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"O limbo dos refugiados afegãos"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • há 1 hora
  • 6 min de leitura
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Enquanto Trump não sabe o que inventar para exterminar a presença de migrantes e refugiados nos Estados Unidos, seus funcionários, os executivos de suas multinacionais, as burocratas do Fundo Monetário Internacional (FMI) e os comandantes de suas forças armadas não fazem outra coisa senão criar condições propícias nos países condenados a tolerar suas ingerências econômicas, políticas e militares, para que todos os dias milhares desses desamparados tentem escapar da miséria ou da guerra rumo aos horizontes dourados que, o tempo inteiro, são exibidos pela maquinaria publicitária dos próprios Estados Unidos.

 

Embora os exemplos dessa realidade pululem — queiram ou não — em todos os meios informativos do mundo, talvez a situação em que se encontram imersos milhões de refugiados afegãos, disseminados majoritariamente no Paquistão e no Irã, ainda que haja também milhares nos Estados Unidos e no Reino Unido, seja a mais ilustrativa. Todos vivem sob a ameaça de serem deportados a seu país, apesar de que muitos estão radicados há mais de trinta anos nesses lugares, com toda sua documentação em ordem e onde desenvolveram suas vidas, como qualquer outro cidadão.

 

Apesar de não ser frequente que essa problemática apareça nos meios de comunicação, tampouco é necessário investigar muito para encontrá-la. E descobrir, por exemplo, que no Paquistão — onde milhões de afegãos buscaram refúgio ao longo das guerras que assolaram seu país desde os anos oitenta do século passado —, desde que foi colocado em marcha o Plano de Repatriação de Estrangeiros Ilegais, em outubro de 2023, todo “estrangeiro” (leia-se: afegão), documentado ou não, tornou-se passível de expulsão. Desde então, segundo cifras das Nações Unidas, mais de um milhão e meio de afegãos já foram obrigados a abandonar o Paquistão. Além disso, o governo paquistanês lançou uma intensa campanha midiática na qual se demoniza os estrangeiros, acusando-os de uma ampla gama de crimes — copiando a dinâmica trumpista do Serviço de Controle de Imigração e Alfândega (ICE, em inglês).

 

Assim, desde então, a vida de cada um deles depende de não cruzar na rua com alguma patrulha de busca e detenção de migrantes, sendo imediatamente incluídos em um processo quase sumário de expulsão. Em muitos casos, a vítima sequer pode avisar seus familiares ou recolher alguma coisa para a viagem de volta.

 

A magnitude desses processos fez com que os bairros onde se concentrava a comunidade afegã se esvaziassem. Um exemplo paradigmático dessa nova realidade é a cidade de Taxila, quarenta quilômetros ao noroeste de Islamabad, onde aparecem casas abandonadas — em alguns casos porque caíram nas mãos dos agentes da Direção Geral de Imigração e Passaportes (DGI&P), em outros por causa da urgência e do terror de serem deportados para um país no qual muitos não têm absolutamente nada e do qual nem sequer lembram outra coisa senão as penalidades de alguma das tantas guerras que o povo afegão suporta desde os anos oitenta. Também no bazar dessa cidade, onde os afegãos tinham forte presença, muitos tiveram de liquidar suas mercadorias e fugir rumo desconhecido.

 

Ou ainda as arbitrariedades do governo talibã que, desde seu primeiro período (1994–2001) ou a partir de seu retorno ao poder, após derrotar os Estados Unidos em agosto de 2021, apesar de não serem tão estritos, sabem que estão ao alcance do capricho de qualquer mulá ou capitão do exército ou da polícia talibã. Basta uma acusação — e o consequente castigo — por alguma falta contra a sharia (lei corânica), que está sendo aplicada de maneira irregular, variando conforme o lugar: de um modo em Cabul, onde o poder político é mais “liberal”, e de outro em Kandahar, residência do poder religioso, encarnado em seu máximo líder espiritual e político, o mulá Hibatullah Akhundzada. Ali, ainda hoje, o comprimento de uma barba ou a curta extensão de uma burca podem selar para sempre o destino de uma vida.

 

Muitos dos deportados não apenas tinham sua documentação em ordem, mas podiam comprovar que haviam nascido no Paquistão, onde não apenas desenvolveram suas vidas, mas já tinham também seus próprios filhos nascidos nesse país. E, embora a constituição paquistanesa considere nacional qualquer pessoa nascida em seu território, os cidadãos de origem afegã são expulsos sem maiores considerações.

