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"Nos estádios da Tunísia, a resistência dos ultras"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • há 24 minutos
  • 6 min de leitura
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As palavras de ordem entoadas pelas torcidas durante as partidas de futebol sempre refletiram o sofrimento e as aspirações da juventude. Por meio de suas faixas e hinos, os jovens tunisianos expressam sua desilusão com os políticos que continuam a ignorá-los. Hoje, estão na vanguarda da luta pelas liberdades civis.

 

Envolto em um lenço preto com o emblema de seu grupo, Farès (nome fictício) vagueia pelas estreitas ruas do bairro operário onde cresceu. Uma mistura de curiosidade e familiaridade é percebida nos rostos dos transeuntes. Hoje não é um dia como outro qualquer: é dia de jogo! Com o coração pulsando, a torcida forma uma procissão rumo ao estádio. Mas por trás do ambiente de cordialidade, todos sentem apreensão pelo que os espera. Porque entrar no estádio não significa apenas acessar as arquibancadas. Trata-se, sobretudo, de atravessar uma barreira de repressão sistemática.

 

Diante da porta do Estádio Olímpico Radès, na periferia sul de Túnis, cruzam-se olhares com policiais uniformizados armados de cassetetes para “garantir” a partida. Começa a revista, vivida mais como uma humilhação do que como uma medida de segurança. Chovem ordens: “Tire os sapatos!”, “Tire o boné!”, “Esvazie os bolsos!”, “Jogue fora as moedas!”. O tom é marcial e inquestionável, os rostos são filmados e fotografados sem a menor explicação: “Por que você está vestido de preto hoje? Onde colocou as bombas de fumaça? De que cidade você é?”. Farès permanece descalço sobre o chão gelado como um réu em tribunal.

 

“REPRESSÃO SUAVE”

 

Trata-se de estabelecer uma relação de forças, senão de provocar a torcida. Diante do sorriso zombeteiro de um agente, Amin e alguns de seus companheiros mordem os lábios para conter a raiva; outros sorriem para não dar pretexto à polícia. Mas, uma vez ultrapassada a porta, todas as humilhações se dissipam. Nas arquibancadas, a voz é mais forte que os ukases, e cada coro pela liberdade se torna uma pequena vitória que se renova a cada jogo.

 

Mesmo antes do início, as arquibancadas começam a vibrar. Os cânticos se intensificam, o tifo se abre, não apenas como uma apresentação artística ou estética, mas como uma afirmação coletiva de resistência. Ao ser abordado pelo Nawaat, um dos ultras — que geralmente se recusam a falar com a imprensa ou se comunicam com moderação — testemunha: “As autoridades procuram constantemente impor-nos múltiplas restrições”, através do que ele chama de “repressão suave”, que, segundo ele, se manifesta em uma série de medidas que restringem a liberdade de expressão.

 

As imagens da multidão são analisadas minuciosamente. O Ministério do Interior exige autorização prévia dos serviços de segurança para introduzir tifos e faixas no recinto. Oficialmente, esta medida se justifica pelo respeito à liberdade de opinião e criatividade. Mas, segundo nossa fonte, na realidade serve para instaurar censura prévia, com o objetivo de evitar qualquer mensagem que possa prejudicar a imagem do governo ou levantar questões tabu sobre a gestão dos assuntos de Estado.

 

Nos dias que antecedem o jogo, cada grupo de ultras passa noites inteiras preparando o tifo, tarefa que leva semanas, até meses. Nunca é fácil, já que seus recursos são limitados, o tempo é escasso e o temor de proibição por parte das autoridades é constante. Sabem que a qualquer momento a polícia pode parar tudo e anular seus esforços sob o pretexto de uma “concentração não autorizada”.

 

“APRENDE A NADAR!”

 

Os grupos ultras, que antes gozavam de maior liberdade de expressão, sentem que o cerco se aperta. Por isso, alguns chegam a renunciar aos tifos. Nesse contexto, a “repressão suave” mencionada por Farès se transforma em uma arma formidável nas mãos de quem detém o poder para semear estresse e medo. Além disso, muitos líderes ultras preferem evitar exibir palavras de ordem políticas que possam provocar a ira do regime. Sentem que devem lutar constantemente para preservar sua capacidade de se expressar livremente. Contudo, quando a bandeira gigante tremula nas arquibancadas, o orgulho de ter superado a censura dissipa qualquer temor.

 

O movimento ultra político tunisiano enfrenta uma repressão crescente por parte do Ministério do Interior desde março de 2018, após a morte do jovem torcedor Omar Laabidi, durante uma perseguição policial perto do estádio Radès. Omar se afogou em um barranco lamacento, apesar de suas súplicas à polícia, dizendo que não sabia nadar. Ao infeliz, disseram: “Taalem aoum!” (“Aprende a nadar!”).

 

Esse crime não foi um simples erro policial, mas a faísca que incendiou a ira da torcida. Inspirou a simbólica campanha “Taalem aoum!”. Pouco a pouco, se transformou em um ponto de inflexão na luta por justiça e contra a impunidade policial. A sociedade civil a abraçou, instando as autoridades a declarar todo 31 de março, aniversário da morte de Omar, como o Dia Nacional da Luta contra os Erros Policiais. O movimento de protesto deixou os estádios para ocupar as ruas, gerando entusiasmo sem precedentes e amplo apoio de todos os grupos ultras, além de associações e sindicatos. Essa iniciativa rapidamente conquistou adeptos em todo o país.

