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As crises e as disputas pelo poder


Com a demissão do ex-ministro Sérgio Moro teve início um novo capítulo no processo de derrocada do governo Bolsonaro. Não apenas por conta das acusações feitas pelo ex-ministro contra o presidente, nem simplesmente por causa da mitigação de suas bases, mas porque o objetivo almejado por esse movimento já foi em grande medida frustrado.

O motivo da demissão, como anunciado por Moro em sua coletiva de imprensa em 22/04, e confirmado pelo próprio presidente em pronunciamento feito no mesmo dia, foi a troca da diretoria-geral da Polícia Federal. Bolsonaro queria Alexandre Ramagem no cargo – responsável pela segurança do presidente na campanha de 2018 e posteriormente nomeado para a diretoria-geral da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Ramagem é homem de confiança e amigo da família Bolsonaro. O objetivo, que se tornou óbvio demais e abriu mais um flanco contra o governo, era interferir nas investigações que eram conduzidas contra seus filhos.

Mas na manhã de ontem (29/04), o ministro do STF, Alexandre de Moraes, suspendeu a nomeação de Ramagem, que tomaria posse naquela tarde. Bolsonaro apostou alto e não levou. Ele ainda afirmou que o seu objetivo, em breve, “se concretizará” e Ramagem assumirá o cargo. São palavras de alguém que pouco tempo atrás, sentindo-se isolado e desautorizado, apelava muito para o poder de sua “caneta”. Agora, nem a caneta lhe tem servido. Bolsonaro, que quis se mostrar forte, acabou dando mais oportunidades para que seus inimigos o mostrem fraco.

Se nas manifestações lideradas por Bolsonaro no último dia 19/04, ele pareceu se antecipar aos seus rivais mais imediatos, agora passa a ser constrangido em diversas frentes. Mesmo em relação às investigações contra os seus filhos, o efeito foi o inverso do esperado: a exposição desses casos aumentou consideravelmente, além de terem sido ainda mais politizadas em uma série de conflitos entre forças do próprio Estado. Foram revelados detalhes do inquérito contra Flávio Bolsonaro, que tudo indica estar envolvido com o assassinato de Marielle Franco.

Flávio Bolsonaro utilizava o dinheiro das “rachadinhas” – confisco de uma parte do salário, no caso de até 90%, dos funcionários de seu gabinete na Alerj – para irrigar o negócio da especulação imobiliária das milícias na zona oeste do Rio de Janeiro, nas comunidades de Muzema e Rio das Pedras. Há muito tempo sabemos que existe uma prática desenfreada de grilagem de terras por parte das milícias nessa região, que se aproveitam da completa anuência do Estado para ameaçar e explorar seus moradores. Flávio Bolsonaro utilizava o dinheiro que desviava de seu gabinete para financiar a construção de prédios nessas terras roubadas. De acordo com matéria assinada por Luis Nassif, Marielle Franco atuava conduzindo um trabalho de conscientização e organização dos trabalhadores dessas comunidades para enfrentar a grilagem e a especulação imobiliária feita pelas milícias. Esse seria o motivo de seu assassinato.

A fonte citada por Nassif para sustentar sua hipótese é uma entrevista dada por Richard Nunes, general responsável pela Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro durante a Intervenção Federal de fevereiro de 2018. Os militares, que estavam no comando da segurança e inteligência do Rio quando Marielle foi assassinada, conduziram investigações sobre o caso e certamente estão a par das informações reveladas pelo The Intercept Brasil sobre as investigações do Ministério Público do Rio de Janeiro. Bolsonaro, que precisa dos militares para se manter no poder, está em grande desvantagem nessa frente.

Ao mesmo tempo, temos as investigações contra o chamado “gabinete do ódio”, conhecido por criar as narrativas mentirosas do grupo do presidente e espalhá-las pelas redes sociais. O gabinete é chefiado por Carlos Bolsonaro, mas também conta com a participação de Eduardo. Ambos estão sendo investigados em inquérito conduzido pela Polícia Federal. O relator das investigações no STF é Alexandre de Moraes, o mesmo que suspendeu a nomeação de Ramagem. Moraes também é relator das investigações acerca das manifestações do dia 19/04, que tiveram como um de seus alvos o STF. Esse é mais um ponto de fragilidade do governo e de acirramento das contradições internas do Estado – da “crise entre os poderes”.

