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O problema do “amiguismo” no movimento estudantil


Uma questão que percebi ao longo de minha experiência no movimento estudantil em uma universidade pública brasileira e que não é apontada e discutida por qualquer sujeito ou organização política é o que chamo de “amiguismo”: uma conduta que ao meu ver entrava o amadurecimento, o desenvolvimento do movimento estudantil no que se refere à sua politização e atuação prática e efetiva contra a ordem dominante (este fenômeno também, é claro, um reflexo das condições em que se encontra o movimento popular e democrático de modo geral na atualidade, que não pretendo tratar especificamente neste texto).

O “amiguismo” é uma relação que as organizações políticas oportunistas, sejam grupos, partidos, coletivos, etc., mantém com as massas de estudantes que não estão organizadas politicamente, onde estas são próximas daquelas não pela defesa de sua linha política, mas por amizade com os integrantes de tais organizações. O problema em si não está na relação amistosa dos militantes destas organizações com o resto dos estudantes, mas sim em como esta relação acaba sendo utilizada por tais agrupamentos para ganharem força dentro do movimento, entravando-o, seja dando a linha nos estudantes ou trazendo-os para dentro de suas fileiras. Isso explicita não só o caráter oportunista dessas organizações da ordem como também o “amiguismo” no seio destas – seus membros compõem este ou aquele partido ou coletivo não por defenderem com convicção e sem vacilação suas posições, seu programa - não raramente, ocorrem casos onde militantes defendem individualmente posições contrárias à sua organização -, mas porque possuem boas relações amistosas com outros membros destes. Essas organizações no lugar de cumprirem sua função de mobilizadora das massas, neste caso estudantis, para engajá-las consequentemente nas lutas democrático-populares, são na prática “clubes de amigos” onde a atividade política é apenas um apêndice e as relações emocionais e afetivas são o determinante. Ocorre também o contrário: o estudante que não compõe nenhuma organização vai à procura de uma com o fim de “fazer novas amizades”: vejam que ele não é mal-intencionado, mas servir de “clube de amigos” não é a finalidade de uma organização política. O interesse pela organização vai mais pelo "clubismo" ou pela estética “revolucionária”, “radical”, do que necessariamente pelo conteúdo programático. O “amiguismo” possui caráter sensitivo, pois somente aborda os fenômenos em sua aparência, pelo seu fator externo e não em sua essência, e é por sua vez, uma manifestação da despolitização do movimento estudantil em dias atuais.

Isso afeta as próprias relações entre as organizações políticas no seio do movimento estudantil, pois as divergências de caráter político-ideológico entre estas são abordadas não como um problema político geral que devem ser discutidos, debatidos com franqueza e seriedade, mas como problemas de cunho pessoal, sentimental, onde “aquele grupo não gosta do meu (leia-se: ‘aqueles elementos não gostam das minhas amizades’)”. Daí vem uma série de infantilidades, como fofocas, piadas acerca da linha política de outra organização, olhares atravessados, etc.

O “amiguismo” é claro também em assembleias estudantis, quando por exemplo, um estudante que é crítico a linha política de organizações badaladas ou de militantes que possuem uma ampla rede de amizades entre os estudantes se manifesta ao público e não lhe é dada a devida atenção (e até mesmo ocorrem casos de deboches e risos por parte daqueles que o ouvem), pois suas críticas são vistas não como políticas (mesmo sendo muitas vezes bem fundamentadas), mas como ataques pessoais. Acontece também de um estudante sentir-se obrigado a concordar e apoiar o posicionamento de alguém pelo fato de manter amizade com este, mesmo discordando total ou parcialmente da posição para "evitar atritos com seu estimado amigo". Só para exemplificar mais precisamente estas situações, com base em experiências cotidianas: 1. “Ah, eu discordo politicamente dele, pois não é meu amigo e ainda critica os meus”; e 2. "não concordo, mas vou apoia-lo para não ferir minha amizade com ele". Eis as manifestações do “amiguismo” no seio de uma assembleia estudantil.

O “amiguismo” é uma relação onde há a prevalecência do lado emocional, irracional, no lugar da reflexão intelectual crítica e séria acerca dos fenômenos do movimento estudantil. Diz o psicólogo francês Henry Wallon, em seu trabalho “Psicologia e Materialismo Dialético” (1942): “A reflexão intelectual refreia a agitação emocional. Mas a emocionalidade persiste. Quando mantida dentro de seus limites, pode agir como um estimulante; mas quando assume o controle restringe ou distorce a reflexão.” Temos aí claramente uma relação contraditória entre a emoção e a reflexão consciente e intelectual onde ambos aspectos existem independente de nossa vontade. O militante que é genuinamente crítico – não aquele que faz a “crítica pela crítica”(como apresenta-se por aí), mas que estuda e compreende criticamente sua realidade nacional, identificando suas contradições e envolve-se na luta política a fim de transformar qualitativamente tal realidade – esforça-se travando uma luta consigo mesmo de maneira constante para que, nesta contradição “emoção x reflexão intelectual” o aspecto principal (dominante) seja o segundo, o da reflexão intelectual. Para pensarmos em fazer uma revolução social em nosso país é preciso, antes de tudo, esta condição, e que as organizações políticas de “esquerda” da ordem vigente não estão sendo capazes de alcançá-la – e nem poderão, pois seu caráter oportunista possui como um de seus alicerces justamente a ingenuidade do “amiguismo”.

Agosto de 2018

Escrito por Igor Dias

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