiveram, são os casos da Líbia em 1969, liderado pelo coronel Gaddafi, cujo assassinato em 2011 deixou consequências que, quase quinze anos após o crime, seu povo ainda segue pagando.

 

Outro dos processos mais notórios e que, não por acaso, também teve um final trágico, foi o movimento revolucionário encabeçado pelo capitão Thomas Sankara, na atual Burkina Faso, em 1983, cujo assassinato em 1987 levou esse país a um ciclo de instabilidade política que finalmente desembocou, em 2022, em um golpe de um grupo de jovens oficiais liderados pelo capitão Ibrahim Traoré, que não apenas retomou o ideário do capitão Sankara, mas cuja personalidade está catapultando-o a uma liderança continental.

 

Finalmente, nada restou além do exemplo daquelas duas movimentações verdadeiramente revolucionárias e anticolonialistas, que foram acompanhadas por um punhado de golpes de militares com características marxistas ocorridos no contexto da Guerra Fria (Somália em 1969, Etiópia em 1974, Congo-Brazzaville em 1969 e Benim 1972).

 

Enquanto o resto daquelas aventuras militares — mais de 200 desde a retirada das potências coloniais — iniciadas com o derrubamento e assassinato do presidente do Togo, Sylvanus Olympio, em 1963, não passaram de lutas pelo poder das elites locais, articuladas por governos e empresas ocidentais.

 

Já entrando o século XXI, esses mecanismos de substituição de governos por meio de levantes militares continuaram inalterados, desde o executado na República Centro-Africana em 2003 até o do Sudão (2019), período em que ocorreram outros seis: Mauritânia (2005), Guiné-Conacri (2008), Madagascar (2009), Níger (2010), Mali (2012) e República Centro-Africana (2013).

 

Essas dinâmicas, utilizadas até o esgotamento pelo tríplice das elites locais, governos estrangeiros (Washington, Londres e Paris, quase exclusivamente) e multinacionais do saque, que reportam a essas capitais — ou inversamente, quem sabe? — terminaram no Mali em 2020.

 

Desde então, esse tipo de movimento nacionalista e popular, farto da corrupção crônica, da intervenção estrangeira e de um novo fator: a falta de uma resposta adequada aos avanços das khatibas tributárias do Daesh e da al-Qaeda, multiplicou-se.

 

Primeiro a oficialidade jovem do Mali, após um primeiro intento em 2020 e retificado em 2021; a que se somaram, em 2022, os militares de Burkina Faso e, em 2023, o exército do Níger, desembocando em um processo inédito, como se as vozes de Gaddafi, Sankara e do coronel Gamal Abdel Nasser tivessem se amplificado no Sael contemporâneo, levando essas três nações a conformarem a Confederação de Estados do Sahel (CES), uma aliança político-militar que se converteu em um projeto extremamente perigoso para as potências coloniais e seus servidores locais, como a Comunidade Econômica dos Estados da África Ocidental (CEDEAO), disposta a atuar como o aríete regional, tal como fazem os mujahidins do Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos ou do Estado Islâmico para o Grande Saara. Essas três últimas entidades articuladas politicamente pelo Ocidente e financiadas pelas monarquias do Golfo Pérsico.

 

A “periculosidade” que os países membros da CES parecem representar para o status quo continental faz com que cada golpe de Estado, como o da Guiné-Conacri em 2021, protagonizado por outro jovem oficial, o comandante das forças especiais Mamady Doumbouya, que embora não tenha se unido à CES, manteve uma postura digna diante da França.

 

O último havia sido o do Gabão, em 2023, que modestamente pôs fim à dinastia Bongo, que governava o país desde 1967. Primeiro Omar Bongo, falecido em 2009, sucedido por seu filho Ali, que em agosto foi deposto por seu primo, o general Brice Oligui Nguema, sobrinho de Omar, chefe da Guarda Republicana, encarregado da segurança presidencial. Este último golpe, que não foi mais que uma mudança de titularidade, não apresentou maiores diferenças.

 

Esperando que a moeda caia

 

As Forças Armadas da Guiné-Bissau tomaram o controle do país na quarta-feira, vinte e seis, depois de deterem o presidente Umaro Sissoco Embaló e anularem o processo eleitoral do domingo, no qual Embaló aspirava à reeleição.

 

A ação ocorreu apenas um dia depois que a Comissão Eleitoral Nacional (CEN) anunciou os primeiros resultados, que se apresentavam extremamente parelhos até a quarta-feira entre o presidente e seu principal opositor, Fernando Dias. Além de que ambos já haviam se declarado vencedores, o que, levando em conta os antecedentes desse tipo de rivalidade, prenunciava um cenário extremamente convulso.

 

Após o golpe, o Exército decretou o fechamento do espaço aéreo e de todas as fronteiras, enquanto, por meio de um comunicado, os comandos militares informavam que assumiriam “os assuntos do Estado até novo aviso”.

 

Algumas horas depois, informou-se que o general Horta N’Ta assumiria como presidente pelo período de um ano. Enquanto isso, o opositor Fernando Dias acusava o presidente deposto de ter estimulado o golpe para não reconhecer sua derrota.

 

O golpe começou no meio da manhã da quarta-feira, quando soldados encapuzados começaram a ocupar as ruas e intensos tiroteios ocorreram nas proximidades do Palácio Presidencial e da sede da Comissão Eleitoral Nacional, na cidade de Bissau, a capital do país, obrigando muitos transeuntes a buscar refúgio.

 

Guiné-Bissau, um país da África Ocidental, ex-colônia portuguesa, é um dos menores países do continente. Localizada entre Senegal e Guiné-Conacri, encontra-se entre os países africanos com maior instabilidade, tendo sofrido, desde sua independência em 1974, cerca de uma dezena de tentativas de golpe de Estado, a última delas em 2020.

 

Foi esse vazio de poder que permitiu a Embaló, ex-militar e parte do establishment, que já havia ocupado cargos de extrema relevância no Estado, chegar ao poder após tecer uma aliança política, embora nunca tenha sido reconhecido pelo Poder Judiciário.

 

Essa desordem no campo político também se reproduz no âmbito militar, onde uma intrincada trama de interesses políticos, rivalidades e tensões marcou a história do país, acelerando processos políticos que geralmente derivam em golpes.

 

Mais tarde, soube-se que, além da detenção de Embaló, haviam sido presos os opositores Fernando Dias e Domingos Simões Pereira, ex-primeiro-ministro e líder do Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), posteriormente transferidos para uma base aérea próxima à capital.

 

Guiné-Bissau é o quinto país mais pobre do mundo, sem prisões e praticamente sem polícia, e há décadas converteu-se não só em um Estado falido, mas em um alvo chave na África Ocidental dos principais cartéis de droga, transformando-se em um centro de distribuição de cocaína da América Latina para a Europa.

 

Embora, desde o início dos processos revolucionários dos países da Confederação de Estados do Sahel, nos corredores e gabinetes das potências ocidentais — Estados Unidos e França — só lhes interesse assegurar que a moeda lançada ao ar por este golpe caia do lado indicado.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

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