Entrevista com camponeses do Sul de Minas Gerais

No início do mês de março, um grupo de colaboradores do portal NOVACULTURA.info teve a oportunidade de se deslocar para o sul do estado de Minas Gerais para conhecer melhor a luta dos camponeses da região contra o latifúndio semifeudal e o patronato rural, pela conquista da terra e a reforma agrária. O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), cuja presença na região já ultrapassa a marca de cerca de vinte anos, acumulou uma grande experiência na organização local dos camponeses e assalariados rurais. Após vinte anos de luta, o MST ainda segue organizando mais de quinhentas famílias de posseiros que ainda lutam pela posse da terra na sesmaria de mais de quatro mil hectares pertencente à falida Usina Ariadnópolis. No decorrer da luta, os camponeses foram despejados dezenas de vezes, com alguns dos golpes que certas vezes quase resultaram no fim do movimento camponês no sul de MG. Apesar disto, os lavradores já obtiveram formidáveis conquistas. Aproximadamente duzentas famílias camponesas receberam a posse da terra, tendo sido assentadas nos Assentamentos 1º do Sul e Nova Conquista, na zona rural do município de Campo do Meio, e no Assentamento Santo Dias, localizado na zona rural do município de Guapé. Os avanços dos camponeses na luta pela produção são notáveis. As quinhentas famílias posseiras nas terras de Ariadnópolis já atingem a cifra de produção anual de mais de cem mil sacas de milho, dezenas de milhares de sacas de feijão e arroz, milhares de litros de leite, etc. Apenas no Assentamento 1º do Sul, a atual produção de café atinge a marca anual de quatro mil sacas. Para nos inteirarmos melhor sobre a situação da região e a luta do campesinato local, entrevistamos o companheiro Sebastião Marques e o casal de camponeses Zé Carlos e Iraci. Sebastião Marques, conhecido como Tião, desde sua juventude se engajou na luta dos camponeses e assalariados rurais, tendo participado em diversos processos de lutas de organização de vaqueiros de fazendas de gado do sul de MG, como sindicalista rural. Tendo obtido ao longo de sua vida uma larga experiência também na luta dos assalariados rurais da colheita do café contra o trabalho semi-escravo e por melhores salários, o companheiro Sebastião Marques se apresenta como uma pessoa fundamental para explicar para os leitores da página NOVACULTURA.info um panorama da luta camponesa no sul de MG. O casal Zé Carlos e Iraci, ambos vindos de uma vida de privações e sofrimentos nas grandes cidades brasileiras como semi-proletários, hoje desfrutam das conquistas dadas pela reforma agrária, reflexo direto da luta da classe operária e dos camponeses pobres pelas transformações anti-imperialistas e antifeudais em nossa pátria.
NOVACULTURA.info: Gostaríamos que o companheiro comentasse melhor sobre a questão do histórico do conflito agrário na região, como se deu a luta pela terra e a dinâmica em torno do desenvolvimento deste processo.
Sebastião Marques: Nossa luta aqui na região se iniciou na década de 1990, a partir do ano de 1994. Naquela época, sob o governo de Fernando Henrique Cardoso, o país padecia de uma crise econômica muito grave. O país enfrentava uma situação muito difícil, com níveis elevados de desemprego. Na região, havia muitos trabalhadores que trabalhavam sob condições de escravidão. Então, com a crise, nosso sindicato realizava várias atividades de combate ao trabalho escravo na região, dado que havia muitas fazendas que empregavam a prática de escravizar as pessoas na colheita do café. Foi a partir daí que, em 1996, o MST veio para cá e começou a organizar o povo na região para levar a cabo ocupações de terras. Todavia, a luta contra o trabalho escravo na região começou mais pelo início dos anos 1990. Foi basicamente isso: a luta pela terra se iniciou com a luta pelo combate ao trabalho escravo na região.
NOVACULTURA.info: Poderia comentar mais sobre a questão da escolha da região, sobre quais foram as dificuldades enfrentadas no início? Como se deu o trabalho entre a população local? Por que a escolha do município de Campo do Meio como ponto de partida para o início das lutas?
Sebastião Marques: Certo. Naquela época, também estava havendo muitas falências entre as usinas de cana de açúcar, assim como diversas fazendas que estavam também abrindo falência por conta da crise. Então, haviam muitas terras improdutivas, paradas, e a fazenda da Usina Ariadnópolis possuía uma dívida muito grande com o banco, estando parada há mais de dez anos. Quando a Usina Ariadnópolis faliu, fizemos um trabalho de base entre os trabalhadores para que eles lutassem por seus direitos, pois haviam muitos cortadores de cana que estavam há mais de um ano sem receber seus salários. Propusemos aos trabalhadores que aceitassem as terras das usina em troca das dívidas trabalhistas da usina. Apesar de os mesmos não haverem aceitado, indicaram para nós esta fazenda – sobre a qual se encontra hoje o Assentamento 1º do Sul – que estava há mais de dez anos parada. Era uma fazenda muito própria para ser disponibilizada para a reforma agrária e para ser ocupada. Foi a partir daí que tivemos conhecimento desta área, e articulamos com o povo da região – que também, no geral, era explorado pelo trabalho escravo – para ocupar esta fazenda na data de 18 de novembro de 1996.
