"Índia, o fim da guerra maoísta?"
- NOVACULTURA.info

- 28 de out.
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A recente entrega voluntária de sessenta e um dirigentes do movimento insurgente naxalita à polícia da cidade de Gadchiroli, no centro-oeste da Índia, no estado de Maharashtra — a mais de 900 quilômetros a leste de Mumbai, a capital estadual — abriu um leque de especulações e perguntas sobre a continuidade da guerrilha maoísta que, desde 1967, tem atuado em vastas regiões do país asiático, particularmente no que se convencionou chamar de “Corredor Vermelho da Índia”: cerca de 225 distritos em vinte estados, correspondentes às regiões mais pobres do país, entre eles Chhattisgarh, Jharkhand, Odisha, Bihar, Andhra Pradesh, Madhya Pradesh e Uttar Pradesh.
Foi justamente a presença da insurgência que obrigou os governos estaduais e o central a realizar obras de melhoria nessas regiões, começando pela abertura de estradas e pela construção de torres de telefonia, além de outras melhorias bem recebidas pela população rural, que começou assim a voltar as costas aos guerrilheiros.
A capitulação dos membros do Birô Político do Comitê Central naxalita da região oriental ocorreu após entregarem o armamento que possuíam do Exército Guerrilheiro Popular de Libertação (PGLA). Entre eles estava o comandante Mallujola Venugopal Rao, conhecido como Bhupathi. O ato contou com a presença do ministro-chefe (governador) Devendra Fadnavis, que declarou: “É um acontecimento transcendental na história do país. A rendição de Bhupathi marca o começo do fim do movimento naxalita em Maharashtra”.
Sem dúvida, a rendição de Bhupathi — que militava na guerrilha maoísta desde 1980 e declarou no momento da entrega estar “farto do movimento” — causará abalos no núcleo da organização, que desde 2010 vem em franco retrocesso, apesar das tentativas de reverter a situação no início desta década.
Em 2015 havia se rendido o comandante Gajarala Ashok, que perdera um dos irmãos em um confronto armado. Enquanto isso, uma das figuras mais importantes da organização, Narmada Akka, foi presa em 2019 na cidade de Hyderabad, onde tratava um câncer, vindo a falecer três anos depois. Essas perdas afetaram profundamente a estrutura do Partido Comunista e aprofundaram a decadência. Com a recente entrega de Bhupathi, assinala-se, de forma quase inevitável, o destino final da guerrilha maoísta indiana.
Já em agosto passado, o Partido Comunista da Índia (Maoísta) divulgara um comunicado — conhecido um mês depois — no qual anunciava a suspensão de sua luta armada. Teria argumentado que a decisão se fundamentava na “mudança da ordem mundial e da situação nacional”, referindo-se, sem nomeá-lo, à melhoria substancial das relações entre Nova Delhi e Pequim, particularmente após a reunião entre o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, e o presidente chinês, Xi Jinping, no marco do Conselho de Chefes de Estado da Organização de Cooperação de Xangai (OCS), realizada na cidade chinesa de Tianjin, entre 31 de agosto e 1º de setembro passados.
Essas declarações contrastam com as emitidas nesta semana pelo Comitê Central, que afirmou: “Nosso partido está apenas interessado em resistir à política de rendição do governo, assim como à sua linha reacionária e repressiva”. O comitê atribuiu a primeira versão a uma campanha propagandística da inteligência indiana.
Com a entrega dos militantes de Maharashtra, começaria a ser desfeito o caminho iniciado em 1967, na aldeia de Naxalbari, em Bengala Ocidental. Um grupo de camponeses dalits (párias, impuros ou intocáveis) e adivasis (povos originários, cuja tradução significa “primeiros homens”) resistiu aos abusos e extorsões dos zamindars (proprietários de terras).
Desde então, a guerra insurgente deixou pelo menos 12 mil mortos, alcançando nos primeiros anos deste século seu auge, quando chegou a contar com cerca de 20 mil milicianos — o que levou, em 2009, o então primeiro-ministro Manmohan Singh a qualificá-la como “a maior ameaça à segurança interna da Índia”.
