Mao: "Identidade entre os Interesses da URSS e da Humanidade Inteira"

Com a aproximação do XXII aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro, a Associação Cultural Sino-Soviética pediu-me que escrevesse um artigo. Partindo das minhas observações pessoais, gostaria de esclarecer umas quantas questões respeitantes a União Soviética e a China. E isso porque essas questões vêm sendo discutidas entre amplos setores da população chinesa mas não me parece que se tenha chegado a conclusões precisas. Assim, talvez não seja inútil aproveitar a ocasião para submeter algumas das minhas opiniões a consideração dos que se interessam pela guerra na Europa e pelas relações sino-soviéticas. Alguns afirmam que, encontrando vantagens no rebentamento de uma guerra mundial, a União Soviética não está pela manutenção da paz no mundo, tendo até contribuído para o desencadeamento da guerra atual por meio da conclusão do pacto de não agressão com a Alemanha, em vez de assinar um acordo de assistência mútua com a Inglaterra e a França. Essa afirmação é, a meu ver, errada. Desde sempre, a política exterior da União Soviética tem sido uma política de paz, que liga os interesses desse país aos da imensa maioria dos homens. Para edificar o socialismo, a União Soviética tinha necessidade de manter a paz, consolidar as suas relações pacíficas com os demais países do mundo e prevenir uma guerra dirigida contra si; para assegurar a paz no mundo, ela tinha de deter a agressão pelos Estados fascistas, impedir que os chamados Estados democráticos provocassem a guerra e retardar no máximo o rebentamento duma guerra imperialista mundial. Durante longos anos a União Soviética consagrou esforços imensos a causa da paz mundial. Por exemplo, ingressou na Sociedade das Nações(1), assinou pactos de assistência mútua com a França e a Checoslováquia(2), e esforçou-se por concluir pactos de segurança com a Inglaterra e todos os países que desejassem a paz. Quando a Alemanha e a Itália agrediram conjuntamente a Espanha, e a Inglaterra, os Estados Unidos e a França adotaram a política dita de “não intervenção”, política que na realidade deixava o campo livre a agressão germano-italiana, a União Soviética opôs-se a “não intervenção” e ajudou ativamente as forças republicanas espanholas a resistir a agressão. Quando o Japão atacou a China, e a Inglaterra, os Estados Unidos e a França adotaram a mesma política de “não intervenção”, a União Soviética não só concluiu um tratado de não agressão com a China como ainda lhe dispensou uma ajuda ativa na resistência ao Japão. Na altura em que a Inglaterra e a França, favorecendo a agressão hitleriana, sacrificavam a Áustria e a Checoslováquia, ela fez tudo para desmascarar o fundo sinistro da política de Munique e propôs a Inglaterra e a França que se impedisse a extensão da agressão. Quando, na Primavera e Verão passados, a questão polaca surgiu com toda a acuidade e o mundo ficou a dois dedos da guerra, a União Soviética, a despeito de toda a má-fé de Chamberlain e Daladier, manteve negociações com a Inglaterra e a França durante mais de quatro meses, e esforçou-se por concluir com esses dois países um acordo de assistência mútua no sentido de impedir a guerra mundial. Todos os seus esforços foram, porém, barrados pela política imperialista dos governos inglês e francês, política de encorajamento, instigação e ampliação da guerra. Um golpe decisivo foi assim vibrado na causa da paz do mundo, estourando finalmente a guerra mundial imperialista. Os governos da Inglaterra, Estados Unidos e França não tinham qualquer desejo sincero de impedi-la; pelo contrário, favoreceram-lhe o desencadeamento. A recusa em entender-se com a União Soviética, em concluir com esta um pacto de assistência mútua realmente eficaz, baseado na igualdade e na reciprocidade, provou que o que desejavam era a guerra e não a paz. Todos sabem que, no mundo de hoje, repelir a União Soviética é repelir a paz. Na própria Inglaterra, até Lloyd George, esse representante típico da burguesia, está consciente disso(3). Foi nessas circunstâncias, num momento em que a Alemanha se declarava disposta a pôr fim as suas atividades anti-soviéticas, a renunciar ao “pacto anti-komintern” e a reconhecer a inviolabilidade das fronteiras soviéticas, que se assinou o pacto de não agressão entre a URSS e a Alemanha. A intenção da Inglaterra, Estados Unidos e França era empurrar a Alemanha para um ataque a União Soviética, esperando, quanto a si, “observar o combate dos tigres, do alto da montanha”, deixar os dois países esgotar-se mutuamente, para entrarem depois em cena e resolverem as coisas a sua maneira. O pacto soviético-germânico de não agressão