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"Afeganistão, sem lugar para onde voltar"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • há 2 dias
  • 6 min de leitura
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As décadas constantes e praticamente ininterruptas de guerras no Afeganistão, que grosseiramente e sem sutilezas poderíamos situar entre o fim dos anos 70e 15 de agosto de 2021, expulsaram milhões de afegãos. Embora esse “até” deva ser tomado entre muitas aspas.

 

Esses milhões, que podem somar cerca de dez milhões, buscaram refúgio principalmente no Paquistão e no Irã, e em menor medida nas ex-repúblicas soviéticas do norte (Turcomenistão, Uzbequistão e Tajiquistão) e, em grau ainda mais reduzido, em países do Golfo, Europa e Estados Unidos, onde continuam padecendo os infortúnios derivados do estigma de sua origem.

 

Por exemplo, a crise econômica, política e de segurança que vive o Paquistão deu ao governo do primeiro-ministro Shehbaz Sharif a desculpa para implementar, a partir de outubro de 2023, medidas como o Plano de Repatriação de Estrangeiros Ilegais (PREI), destinado a localizar e expulsar do país os milhões de afegãos que chegaram em sucessivas ondas migratórias, ao ritmo dos seus conflitos.

 

Dada a irregularidade dessas chegadas e a permeabilidade da fronteira — conhecida como Linha Durand —, além do tráfego constante que por ela circula, o número real é impossível de conhecer. Calcula-se, porém, que nunca tenha sido inferior a sete milhões de pessoas.

 

Sabe-se que, desde a vigência dessa medida, meio milhão foi devolvido ao seu país em violação de todas as normas legais que os protegiam. Após várias interrupções, a campanha continua e, nos últimos quatro meses, já foram expulsos cerca de 80 mil a mais.

 

O governo paquistanês incentiva tais operações devido aos frequentes ataques de grupos como o Tehrik-i-Taliban Pakistan (TTP) ou o Exército de Libertação do Baluchistão (BLA), que, segundo Islamabad, receberiam apoio e financiamento de Cabul. Versões também promovidas pela mídia, que convertem qualquer afegão em potencial terrorista.

 

Algo semelhante ocorre no Irã, onde, nas semanas posteriores aos ataques de Israel em junho de 2025 — que deixaram cerca de mil mortos —, diversas fontes espalharam que muitos dos mais de 3 milhões de afegãos (documentados e indocumentados) exilados na república islâmica teriam vínculos com Tel Aviv e que, em seus acampamentos, seriam fabricados drones para operar desde e contra o Irã. Além de instalar explosivos em repartições públicas e prédios de meios de comunicação em Teerã. Isso desencadeou uma onda de ações contra refugiados afegãos, hostilizados e espancados nas ruas de várias cidades iranianas, obrigados a admitir que seu país é um Estado terrorista e até que trabalhavam para o enclave sionista que ocupa ilicitamente a Palestina. O governo, aproveitando essa onda anti-afegã, acelerou a já programada expulsão de cerca de 700 mil deles a partir de então.

 

Tal como ao longo da Linha Durand, na fronteira entre Afeganistão e Irã, a população afegã resistiu durante décadas vivendo em péssimas condições, já que os sistemas humanitários, devido às operações constantes dos Estados Unidos e de Tel Aviv contra Teerã, estão se tornando incapazes de continuar prestando assistência.

 

A chegada de milhares de refugiados retornando ao Afeganistão também disparou os alarmes no governo dos mulás, dado que enfrentam um gasto que sua frágil economia não pode sustentar. Já no ano passado, o Irã teve de deportar cerca de 700 mil afegãos, sempre empurrados pela crítica situação econômica.

 

Apenas um ano após o triunfo da revolução islâmica no Irã, em fevereiro de 1979, começou em dezembro daquele ano a guerra antissoviética no Afeganistão. Isso levou os aiatolás a abrir suas fronteiras para os milhares de refugiados que começavam a escapar.

 

A generosidade no acolhimento desses deslocados, que fez do Irã por anos o país com mais refugiados do mundo, seguiu gerando novas ondas à medida que a guerra contra o governo socialista de Cabul, financiada pelo Ocidente, ganhava intensidade. O Irã não apenas deu a seus irmãos o status de refugiados, mas também educação, saúde e outros benefícios, que quase os equiparavam à população local.