A partir de 2010, o exército indiano realizou diversas operações. A guerra suja de Narendra Modi, lançada em 2014, após sua chegada ao cargo de primeiro-ministro, intensificou essas ações. Ao mesmo tempo, o desenvolvimento econômico do país — que permitiu a milhões de pessoas saírem da pobreza — retirou da guerrilha parte de seus argumentos, embora milhões de indianos ainda vivam mergulhados na pobreza e sob o sistema de castas.
Apesar de ter sido abolido há décadas, o sistema de trabalho forçado e gratuito conhecido como vethi segue ativo nas profundezas da Índia, em regiões isoladas e marginalizadas pelas políticas federais. Por dívidas, pessoas ainda são obrigadas a trabalhar para particulares em setores como agricultura, pecuária, olarias, minas de carvão ou serviço doméstico — já não apenas para o Estado, como era originalmente.
Aqui ninguém se rende
Enquanto as chefias das diferentes polícias regionais continuam incentivando líderes e quadros médios da guerrilha a se renderem, o Comitê Central do partido e outros órgãos partidários rejeitam a rendição do comandante Mallujola.
Em comunicado oficial, o principal órgão do partido informou que continua apoiando a luta armada.
Enquanto as divisões internas se aprofundam — com algumas seções anunciando sua vontade de entregar as armas e render-se às forças de segurança — outras regionais expressam, por meio de comunicados, seu repúdio a essa decisão, rejeitando qualquer proposta de entrega. Essa postura tem sido contundentemente apoiada tanto pelo Comitê Central quanto pelo Birô Político.
Como prova da decisão irrevogável do partido, dois dos homens mais comprometidos com a ideia de não se render — membros do Comitê Central, Kadari “Kosa” Satyanarayana e Katta “Vikalp” Ramachandra — caíram nos bosques de Abujmad, no estado de Chhattisgarh, no coração do “Corredor Vermelho”. Com essas duas novas baixas, somam-se já 249 combatentes mortos em Chhattisgarh somente neste ano.
Segundo fontes do Partido Comunista da Índia (Maoista), o governo conduz uma campanha de desinformação sobre o que realmente acontece dentro do partido e nos diferentes frentes de combate do Exército Guerrilheiro Popular de Libertação — não apenas para desmoralizar seus integrantes, mas também para retirar-lhes o apoio dos camponeses que historicamente os sustentaram na luta.
Para além do cruzamento de operações midiáticas, do que diga o governo indiano e da resposta do PCI, uma coisa é palpável: a cidade de Gadchiroli, em Maharashtra — particularmente a aldeia de Charbhatti, até há pouco tempo epicentro da atividade maoísta — encontra-se em franco retrocesso, praticamente livre da influência maoísta. Desde 2020, pouco mais de 70 combatentes naxalitas se renderam, em troca de uma recompensa total de cerca de três milhões de dólares. Segundo comunicado das forças de segurança, a decisão dos milicianos estaria relacionada à “desilusão com a ideologia maoísta”.
Muitos aldeões atribuem o declínio do movimento insurgente nesse setor à rendição de um comandante conhecido como “Suresh”, líder do grupo local, após o que as atividades naxalitas começaram a se dissolver, a ponto de a área ser considerada livre de qualquer atividade insurgente. Esse fenômeno coincidiu com a implementação de um modesto plano de obras de desenvolvimento para a aldeia.
Pelo que se vê, a longa luta naxalita parece estar se aproximando de seu fim — embora as políticas ultraliberais de Narendra Modi façam com que, mais uma vez, em algum remoto rincão da Índia, possa recomeçar uma nova guerra em busca de justiça.
Por Guadi Calvo, no Línea Internacional
Nota dos editores: nem todas as posições expressas neste texto ou pelo autor condizem necessariamente e/ou integralmente com a linha política de nosso site ou da União Reconstrução Comunista.




















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