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"Um dinossauro entre a Índia e o Paquistão"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • 23 de mai.
  • 5 min de leitura

 

Um dos relatos mais breves já escritos, pelo menos na literatura latino-americana, pertence ao guatemalteco Augusto “Tito” Monterroso: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”. Sobre essa frase — essas sete palavras concisas — muito mais já se escreveu em ensaios do que o próprio texto em si, tratando de sua metáfora.

 

Embora não haja dúvida de que centenas de milhões de indianos e paquistaneses nunca tenham ouvido falar de Tito Monterroso e seu dinossauro, todos os dias, ao abrirem os olhos, experimentam a mesma sensação: a guerra continua lá. Latente, constante, pronta, a qualquer momento, para devorar tudo.

 

Por isso, este cessar-fogo anunciado em 10 de maio pelo presidente norte-americano Donald Trump, com o qual se busca evitar a quinta guerra entre os dois países, e o silêncio das armas — que, desta vez, podem ser nucleares — geram a mesma instabilidade de ambos os lados da fronteira.

 

O surto de guerra, que durou apenas quatro dias e deixou cerca de uma centena de mortos, no qual ambos os países se declararam vencedores, chegou perigosamente perto do ponto sem retorno.

 

Apesar desses dias de ataques transfronteiriços e da trégua improvisada parecerem não ser mais do que um ensaio geral para uma guerra de dimensões nunca vistas antes, nada foi resolvido. Tanto Nova Delhi quanto Islamabad continuam se preparando para a possibilidade de retomada do conflito.

 

Há uma presunção de que a Índia, devido à sua superioridade militar, armamentista e até mesmo apoio internacional, foi quem, apesar das aparências, ficou com um gosto amargo na boca — e, sobretudo, sem resolver a aparente causa do conflito: o massacre de Pahalgam.

 

Essa resolução discutida e temporária não satisfaz em nada o supremacismo do primeiro-ministro Narendra Modi, que elevou o conceito de Hindutva — a doutrina da supremacia hindu — a uma razão de Estado.

 

Com essa ideologia, Modi percorre sua carreira desde 2002, quando assumiu como Ministro-Chefe (governador) do Estado de Gujarat. Ao longo de seus dois mandatos anteriores e agora no terceiro, como chefe de Estado indiano, uma de suas principais políticas tem sido incutir o ódio ao islã e a tudo o que ele representa. Talvez como a melhor forma de ocultar as imensas necessidades da maioria dos 1,5 bilhão de indianos, sejam eles hindus, muçulmanos, sikhs, cristãos ou pertencentes ao longo etcétera de religiões praticadas na Índia.

 

A articulação desse ódio se volta essencialmente contra o Paquistão, com quem existem as eternas disputas pela Caxemira e feridas que continuam sangrando desde a partição de 1947. Soma-se a isso o fato de o Paquistão ter se tornado a nação com a maior população muçulmana do mundo — mais de 240 milhões de fiéis, superando a Indonésia (com 230 milhões), enquanto a Índia permanece em terceiro lugar, com outros 220 milhões.

 

A frágil paz que existe hoje ao longo das Linhas Radcliffe — nome do funcionário britânico que a traçou em 1947, dividindo as duas nações — e a Linha de Controle (LoC), estabelecida em 1972 e que divide a disputada Caxemira em duas porções desiguais, está ameaçada pelos discursos inflamados de Modi.

 

Em seu discurso da semana passada, o primeiro-ministro indiano reiterou que a ofensiva militar contra os grupos terroristas paquistaneses, conhecida como Operação Sindhoor, continua ativa, enquanto o cessar-fogo é apenas uma pausa.

 

Como consequência, o exército paquistanês — que havia perdido prestígio após atuar descaradamente, junto com o establishment político-empresarial e a embaixada norte-americana, para derrubar o agora detido ex-primeiro-ministro Imran Khan, em abril de 2022 — voltou a ganhar apoio popular após os ataques ao território indiano, sendo visto como a única defesa contra os odiados bharti (palavra que significa “indiano”, mas é usada de forma pejorativa no Paquistão).

 

A intercepção e destruição dos mísseis indianos lançados contra a base militar na cidade de Rawalpindi — núcleo central do exército paquistanês — teria sido o principal fator para essa nova predisposição positiva da população em relação às Forças Armadas, o que a imprensa considerou uma verdadeira vitória.

 

De que lado está a derrota?

 

Enquanto o Paquistão comemorou esses breves combates como uma vitória histórica — e a Índia também o fez, tanto na mídia quanto no campo político — analistas sérios indianos concordam que não foi bem assim.

 

Com a Índia como principal objeto de especulação, tendo superado o Paquistão em quase todos os aspectos nos últimos anos e já se tornando uma potência econômica e geopolítica global, o revés na fronteira mostra que essas mudanças talvez não sejam tão significativas. E, apesar de aspirar à liderança regional, ainda há contas a acertar com quem já foi historicamente o valentão da vizinhança.

 

E ainda está longe de assumir esse papel, algo que o discurso de Modi por si só não consegue sustentar — discurso que, sem dúvida, terá de ser reavivado, ainda que hoje esteja um tanto queimado pelo fogo paquistanês.

 

Enquanto os assessores do primeiro-ministro do Paquistão, Shehbaz Sharif, se mostram publicamente, aparecem constantemente na imprensa, respondem a perguntas e divulgam detalhes sobre, segundo sua versão, a derrubada de cinco aviões militares indianos — além de já mencionarem possíveis mesas de negociação em algum país do Golfo Pérsico ou em Londres, incluindo de forma definitiva a questão da Caxemira —, do outro lado da Linha Radcliffe, onde os discursos contra o Paquistão se intensificaram a ponto de elevar a popularidade de Modi, as aparições públicas dos seus ministros são mais escassas e sombrias. Suas coletivas de imprensa são geralmente breves e dirigidas à mídia “amiga”. O tema da queda dos cinco aviões, por exemplo, não é sequer mencionado.

 

As poucas explicações dadas por Nova Delhi geraram protestos de grupos ultranacionalistas, que formam a espinha dorsal do poder de Modi desde sua chegada ao governo em 2014, e agora clamam pela volta à guerra.

 

Neste contexto, onde nada foi resolvido e tudo depende de um fio, os ânimos belicistas ainda prevalecem. As fronteiras permanecem fechadas, os vistos continuam suspensos e segue em vigor a decisão mais drástica desde o início do último conflito: o tratado do rio Indo — que garante o fornecimento de água do território indiano ao Paquistão — continua suspenso unilateralmente por Nova Delhi.

 

Diversos analistas indianos compartilham uma visão pessimista sobre qualquer tipo de diálogo entre Nova Delhi e Islamabad. Após quatro dias de combates e todos os episódios antecedentes — desde o ataque aos turistas em Pahalgam (pelo qual a Índia responsabiliza Islamabad) até o atentado ao Jafar Express, realizado pelo Exército de Libertação do Baluchistão (BLA), que segundo o Paquistão é financiado pela Índia —, o prognóstico permanece comprometido. A situação é descrita como um “beco sem saída”, no qual ambos os lados falam sem se ouvir. Isso faz temer que uma nova rodada de ataques esteja próxima.

 

Assim, para milhões de indianos e paquistaneses, mesmo que nunca tenham ouvido falar do bom e velho Tito Monterroso e seu dinossauro, sabem que, ao acordarem, ele ainda estará lá.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

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