 

Nos últimos anos, o movimento ultra cresceu consideravelmente. Já não se limita aos subúrbios da capital, como em seus primórdios, mas se expandiu para muitas regiões e províncias que durante muito tempo foram ignoradas pelas políticas de desenvolvimento.

 

EM GABÈS, OS ULTRAS ERGUEM A BANDEIRA DA LUTA SOCIAL

 

Gabès, cidade portuária do sudeste da Tunísia, é um dos lugares onde a ascensão dos ultras os levou ao espaço público local. Deixando para trás os âmbitos esportivos, entraram nos debates sobre questões sociais e políticas, tornando-se uma força ativa na defesa dos direitos humanos para além da região.

 

A principal preocupação dos habitantes de Gabès é a poluição química. O movimento ultra está plenamente comprometido com a luta contra a degradação ambiental causada pelo Grupo Químico Tunisiano (GCT), um complexo industrial de processamento de fosfatos que representa graves ameaças ecológicas e sanitárias. Contudo, vários membros do grupo ultra local declararam ao Nawaat que qualquer protesto contra as “políticas de envenenamento” em Gabès é sistematicamente alvo de uma campanha de vigilância e repressão por parte das autoridades.

 

Um ultra testemunha: “O governo considera Gabès um campo de testes para substâncias químicas, sem se importar com a saúde da população nem de seus filhos. Hoje vivemos em um ambiente contaminado, sem ar limpo para respirar nem praias limpas onde desfrutar. Gabès está se transformando pouco a pouco em uma região envenenada. E se isso continuar, corremos o risco de chegar a um ponto em que a população ficará privada das condições mais básicas de vida”.

 

Para superar as divisões e reforçar suas fileiras diante da repressão que paira sobre eles indiscriminadamente em todo o país, os ultras lançaram uma campanha sob o lema “Por uma mobilização unificada”, que chama a combinar solidariedade e ajuda mútua entre todos os grupos.

 

O CARNÊ DE TORCEDOR, UM PROJETO LIBERTICIDA

 

Por sua vez, o Ministério do Interior, através de seus porta-vozes nos meios oficiais e não oficiais, promove o projeto “Fan ID”. Este projeto condiciona o acesso aos estádios à posse de um documento de identidade específico, o que permitirá maior vigilância policial e um controle ainda mais rigoroso de qualquer torcedor que entre em um estádio, especialmente nas curvas, bastiões dos ultras. Estes veem nisso uma ameaça direta à sua existência, já que fere a liberdade de movimento e viola seus dados pessoais. Para eles, trata-se de uma nova tentativa de controle de multidões tanto dentro como fora dos recintos.

 

Assim, os ultras passaram de defender uma causa individual a uma demanda mais ampla, destinada a proteger as liberdades públicas nos estádios. Embora o carnê de torcedor ainda não tenha sido implementado, os grupos ultras já lançaram uma contra campanha, “Sem carnê de torcedor”, que expressa seu rechaço absoluto a qualquer violação de sua liberdade de expressão.

 

Além disso, os ultras ameaçam boicotar os estádios durante a temporada 2025-2026 se as autoridades mantiverem o plano e a direção dos clubes o acatar. Reiteram que essa medida não apenas significaria o fechamento definitivo dos estádios aos torcedores, mas também constituiria um novo passo rumo à restrição das liberdades públicas na Tunísia. Em suma, essa contra campanha não é apenas uma batalha contra uma medida de segurança, mas uma extensão de uma luta mais ampla dos ultras tunisianos contra as políticas repressivas que afetam setores inteiros da vida cotidiana.

 

QUEDA DE BRAÇO

 

Se o movimento “Taalem aoum!” e as lutas passadas marcaram um ponto de inflexão nas relações entre os ultras e o Ministério do Interior, “No Fan ID” promete um enfrentamento crescente, pois reflete uma consciência cada vez maior em defesa dos direitos civis.

 

Durante muito tempo na vanguarda dos movimentos de protesto, os ultras continuam sendo uma das poucas forças tunisianas capazes de romper a inércia social e a resignação política. Por meio de suas iniciativas, esforçam-se, com voz potente e rosto descoberto, para inspirar uma nova dinâmica nas arquibancadas em nome da luta contra a submissão e pelas liberdades. Mais convencidos do que nunca da necessidade de uma mudança política e de uma participação ativa nas lutas sociais.

 

Os movimentos ultras na Tunísia não podem ser reduzidos a meros grupos de jovens torcedores. É hora de reconhecer sua luta como um instrumento na batalha contra a repressão política e a marginalização social. Com seus lemas e cânticos, esses grupos desafiam o discurso autoritário e populista das autoridades. Redefinem a relação entre a juventude tunisiana e o espaço público, demonstrando que os estádios não são apenas pátios de recreação, mas verdadeiros palcos onde se expressam as reivindicações de toda uma sociedade.

 

Do Resumen Latinoamericano

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