Mariátegui: "Ética e Socialismo"

Não são recentes as censuras ao marxismo por sua suposta posição antiética, por suas bases materialistas, pelo sarcasmo com o qual Marx e Engels tratam em suas páginas as polêmicas da moral burguesa. A crítica neo-revisionista não diz, a este respeito, nenhuma coisa que já não tenham dito antes os utópicos e fariseus de outra era. Mas a reivindicação de Marx, do ponto de vista ético, já foi feita por Benedetto Croce, este é um dos representantes mais autorizados da filosofia idealista, cuja opinião parecerá para todos ser mais decisiva que qualquer deploração jesuíta da inteligência pequeno-burguesa. Em um de seus primeiros ensaios sobre o materialismo histórico, refutando a tese da posição antiética do marxismo, Croce escrevia o seguinte:
Não são recentes as censuras ao marxismo por sua suposta posição antiética, por suas bases materialistas, pelo sarcasmo com o qual Marx e Engels tratam em suas páginas as polemicas da moral burguesa. A crítica neo-revisionista não diz, a este respeito, nenhuma coisa que já não tenham dito antes os utópicos e fariseus de outra era. Mas a reivindicação de Marx, do ponto de vista ético, já foi feita por Benedetto Croce, este é um dos representantes mais autorizados da filosofia idealista, cuja opinião parecerá para todos ser mais decisiva que qualquer deploração jesuíta da inteligência pequeno-burguesa. Em um de seus primeiros ensaios sobre o materialismo histórico, refutando a tese da posição antiética do marxismo, Croce escrevia o seguinte:
“Esta corrente tem estado determinada principalmente pela necessidade em que se encontraram Marx e Engels, frente as várias categorias dos socialistas utópicos, ao afirmar que a chamada coesão social não é uma questão moral (isto é, como deve ser interpretado, não sendo resolvido com a pregação e com os chamados meios morais) e por suas críticas duras as ideologias e hipocrisias de classe. Foi auxiliada mais tarde, pelo que me parece, pela a origem hegeliana do pensamento de Marx e Engels, sendo conhecido que na filosofia hegeliana a ética perde a rigidez que foi dada a ela por Kant e conservada por Herbart Y. finalmente, a denominação de “materialismo” não falta nesta eficácia, o que faz pensar imediatamente no interesse bem compreendido e no cálculo dos prazeres, mas é evidente que a idealidade e o absoluto da moralidade, no sentido filosófico de tais palavras, são pressupostos necessários do socialismo. Não é por acaso, um interesse moral ou social, como se quer decidir, o interesse que nos move a construir o conceito de mais-valia? Na economia pura, pode-se falar em mais-valia? O proletariado não vende sua força de trabalho pelo que ela vale, dada a sua situação na sociedade atual? E, sem esse pressuposto moral, como se explicaria, junto com a ação política de Marx, o tom de indignação violenta ou sátira amarga que é notada em todas as páginas do Capital? “(Materialismo Histórico e Economia Marxista).
Este julgamento de Croce me deixa tocado, sobre o tema de algumas frases de Unamuno, em A agonia do cristianismo, conseguindo que o brilhante espanhol, honrando-me com sua resposta, escrevesse que, em verdade, Marx não era um professor senão um profeta.
Croce já reiterou explicitamente, mais de uma vez, as palavras citadas. Uma de suas críticas conclusões sobre a questão é, precisamente, “a negação da intrínseca amoralidade e da intrínseca posição antiética do marxismo”. E, como no mesmo texto, se maravilha de que ninguém “tenha pensando em chamar Marx, à título de honra, de Maquiavel do proletariado”, onde pode se encontrar a explicação ampla e cabal em sua defesa do autor de O Príncipe, perseguido tão igualmente pelas deplorações de seus posteriores. Sobre Maquiavel, Croce escreveu que ele
“descobriu a necessidade e a autonomia da política, que ela está mais ao bem do que ao mal, que tem suas leis contra as quais se rebelar é um ato em vão e que ela não pode exorcizar o mundo com a água benta”.
Maquiavel, na opinião de Croce, se apresenta
“como dividido pelo animo e pela mente acerca da política, pela qual conseguiu descobrir a autonomia e que aparece hora triste necessidade de degradar as mãos por ter que que mexer com pessoas brutas, hora arte sublime de fundar e sustentar aquela grande instituição que é o Estado” (Elimenti di política).
A semelhança entre os dois casos foi expressamente indicada pelo próprio Croce, nestes termos:
“Um caso, análogo em certos aspectos é o das discussões sobre a ética de Marx e a crítica tradicional da ética de Maquiavel: crítica que foi superada por De Sanctis (no capítulo sobre Maquiavel em sua Storia Della Letteratura), mas que volta continuamente e se afirma na obra do professor Villari, onde se coloca que a imperfeição de Maquiavel é esta: que ele não se propôs a falar sobre a questão moral. E comecei a refletir e me perguntar, porque obrigação, qual contrato deveria fazer com que Maquiavel escrevesse sobre todas as questões, inclusive aquelas pelas quais ele não se interessava e sobre as quais ele não tinha nada a decidir. Seria o mesmo que se aproximar, a alguém que investiga a Química e perguntar a pessoa sobre as investigações gerais da metafísica sobre os princípios do real.”
A função ética do socialismo, sobre quais indubitavelmente enganam a pressa e exorbitâncias sumárias de alguns marxistas como Lafargue deve ser, buscada, não em grandiloquentes decálogos, nem em especulações filosóficas, que de nenhum modo constituem uma necessidade da teorização marxista, mas na criação de uma moral de produtores do próprio processo da luta anticapitalista.
“Em vão — Kautsky afirmou que busca inspirar o trabalhador inglês com sermões morais — há uma concepção mais elevada da vida, o sentimento de esforços mais nobres.”
A ética do proletariado emana de suas aspirações revolucionárias; são eles que lhe dão mais força e elevação. É a ideia da revolução que salvou o proletariado do seu rebaixamento.
Sorel adiciona que para Kautsky a moral está sempre subordinada a ideia do sublime, e, embora em desacordo com muitos marxistas oficiais que falam sobre paradoxos e praticam zombarias com os moralistas, concorda-se que
“os marxistas tinham um motivo particular para desconfiar de tudo o que tocava na ética; propagandistas da reforma social, utopistas e democratas haviam cometido tal abuso de justiça que havia o direito de ver qualquer dissertação a esse respeito como um exercício de retórica ou sofisticação, destinado a enganar as pessoas que se ocupavam no movimento trabalhista”.
Ao pensamento soreliano de Eduardo Berth, devemos um pedido de desculpas a essa função ética do socialismo. “Daniel Halevy”, diz Berth, parece acreditar que a exaltação do produtor deve prejudicar a do homem; ele me atribui um entusiasmo totalmente americano por uma civilização industrial. Não é bem assim; a vida do espírito livre é tão cara quanto é para si mesmo, e estou longe de acreditar que não há mais nada que a produção no mundo.
É sempre, no fundo, a antiga censura feita aos marxistas, acusados de serem moral e metafisicamente materialistas. Nada mais falso; o materialismo histórico de forma alguma impede o desenvolvimento mais alto do que Hegel chamou de espírito livre ou absoluto; É, pelo contrário, sua condição preliminar. E nossa esperança é precisamente que em uma sociedade baseada em uma ampla base econômica, constituída por uma federação de oficinas, onde trabalhadores livres sejam incentivados