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"Sudão do Sul: outra guerra ou a mesma, não importa"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • há 6 dias
  • 5 min de leitura
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Mais uma vez, as tensões constantes entre as duas principais facções político-militares e étnicas do Sudão do Sul ameaçam acender uma nova guerra civil, que é praticamente a mesma que se travou entre 2013 e 2018 e deixou 400 mil mortos e 4 milhões de deslocados.

 

Nesta nova versão do velho conflito, emergem os mesmos jogadores: de um lado, o atual presidente Salva Kiir, da etnia dinka, apoiado pelas Forças de Defesa do Povo do Sudão do Sul (SSPDF); e do outro, o primeiro vice-presidente, em prisão domiciliar desde março passado, Riek Machar, da etnia nuer, apoiado por algumas facções que integram o White Army. Esta organização, surgida no final da década de 1990, foi desde então grande protagonista da guerra de libertação contra Cartum.

 

A questão étnica entre os Nuer e os Dinka, desde sempre, foi explorada pelo poder colonial e utilizada ao longo de todos os conflitos posteriores. Os Nuer historicamente foram postergados pelos governos, embora também recebam acusações de terem sido responsáveis por terríveis massacres.

 

Ambas as organizações armadas evoluem para uma nova guerra desde março, cujo epicentro até agora se manteve circunscrito à província do Alto Nilo, no norte do país, uma cunha que se estende entre o Sudão e a Etiópia.

 

A crise, iniciada no começo deste ano e que provocou nos primeiros 90 dias mais de mil mortos, alcançou seu ponto culminante em 3 de março, quando algumas facções do White Army atacaram e tomaram a base militar próxima à cidade de Nasir, no norte do país, das SSPDF, produzindo cerca de 250 mortos, entre eles um general de divisão e um homem das Nações Unidas. Isso deu início à repressão por parte das forças leais a Kiir, que bombardearam populações civis ao longo das margens do Nilo.

 

Esses acontecimentos precipitaram a detenção de Machar, acusado de planejar ataques contra o exército, detonando de fato o acordo de paz de 2018, pelo qual havia sido repartido o poder dentro de um governo de transição. É nesse contexto que Machar, rompendo o acordo com Salva Kiir, declarou a ruptura do Governo de Unidade, convocando seus seguidores a se mobilizarem por uma mudança de governo.

 

Embora de março até o último dia 11 a situação tenha permanecido restrita a algumas regiões do Alto Nilo, no sábado 20 à tarde combatentes do SPLA-IO atacaram de surpresa uma base das SSPDF, na localidade de Burebiey, perto da fronteira com a Etiópia. A situação continuou no dia seguinte, provocando pelo menos 50 mortos e mais de 140 feridos. Muitas dessas vítimas foram resultado de bombardeios aéreos que tiveram como alvo populações civis e infraestruturas no estado do Alto Nilo, onde se localizam os principais jazigos petrolíferos do país.

 

Em agosto do ano passado, a petroleira chinesa Shengli Oilfield Keer Engineering and Construction Company (SOKEC) havia acordado com a estatal sudanesa Nilepet a construção de uma refinaria e instalações de armazenamento de petróleo em Tharjiath, estado de Unity, no centro do país, um investimento de Pequim avaliado em cerca de três bilhões de dólares.

 

A nova crise, que pode derivar em outra guerra, agrava ainda mais a situação dos sete milhões de pessoas em insegurança alimentar aguda, aprofundada pelos cortes de fundos devido à crise financeira, atingindo serviços fundamentais como os de saúde, alimentação e higiene. A isso se soma o bloqueio do acesso humanitário.

 

Ao quadro soma-se a situação gerada pelas recentes inundações e a atual onda de calor, que provocou o surto de doenças como a cólera e obrigou o deslocamento de centenas de milhares de pessoas.

 

Além disso, há a manipulação dos discursos de ódio, as crescentes divisões étnicas e o estancamento do processo eleitoral, que deveria ser resolvido em dezembro do próximo ano. Isso significa um novo descumprimento de muitos compromissos do acordo de paz.

 

O desgoverno da economia do país provocou a renúncia do ministro das Finanças, suspeito de corrupção, incriminado por desvio de fundos públicos e má gestão das receitas provenientes da exploração de petróleo, que representa 90% das importações do país — escândalo em que estariam envolvidas outras figuras do governo. A isso se acrescenta a deterioração dos oleodutos que atravessam o Sudão, mergulhado em guerra civil desde abril de 2023, rumo aos portos do Mar Vermelho, para embarques quase exclusivos à China, que compra mais de 95% dessa produção.

 

Recordemos que o Sudão do Sul, após conseguir sua independência de Cartum em 2011, depois de duas guerras de independência — a primeira de 1955 a 1972 e a segunda de 1983 até o tratado de paz de 2005, que consumiram dois milhões e meio de vidas — alcançaria a independência absoluta com o referendo de 2011.

 

Os acordos de 2018, que propunham um Governo de Unidade e a formação de um único exército nacional, no qual seriam fundidas todas as milícias de ambos os lados, jamais conseguiram superar a desconfiança mútua, atrasando, além da unificação do Exército, a redação de uma Constituição e a convocação de eleições.

 

A transição explodiu quando Kiir decidiu unilateralmente adiar as eleições para estender o período de transição, que continuaria liderando. As Nações Unidas e os países mais poderosos do Ocidente anotaram isso como um grave precedente. Enquanto isso, Machar aguarda o início do julgamento contra ele e cerca de 20 de seus colaboradores por assassinato, conspiração, terrorismo, traição e crimes contra a humanidade.

 

Outro sinal da atual desintegração é marcado pelo êxodo de parlamentares do SPLM/A-IO, que não apenas abandonaram Juba, a capital, como também fugiram para o exterior.

 

A batalha do Alto Nilo

Desde março passado, após a invasão do White Army à base militar próxima da cidade de Nasir das Forças de Defesa do Povo do Sudão do Sul (SSPDF), leais ao presidente Kiir, milhares de pessoas tiveram de abandonar a região, fugindo para a Etiópia ou deslocando-se a áreas afastadas do núcleo do conflito.

 

Estima-se que já somem cento e cinquenta mil as pessoas que tiveram de abandonar tudo e que, sem assistência alimentar ou sanitária, percorrem as florestas em busca de segurança. Como precisaram abastecer-se de água em fontes contaminadas, declarou-se um surto de cólera.

 

Os refugiados que chegaram à Etiópia denunciaram que as SSPDF, apoiadas por contingentes das forças armadas de Uganda, utilizaram bombas incendiárias nos ataques, destruindo casas, armazéns, plantações e matando muitas cabeças de gado.


Soube-se que, devido às numerosas perdas sofridas pelo White Army, este teve de recuar nas últimas semanas, facilitando as operações de “limpeza” das tropas leais ao presidente Kiir.

 

Esta nova versão da guerra iniciada em 2013 gerou temores entre as populações que mais a haviam sofrido e nos campos de deslocados próximos a Juba, onde cerca de cinquenta mil pessoas, desde 2013, sobrevivem ao abandono estatal e das organizações humanitárias internacionais, resistindo em acampamentos erguidos em terrenos que, durante a maior parte do ano, são lamaçais, cuja proteção aparente é uma base de manutenção da paz das Nações Unidas.

 

Nos últimos anos, registraram-se numerosos episódios de assassinatos de civis da etnia Nuer, cujas mulheres e até crianças foram sequestradas para serem inseridas em redes de tráfico, como parte de um saque, de uma guerra que parece ser sempre a mesma, ainda que não importe.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

 

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