 

Tudo isso é fruto da arbitrariedade das leis impostas pelo governo ilegítimo do Primeiro-Ministro Shehbaz Sharif, surgido da conspiração — iniciada com o golpe de Estado contra o Primeiro-Ministro Imran Khan, em abril de 2022 — entre o cada vez mais poderoso exército paquistanês e o establishment, como poucas vezes na história, ainda que soe repetitivo insistir nisso, com a ingerência da embaixada dos Estados Unidos.

 

Washington decidiu, outra vez, transformar o país em seu porta-aviões regional, tendo em vista o afastamento da Índia das políticas norte-americanas e sua cada vez mais forte aliança com Rússia e China. Isso coloca o Paquistão em situação semelhante à do Irã, que, apesar dos ataques concretos e das ameaças vindas de sionistas e norte-americanos, continua no pleno desenvolvimento do processo revolucionário iniciado em 1979. Nesse contexto, entende-se que não são obra do acaso as constantes agressões de Islamabad contra Cabul. Isso desembocou, no último outubro, em uma escalada bélica que apenas pôde ser contida pela Turquia e pelo Catar. Além de algumas dezenas de mortos, deixou “sangue no olho” de muitos fatores de poder de ambos os lados da Linha Durand, como é conhecida a fronteira entre os dois países.

 

Essa escalada levou o governo paquistanês a fechar cerca de cinquenta campos de refugiados, desalojar bairros inteiros e criar, na província de Punjab, um sistema que permite aos cidadãos denunciar a presença de imigrantes.

 

Estrangeiro em meu país

 

Essa é a sensação de centenas de milhares de afegãos obrigados a retornar a um país no qual muitos nem sequer haviam nascido, após serem deportados pela nova lei de estrangeiros. O Paquistão abandonou suas políticas humanitárias, pelas quais acolheu cerca de cinco milhões de afegãos ao longo dos quase quarenta e cinco anos de guerra sofridos pelo Afeganistão, regularizando milhões e concedendo-lhes praticamente o status de cidadãos. A esses devem ser somados os milhares já expulsos do Irã.

 

Desde setembro passado, também têm sido vítimas desses abusos refugiados oficialmente registrados pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), cerca de três milhões de residentes legais no Paquistão.

 

Islamabad utiliza a desculpa de que seus vizinhos se estabilizaram depois de expulsar os norte-americanos em 2021, e que Cabul deve agora assumir seus cidadãos. Porém, é evidente que a situação interna afegã está muito distante de qualquer normalidade mínima após décadas de guerras, nas quais não apenas se demoliu a escassa estrutura produtiva existente, mas o país praticamente carece de infraestrutura que lhe permita algum desenvolvimento. Reduzido quase exclusivamente à agricultura de subsistência, todos sabem que durante décadas o ópio foi seu único recurso de exportação — atividade que agora está sendo fortemente penalizada pelos mulás, que desde agosto de 2021 emitiram várias fatwas condenando desde o cultivo da papoula até o processamento do ópio.

 

Isso tem provocado protestos e até alguns levantes armados esporádicos de produtores que rejeitam as políticas de substituição de culturas, devido à enorme diferença econômica — algo que os próprios mulás conhecem muito bem, pois tiveram no tráfico de ópio uma de suas maiores fontes de financiamento durante os vinte anos de guerra contra os Estados Unidos.

 

Como ainda está muito distante o momento em que os investimentos chineses nas áreas de mineração comecem a dar frutos, o retorno de milhões de afegãos repatriados compulsoriamente pelo Paquistão é interpretado, pelo Emirado Islâmico do Afeganistão, quase como uma ação de guerra. Isso aprofunda ainda mais as tensas relações entre os dois países, diante das acusações de Islamabad de que os mulás estariam protegendo e apoiando tanto o Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP) quanto grupos separatistas do Baluchistão, cuja principal fonte de financiamento o Paquistão acredita chegar até Nova Délhi.

 

Daí a reação virulenta de outubro, sob o pretexto de atacar posições do TTP em território afegão — algo que não é inédito, ainda que desta vez tenha ocorrido com magnitude desproporcional para uma operação contra um país com o qual se mantêm relações diplomáticas.

 

Ao considerar “estabilizados” seus vizinhos do norte, Islamabad argumenta que os refugiados devem regressar a seu país, já que o governo Sharif enfrenta uma complexa crise econômica e de segurança. Por isso, as operações contra os afegãos se intensificaram desde o choque armado de outubro.

 

Nos últimos anos — e, particularmente, nas operações cada vez mais intensas de traslado rumo à fronteira, em caminhões e ônibus que os próprios afegãos devem pagar para serem deixados do outro lado da Linha Durand — centenas de milhares de pessoas, com suas vidas despedaçadas, têm sido jogadas em um limbo do qual, certamente, jamais poderão sair.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

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