NOVACULTURA.info: (interrompendo) Foi a primeira ocupação, no caso?
Sebastião Marques: Sim, a primeira ocupação foi nesta fazenda, pois realmente fazia dez anos que a mesma estava improdutiva. Nossa luta então continuou, e em março de 1998 ocupamos as terras da Usina Ariadnópolis. Em 2004, fizemos uma ocupação de terras em outra usina localizada a cem quilômetros daqui, no município de Guapé, onde hoje está localizada o Assentamento Santo Dias, com 49 famílias camponesas assentadas. A partir daí, concluídas as ocupações, passamos a organizar as famílias em torno da luta pela produção. Inclusive, o Zé Carlos veio de Guapé para Campo do Meio para participar das primeiras ocupações. A Iraci veio de Campinas, em São Paulo, ficando primeiramente no acampamento, e no acampamento conheceu Zé Carlos, vindo então para o assentamento. [...] Seria bom que ela falasse um pouco a vinda dela para cá, a trajetória dela, não?
Iraci: A primeira ocupação da qual participei foi em São Paulo (mostra para nós fotos e panfletos da época da qual se engajou no movimento camponês). [...] Olha aí as fotos dos barracos. Foi a primeira ocupação que fizemos. De lá para cá, mapeava todas as ocupações pela qual passava, desde a data da entrada até a saída, até chegar a esta casa onde agora estou. Todo lugar entravamos e saíamos, entravamos e saíamos. Quando cheguei na ocupação da usina, mapeei também. Quando saí de lá do acampamento, fui morar com Zé Carlos aqui no 1º do Sul. Porém, antes de participar de ocupações de terras, eu morava no Paraná, e trabalhava como cortadora de cana. Vocês devem saber que o trabalho de cortar cana é algo difícil, não? Ainda mais para mulher. Quando saí de lá, fui primeiro para o município de Hortolândia, no interior de São Paulo, onde conheci o MST e a turma de Campinas que fazia ocupações de terras. Foi quando comecei a participar. De lá para cá, só venho acompanhando o MST. (mostrando as fotos) Aqui foi uma caminhada que fizemos para Brasília, tenho até hoje as fotos. Fomos de Ribeirão Preto – SP para Brasília. [...] Você não tem as fotos da época não, Tião?
Sebastião Marques: Não tenho.
Iraci: Eu guardo é tudo, Tião. (risadas) Até o jornalzinho.
NOVACULTURA.info: Podemos fotografar os materiais?
Iraci: Podem sim. Essa aí foi uma caminhada que fizemos. [...] Você não estava lá, Tião, quando estávamos nesta caminhada em que saímos de São Paulo? Foram vários dias a pé. Está marcado aí na folhinha quando foi que fizemos.
Sebastião Marques: Acho que é de 2005 isso aqui.
Iraci: Foi uma caminhada bem longa. Todo mundo cansou nisso aí.
NOVACULTURA.info: (dirigindo-se a Zé Carlos) Zé Carlos, você não teria nada a acrescentar? Algo a mencionar?
Zé Carlos: Ela praticamente já falou tudo, não? Eu vim foi de Guapé para cá. Antes de vir para cá, morei em Campinas também. Morava na Vila Formosa. Trabalhava na UNICAMP, como ajudante de legista. Sabe que a vida era meio corrida, né? Minha mãe morava aqui, eu morava lá. Passava muita tempo sem ver a velha. Então, resolvi vir aqui passear para visita-la. Quando cheguei em Guapé, me falaram que meu irmão estava aqui neste acampamento. Haviam ocupado essas terras recentemente, e naquela época, como não tinha muito costume de lidar com movimentos, até xinguei meu irmão. (risadas) Falei para minha mãe: “Não é possível de meu irmão ser um sem vergonha que rouba terra dos outros”. Afinal, não sabia como era o procedimento, né? Porém, minha mãe falou: “Ah, mas você vai lá visita-lo, não?” Aí eu fui visita-lo. Cheguei aqui, e acabou que se o que meu irmão fizesse realmente fosse roubo, eu teria virado ladrão (risadas). Pois cheguei aqui, gostei, e não voltei para Campinas. (risadas) Graças a Deus, estou aqui até