No Congresso, ainda que Bolsonaro tente reverter a situação se aproximando do chamado “centrão”, o número de pedidos de impeachment não para de crescer. Inclusive vindo de antigos aliados. Rodrigo Maia, responsável por aceitar e dar início à um eventual processo de impeachment, sabe o quanto ele é lento e custoso, em termos tanto políticos quanto econômicos. Sabe que pelo momento de crise sanitária e pela forma que está funcionando o Congresso – por meio de votações virtuais – todo o esforço pode ser facilmente questionado e que isso pode prolongar indefinidamente a crise política do velho Estado. Esses senhores realmente creem poderem restaurar uma velha “normalidade”. É provável que Maia espere a crise passar ou pelo menos amenizar consideravelmente antes de iniciar um processo de impeachment.

Bolsonaro tenta sair da teia em que caiu de muitas maneiras: como já dissemos, tenta negociar cargos e a liberação de emendas para parlamentares do chamado “centrão”. Essa parcela da burguesia burocrática é composta por parasitas natos, que sugarão o presidente em sua fraqueza enquanto puderem. Mas também não são ingênuos, sabem que qualquer outro governo também poderá oferecer as mesmas coisas que Bolsonaro. De resto, a articulação com esse grupo de congressistas depende da ação de dois cargos estratégicos que hoje são ocupados por militares: a Casa Civil, de Braga Netto, e a Secretaria de Governo, de Eduardo Ramos. Esse é mais um ponto em que o governo se colocou em posição de dependência em relação aos militares.

Além disso, não podemos esquecer que isso pode ter certo efeito também na própria base de apoio do presidente: em um momento que sua imagem é amplamente questionada por conta da demissão de Sérgio Moro, assumir uma postura tão nitidamente oposta ao seu discurso não passará despercebido por todos, ainda que sua base mais fiel pouco se importe. Como demonstra a aprovação da Reforma da Previdência, o governo nunca teve escrúpulos em fazer esse tipo de negociata, que, aliás, é comum a todas as gerências do velho Estado. Mas é preciso minimamente disfarça-las ao mesmo tempo em que se garante alguma efetividade, e isso vai se tornando cada vez mais difícil para a quadrilha bolsonarista.

O presidente aposta também na vaga que abrirá no STF no fim deste ano, que será ocupada por alguém de sua indicação. É uma esperança incerta, porque só poderá se concretizar em novembro, além de que não garantirá para ele maioria na casa. Mais uma vez, não podemos subestimar a pressão exercita também no STF pelos militares, especialmente sobre Dias Toffoli, que já denunciamos em outras ocasiões neste site.

Outro fator importante para investigarmos a guerra que existe dentro do velho Estado brasileiro é a posição das classes dominantes. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) lançou recentemente duas notas criticando, ainda que timidamente, o Governo Federal: uma em relação ao corte de incentivos ao sistema S em meio à crise sanitária e outro acerca de um acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a Coreia do Sul, sobre o qual eles não teriam sido consultados. Os latifundiários e os banqueiros, ao que parece, ainda não abandonaram o governo completamente. Mas ontem (29/04) Blairo Maggi, coronel da soja e velho representante político dos latifundiários, deu entrevista ao Estadão criticando o governo, em especial a política adotada em relação à China. A permanência ou não de ministros como Tereza Cristina (agricultura) e Paulo Guedes (economia) também poderão ser decisivos para que esse apoio se mantenha. A primeira é membra do DEM e está sendo pressionada pelo seu próprio partido para entregar o cargo. E o segundo, ainda que os envolvidos neguem publicamente, está em rota de colisão com Braga Netto e Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional) em torno da condução da política econômica no pós-crise sanitária.

