"Tailândia-Camboja, a guerra dos templos"
- NOVACULTURA.info
- 21 de jul.
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Há semanas, os meios de comunicação ocidentais alertam sobre a crescente tensão entre Tailândia e Camboja, duas nações de maioria budista com uma longa história em comum. Sua fronteira, com pouco mais de 800 quilômetros, foi estabelecida a partir dos tratados franco-siameses de 1907, quando a Camboja ainda era colônia francesa. Nessa ocasião, além da linha divisória, foram estabelecidas 17 passagens fronteiriças, abrangendo sete províncias.
Desde então, surgiram em diversas ocasiões disputas centradas principalmente em questões relacionadas ao patrimônio cultural, locais religiosos e ao traçado da linha fronteiriça.
Essas disputas, ao longo da história, deram espaço ao surgimento de grupos ultranacionalistas, que despertaram de seu letargo nos últimos meses devido às reivindicações sobre o Prasat Ta Muen Thom (Grande Templo do Ancião Muen), um templo khmer-hindu dedicado à deusa Shiva, com mais de mil anos de antiguidade. O santuário era um importante ponto de peregrinação no que se conhecia como o “Caminho Real”, que unia Angkor, na atual Camboja, com Phimai (na Tailândia), situado entre a província cambojana de Oddar Meanchey e a tailandesa de Surin.
Em meados de fevereiro, um grupo de mulheres trajando roupas tradicionais cambojanas entrou no templo, onde cantaram o hino nacional e lançaram palavras de ordem nacionalistas, como: “Todos os khmers (etnia majoritária na Camboja, que representa cerca de 97% da população) estão dispostos a sacrificar suas vidas quando a nação está em guerra e derrama sangue”. Rapidamente, soldados tailandeses entraram no templo e expulsaram os que chamaram de “intrusos”.
Como resposta, Bangkok relembrou os sangrentos confrontos militares entre 2008 e 2011 em torno do templo de Preah Vihear, localizado a 150 quilômetros a leste, no mesmo trecho de fronteira, em um penhasco da cadeia montanhosa de Dangrek. Embora tenham deixado menos de 40 mortos e cerca de uma centena de feridos, são lembranças frequentemente agitadas pelos nacionalistas.
Em resposta ao episódio de fevereiro, organizações nacionalistas tailandesas também realizaram atos no templo Ta Muen Thom. Mais uma vez repetiram-se palavras de ordem semelhantes, foram entoados hinos patrióticos, desta vez da Tailândia.
O governo tailandês, para evitar uma escalada maior, ordenou a suspensão dos atos programados no templo.
Em março, o primeiro-ministro cambojano, Hun Manet, declarou que seu país responderia militarmente caso soldados tailandeses voltassem a entrar na área do Prasat Ta Muen Thom.
No dia 28 de maio, um breve intercâmbio de tiros no setor de Chong Bok, ao norte da Camboja e nordeste da Tailândia, que deixou ao menos um soldado cambojano morto, elevou a tensão do conflito — embora ambos os lados afirmassem ter agido em legítima defesa.
Em junho, em uma reunião do Comitê Geral de Fronteiras (GBC), realizada em Bangkok, foi autorizada a presença de cinco soldados de cada país na região do templo em disputa.
Ambos acordaram reposicionar suas forças para evitar futuros enfrentamentos. Apesar do compromisso mútuo com o diálogo e da tentativa de reprimir o fervor nacionalista, Bangkok ameaçou fechar a fronteira e interromper o fornecimento de energia elétrica ao vizinho.
Hun Sen, presidente do Senado e homem forte da política cambojana, apoiou o envio de tropas e armamento pesado à fronteira “para preparar um contra-ataque em caso de uma nova invasão”.
Por sua parte, o Conselho de Segurança Nacional da Tailândia convocou uma reunião urgente no início de junho, onde foram avaliados os últimos movimentos do país vizinho, como o envio de mais soldados do que o acordado e a imposição de restrições comerciais.
O Camboja proibiu a importação de frutas e legumes, além de censurar filmes e programas da televisão tailandesa. Enquanto isso, nacionalistas tailandeses exigiram do governo o corte dos serviços de eletricidade e internet fornecidos ao Camboja. Diversas passagens fronteiriças foram fechadas.
Hun Manet, o primeiro-ministro cambojano, informou em junho que seu país levaria a disputa pelas áreas em torno dos templos de Ta Moan Thom, Ta Moan Toch e Ta Kra Bei à Corte Internacional de Justiça (CIJ) de Haia, onde em 2014 obteve uma resolução favorável no caso do templo de Preah Vihear, declarado “Patrimônio da Humanidade” pela UNESCO.
As tensões entre Bangkok e Phnom Penh podem interferir na já delicada situação interna da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), agravada pela guerra civil em Mianmar. A ASEAN é composta por dez países, entre eles Vietnã, Laos, Filipinas e Malásia.
Uma longa história
As autoridades francesas, nos acordos de 1907, haviam traçado um mapa topográfico que deixava a região de Preah Vihear e seu templo do lado da atual Camboja — algo que o Sião (Tailândia) não aprovou, embora na época não tenha exposto suas discordâncias nem produzido um mapa alternativo.
Em 1941, no contexto da Segunda Guerra Mundial, com a ajuda do Japão, a Tailândia, que havia tomado o setor em disputa desde 1907, aproveitou a retirada francesa após a independência da Camboja em 1954 para se fortalecer ainda mais com o envio de tropas.
Diante disso, Phnom Penh recorreu à CIJ, onde Bangkok argumentou a nulidade do traçado de 1907, alegando que nunca fora aprovado pela comissão. Além disso, invocou a posse de fato e o acesso muito mais direto às zonas disputadas a partir de seu território.
A sentença da Corte Internacional de Justiça de 1962 foi favorável à Camboja, mas não contemplou os mais de quatro quilômetros quadrados ao redor do santuário, o que manteve o conflito em aberto, apesar de diversas comissões que tentaram, sem êxito, resolvê-lo.
Como consequência da má gestão da crise, o Tribunal Constitucional da Tailândia suspendeu de suas funções a primeira-ministra Paetongtarn Shinawatra em 1º de julho, após acatar a petição de trinta e seis senadores que também a acusaram de violar a Constituição. Isso ocorreu após vir à tona uma conversa telefônica, em meados de junho, com o ex-primeiro-ministro cambojano Hun Sen, já em meio à avançada crise fronteiriça. Segundo os militares tailandeses, essa conversa teria deteriorado a autoridade do comandante da Segunda Região do Exército, responsável pela área onde o conflito está concentrado, no nordeste do país. Enquanto isso, a tensão continua a crescer com o envio de mais tropas à fronteira e a intensificação da retórica belicista pelos meios de comunicação.
Mais uma vez, as feridas deixadas pela presença colonialista — neste caso, a francesa — voltam a se abrir, impactando sociedades milenares que não conseguem resolver problemas que, até a chegada dos europeus, não existiam.
Nesse tabuleiro, e em áreas tão sensíveis como o Sudeste Asiático — onde Washington tenta levar adiante uma guerra, por enquanto, comercial e diplomática contra a China, sem esquecer a guerra civil em curso em Mianmar, que envolve grandes interesses de Pequim no contexto de sua expansão comercial e busca por recursos naturais, especialmente gás e petróleo —, a guerra dos templos entre Camboja e Tailândia talvez não seja apenas mais uma parada no caminho rumo à mãe de todas as batalhas entre os dois grandes colossos do nosso tempo.
Por Guadi Calvo, no Línea Internacional
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