 

Todos conhecemos as vicissitudes vividas pelo Irã à medida que a revolução se afastava das políticas de Washington. E justamente para evitar que seu exemplo se espalhasse por outros países da região, onde a questão palestina já era uma ferida aberta, as políticas do Ocidente — com restrições e bloqueios contra o Irã — foram em larga escala, incluindo a guerra por procuração que a Casa Branca ordenou a seu ex-sócio Saddam Hussein, a qual consumiu os primeiros oito anos da revolução e deixou mais de um milhão de mortos, dois milhões de feridos, quatro milhões de deslocados e uma crise financeira que obrigou Teerã a reconsiderar suas políticas em relação aos refugiados afegãos. Assim, fechou a fronteira de quase mil quilômetros, limitou os programas sociais destinados a essa população e reforçou os controles fronteiriços, não apenas pela chegada de novos refugiados, mas também porque ela se havia convertido na grande porta de saída da produção de ópio em direção às monarquias do Golfo, com as quais tanto os Estados Unidos como, mais tarde, a partir de 1994, os talibãs financiaram sua guerra. Isso custou, ao longo de todos esses anos, a vida de entre cinco e seis mil guardas fronteiriços iranianos.

 

O fim do sistema Amayesh?

 

A partir de 2007, o governo iraniano implementou o chamado Sistema Amayesh (“logística”), um registro exclusivo para migrantes afegãos chegados antes de 2001, pelo qual se lhes concede residência temporária em áreas predeterminadas, permissões de trabalho e assistência social (educação e seguros médicos) — cerca de 800 mil no total —, administrado pelo Escritório de Assuntos de Estrangeiros e Imigração (BAFIA, em inglês), que deve atualizá-lo periodicamente. Já os chegados depois dessa data contam apenas com a proteção do direito internacional garantido pelo status de refugiado.

 

Os beneficiários desse plano, por exemplo, têm a obrigação de pagar taxas anuais para renovação dos cartões e solicitar permissões de deslocamento para zonas consideradas proibidas.

 

Todos esses benefícios vêm sofrendo cortes à medida que a agressão sionista-norte-americana se intensifica e estrangula a economia iraniana. Segundo fontes ocidentais, o governo não atualiza as listas de refugiados desde março passado, de modo que as últimas cifras estimadas são pouco confiáveis e poderiam até ocultar expulsões arbitrárias, como as que ocorrem no Paquistão e são toleradas pelo duplo padrão do Departamento de Estado.

 

O governo iraniano também é acusado de reservar aos beneficiários do plano Amayesh os trabalhos pior remunerados em setores como construção civil e agricultura, além de ter incorporado compulsoriamente cidadãos afegãos à Divisão Fatemiyoun ou Liwa Fatemiyoun (Bandeira de Fátima), uma milícia composta majoritariamente por hazaras afegãos (xiitas) perseguidos em seu país e no Paquistão por serem considerados kafires (apóstatas). Eles lutaram desde 2014, ao lado do Hezbollah e da Força al-Quds da Guarda Revolucionária Iraniana, em apoio ao governo do presidente Bashar al-Assad.

 

A primeira escala no Afeganistão para os repatriados foi a cidade de Islam Qala, na província de Herat, próxima da cidade iraniana de Taybad, um importante centro econômico graças ao comércio, onde milhares chegaram ainda abalados pelo vivido durante os ataques sionistas, as perseguições posteriores e a retenção em centros de deportação por duas semanas antes de serem levados à fronteira.

 

De lá, retornam aos seus locais de origem ou a Cabul, adentrando um país em crise econômica, social e de segurança.

 

A instabilidade após a fuga dos Estados Unidos continua e se agrava, em plena escalada das tensões internas entre os talibãs, especialmente em Kandahar, onde reside o líder supremo da república islâmica, o mulá Haibatullah Akhundzada, que representa os setores mais ultraconservadores, em confronto com o poder político “renovador” do grupo sediado em Cabul (ver: A fenda afegã).

 

Além disso, atuam no país ao menos duas organizações armadas que enfrentam o poder talibã: o Daesh Khorassan (D-K), conhecido mundialmente após sua operação contra o Crocus City Hall em Moscou, em março do ano passado; e o grupo Frente de Resistência Nacional do Afeganistão (FRN), uma cabeça de ponte e lembrete da CIA aos mulás sobre onde se instalar, caso fosse necessário. O FRN ficou sob comando de Ahmad Massoud, filho de Ahmad Shah Massoud, um dos senhores da guerra contra a União Soviética, assassinado pela al-Qaeda dois dias antes dos ataques às torres de New York, e também do ex-vice-presidente Amrullah Saleh, na verdade um aventureiro associado a Washington em busca de negócios.

 

A frente de resistência estabeleceu-se em alguns distritos da província de Panjshir, terra natal do clã Massoud, sem maiores ações desde o anúncio de sua passagem à clandestinidade — para que os afegãos não tenham para onde voltar.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

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