O imperialismo estadunidense, especialmente com a gerência de Donald Trump, era outro pilar de sustentação do governo Bolsonaro. Ainda que nada demonstre uma ruptura, Trump pouco fez e pouco fará para salvar seu constrangedor vassalo. Hoje o imperialismo dispõe de inúmeros candidatos para gerir seus interesses em nosso país, tanto em termos de programa econômico, quanto do ímpeto repressivo que ele exige. Todos os que hoje se apresentam como candidatos ao poder – seja por meio de uma incerta eleição em 2022, ou por uma mais provável substituição antes disso – são figuras que trazem muitas semelhanças com o próprio Bolsonaro: são profundamente comprometidos com os interesses das classes dominantes locais, nutrem um ódio indisfarçável contra os trabalhadores, são anticomunistas até os seus últimos fios de cabelo e, sobretudo, são vassalos de senhores estrangeiros. Os imperialistas estadunidenses têm pouco a perder com a derrocada do presidente quando existem tantos competindo para servi-los. Mas podemos especular algo quando vemos que o embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, anunciou em seu twitter que se reuniu com o General Braga Netto no dia 23/04, e com o General Fernando Azevedo e Silva, do Ministério da Defesa, no dia 22/04.

O povo brasileiro, por outro lado, não tem nada a ganhar com a guerra e a vitória de nenhum desses grupos em disputa. Bolsonaro é um inimigo abjeto, sem dúvida alguma, mas com certeza os militares são mais perigosos. E os outros “competidores” – Moro, Doria, Huck, Witzel – não são menos hipócritas. Em meio às pugnas palacianas em torno do poder, milhões de brasileiros são deixados à própria sorte ou mesmo empurrados para a morte. O mísero auxílio de R$ 600 aprovado pelo velho Estado para “socorrer” os trabalhadores não chegou nas mãos de milhões de famílias que necessitam. As medidas de isolamento são gradativamente afrouxadas pelos mais variados governadores e prefeitos sem respaldo científico, mas por pressão do poder econômico. E o povo sofre com o sucateamento dos serviços de saúde pública, que foram sistematicamente atacados nos últimos anos por uma ampla gama de políticos da velha ordem. Ao mesmo tempo, o sistema financeiro recebeu prontamente os seus próprios “auxílios” trilionários do Estado e a burguesia compradora especula com uma série de produtos essenciais, levando muitos brasileiros a passarem fome, sem sofrer nenhum tipo de consequência.

Com a profunda crise sanitária, econômica e política em que vivemos, o processo de guerra interna dentro do velho Estado e de aprofundamento do seu caráter de exceção se aceleram radicalmente. Nesse contexto, estão vendendo ilusões ao povo todos aqueles que insistem em defender uma “institucionalidade” que mais do que nunca é uma letra morta. Mesmo após sucessivas derrotas no campo institucional, que revelaram nitidamente o momento de exceção em que vivemos, as forças do chamado “campo progressista” insistem em clamar pela “democracia” para salvá-los. Não enxergam, ou fingem não fazê-lo, que foi a própria “legalidade democrática” anterior que criou as condições para nossa situação atual e que boa parte de suas instituições trabalharam ativamente pela instauração de um regime de exceção. Enquanto rendem homenagens para uma realidade que não mais existe, reduzem-se à insignificância. Arrastam, entretanto, muitos brasileiros para o abismo que ajudaram a cavar. Isso para não falarmos daqueles que, dentro desse campo, apelam sem a menor vergonha para os generais assumirem o comando da situação. São posições que devem ser combatidas e cobradas, pelo custo que causam ao nosso povo.

Em meio ao caos em que o Brasil foi jogado, são justamente os trabalhadores que desempenham um papel organizador. Existem muitas iniciativas em favelas e periferias de nosso país em que os próprios moradores constroem redes de ajuda mútua, responsáveis por conscientizar e lidar com os efeitos nocivos mais imediatos da crise. São alimentos, materiais de proteção e higiene básica que são distribuídos por meio da iniciativa dos próprios trabalhadores, sem nenhum tipo de ajuda governamental ou de entidades filantrópicas. A solidariedade e a iniciativa popular mostram em momentos como esse a força criadora e organizadora que possuem. Simultaneamente, são novamente os trabalhadores, muitas vezes a despeito dos sindicatos, que se organizam para lutar contra demissões e cortes salariais, bem como para exigir condições mínimas de segurança em setores que não pararam de trabalhar. São essas ações que precisam ser incentivadas, apoiadas, fortalecidas e principalmente politizadas por aqueles que realmente se preocupam com o nosso povo. É aí que encontramos esperanças – além de possibilidades concretas – para a construção de um outro futuro. Um futuro em que o povo faça valer o seu poder.​

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