frustrou essa conspiração. Alguns dos nossos compatriotas não atentaram na conspiração e intrigas do imperialismo anglo-francês, que encorajava e empurrava para a guerra, apressando o respectivo desencadeamento, e deixaram-se inteiramente colher pela propaganda melosa dos conspiradores. Os conspiradores não tinham a menor intenção de impedir as agressões contra a Espanha, China, Áustria e Checoslováquia; pelo contrário, encorajaram-nas e instigaram a guerra, no intuito de desempenharem o papel do pescador da fábula, que sabia beneficiar do combate entre a ostra e a garça. E por eufemismo chamavam “não intervenção” a algo que, na realidade, não era mais que um “observar o combate dos tigres, do alto da montanha”. Quantas pessoas no mundo não foram enganadas pelas doces palavras de Chamberlain e comparsas, não descobriram o punhal que se escondia por detrás dos sorrisos destes, não compreenderam que a União Soviética concluirá um pacto de não agressão com a Alemanha apenas quando Chamberlain e Daladier estavam já decididos a rejeitar-lhe as propostas e a lançar-se numa guerra imperialista! É tempo de abrirem os olhos. O fato de a União Soviética ter defendido até ao último minuto a paz mundial constitui uma prova da identidade de interesses entre a União Soviética e a imensa maioria dos homens. Essa era a primeira questão que desejava tratar. Agora que estourou a Segunda Guerra Mundial imperialista, dizem alguns, a União Soviética vai provavelmente tomar posição em favor dum dos beligerantes; dito doutro modo, o Exército Vermelho Soviético está pronto a aderir a frente do imperialismo alemão. Eu considero errada essa opinião. Tanto do lado anglo-francês como do lado alemão, a guerra que acaba de estourar é uma guerra injusta, de rapina, imperialista. Os Partidos Comunistas e os povos do mundo inteiro devem levantar-se contra ela; devem desmascarar o caráter imperialista das duas partes beligerantes, quer dizer, mostrar que essa guerra, longe de responder aos interesses dos povos do mundo, só os prejudica. Devem denunciar o comportamento criminoso dos partidos social-democratas de apoio a guerra imperialista e traição aos interesses do proletariado. Sendo a União Soviética um país socialista, com um Partido Comunista no poder, a sua atitude frente a guerra apresenta necessariamente duas características claras: 1) Recusa absoluta de participação nas guerras injustas, de rapina, imperialistas, ao lado do estrito respeito pela neutralidade face aos beligerantes. Por isso é que jamais o Exército Vermelho Soviético se juntará, com desprezo pelos princípios, a uma ou outra das duas frentes imperialistas. 2) Apoio ativo as guerras justas, não espoliadoras, de emancipação. Por exemplo, foi a URSS quem ajudou o povo chinês na Expedição do Norte, já lá vão treze anos, bem como o povo espanhol na resistência a Itália e a Alemanha, há um ano; tem prestado uma ajuda ao povo chinês, na Guerra de Resistência contra o Japão destes dois últimos anos, bem como ao povo mongol, na luta contra a agressão japonesa durante estes últimos meses; do mesmo modo ela há-de apoiar seguramente as guerras que estourem noutros países, em libertação do povo ou para a libertação nacional, assim como apoiará inevitavelmente as guerras que contribuam para a defesa da paz. Isso foi confirmado pela sua história, ao longo destes vinte e dois últimos anos, e há-de sê-lo novamente pelos acontecimentos que sobrevirão. Alguns consideram as trocas comerciais entre a URSS e a Alemanha, realizadas na base dum acordo comercial, como um ato de participação na guerra pelo lado da Alemanha. Essa opinião é igualmente falsa, pois confunde comércio e participação na guerra. Não se deve confundir comércio com participação na guerra nem com prestação de ajuda. Por exemplo, durante a guerra de Espanha, a União Soviética tinha comércio com a Alemanha e a Itália, mas nem por isso se dizia que as apoiava na agressão contra a Espanha; pelo contrário, dizia-se que apoiava a Espanha na luta contra a agressão, e isso pela razão simples de que realmente ajudava a Espanha. Outro exemplo: enquanto prossegue a guerra entre a China e o Japão, a União Soviética tem igualmente comércio com o Japão; contudo, ninguém no mundo pretende que esteja a ajudar a agressão japonesa a China; pelo contrário, diz-se que ajuda a China na resistência a agressão japonesa, e diz-se porque a Rússia ajuda efetivamente a China. atualmente a União Soviética tem comércio com as duas partes empenhadas no conflito mundial, mas não podem considerar-se essas trocas como ajuda a este ou aquele dos dois beligerantes, e muito menos como participação na guerra. Ela não poderá dispensar ajuda nem participar na guerra a não ser no caso de esta mudar de caráter, quer dizer, se a guerra que faz um país ou grupo de países sofre transformações tais que se converte em vantagem para a União Soviética e para os povos do mundo inteiro. De contrário, ela não o fará. Quanto as diferenças que a União Soviética é obrigada a estabelecer no volume e condições do seu comércio com certas das potências beligerantes, é algo que decorre da atitude, amiga ou hostil, dessas potências frente a União Soviética. É da responsabilidade exclusiva destas últimas e não da União Soviética. Contudo, mesmo no caso em que um país ou grupo de países tenha uma atitude antissoviética, como a Alemanha até 23 de Agosto, a União Soviética não interromperá as relações comerciais enquanto esse país ou grupo de países desejar manter relações diplomáticas e concluir tratados de comércio com ela, e não lhe declarar guerra. Tais relações comerciais nem constituem ajuda nem, por maior razão, participação na guerra. É necessário compreender bem isso. Era a segunda questão que queria tratar. Entre nós, muitos ficaram desconcertados com a entrada das tropas soviéticas na Polônia(4). Convém apreciar a questão polaca a partir de distintos pontos de vista, do ponto de vista da Alemanha, da Inglaterra e da França, do governo polaco, do povo polaco e da União Soviética. A Alemanha guerreia para espoliar o povo polaco e quebrar um dos flancos da frente imperialista anglo-francesa. Essa guerra é de caráter imperialista, impõe-se pois que a combatamos e não que simpatizemos com ela. Quanto à Inglaterra e à França, elas não viam na Polônia senão um objeto de pilhagem para o seu capital financeiro; utilizaram-na para barrar a tentativa imperialista alemã de obtenção duma nova partilha do produto da rapina mundial; fizeram dela um dos flancos da sua frente imperialista. Assim, a guerra que fazem é imperialista e a pretensa ajuda à Polônia não tinha outro objetivo senão a disputa à Alemanha da dominação sobre esta. Consequentemente, é de igual modo uma guerra que se deve combater, com a qual não se pode simpatizar. No que respeita ao governo polaco, tratava-se dum governo fascista, o governo reacionário dos senhores de terras e da burguesia. Explorava ferozmente os operários e os camponeses e oprimia os democratas. Era, ademais, um governo dos chauvinistas gran-poloneses, que fazia pesar uma opressão cruel sobre numerosas minorias nacionais, por exemplo de ucranianos, bielo-russos, judeus, alemães, lituanos e outras nacionalidades não polacas, um total pois de mais de dez milhões de indivíduos. De si mesmo era um governo imperialista. Na guerra, o governo reacionário da Polônia acedeu complacentemente em forçar o povo polaco a servir de carne de canhão para o capital financeiro da Inglaterra e da França; consentiu complacentemente na própria conversão em setor da frente reacionária do capital financeiro internacional. Durante vinte anos, o governo polaco tomou sempre posição contra a União Soviética e, durante as negociações anglo-franco-soviéticas, rejeitou categoricamente a ajuda das tropas soviéticas. Além disso, esse governo era de todo incapaz; o seu enorme exército, mais de um milhão e quinhentos mil homens, desmoronou-se ao primeiro choque. Em duas semanas apenas, consumou a ruína do país e deixou o povo polaco sob a bota do imperialismo alemão. Tais são os crimes horrendos do governo polaco; estará portanto incorreto simpatizarmos com ele. Quanto ao povo polaco, esse é que é a vítima; e deve erguer-se contra a opressão fascista alemã, contra as classes reacionárias dos senhores de terras e da burguesia do país, a fim de edificar um Estado polaco democrático, independente e livre. É sem dúvida para o povo polaco que tem de dirigir-se a nossa simpatia. No que respeita à União Soviética, os seus atos foram inteiramente justos. Dois problemas se lhe apresentavam. Primeiro: havia que deixar a Polônia inteira cair sob o controle do imperialismo alemão ou havia que ajudar as minorias nacionais da Polônia oriental a libertarem-se? Ela escolheu a segunda solução. Em 1918, pelo Tratado de Brest-Litovsk, o imperialismo alemão havia arrancado ao jovem Estado Soviético extensos territórios povoados de bielo-russos e ucranianos, territórios que mais tarde o Tratado de Versalhes entregou, arbitrariamente, ao governo reacionário da Polônia. Hoje, a União Soviética não faz mais que recuperar os territórios perdidos e libertar os bielo-russos e ucranianos oprimidos, para preservá-los do jugo alemão. As noticias dos últimos dias mostram com que entusiasmo e carinho essas minorias acolhem o Exército Vermelho como sendo os seus libertadores, ao passo que nada de semelhante