James Connolly: "Salários, Casamento e a Igreja"

Conta-se uma história sobre um interno de um hospício que foi perguntado por um visitante da instituição como ele havia acabado ali. “Bem” – respondeu ele – “achei que as pessoas lá fora estavam loucas, e elas achavam que eu estava louco. Elas eram a maioria, e aqui estou eu”. Essa história frequentemente me vem à mente quando me deparo com coisas em nosso movimento que são contrárias às minhas próprias visões sobre o socialismo e os princípios essenciais da propaganda socialista. Concordo plenamente com o S.L.P. (do qual me orgulho de ser membro) em todas as questões de política, disciplina e procedimento revolucionário. Quando se trata de sustentar nossa posição contra um oponente, não importa quão bem preparado ele esteja, não tenho conhecimento de qualquer caso, em qualquer país, em que os camaradas tenham criticado minha defesa, meu ataque ou minha exposição de nossos princípios. No entanto, encontrei dentro do partido oradores, escritores e camaradas que afirmam não ser nem uma coisa nem outra, que expressaram opiniões sobre política e concepções de socialismo com as quais eu não concordaria nem por um momento. E me pergunto: qual de nós está louco? Para resolver essa questão, estou aqui registrando alguns dos pontos nos quais me vejo em desacordo com vários camaradas e espero ver em The Weekly People – o único dos nossos órgãos disponíveis para mim – um debate sério sobre o assunto.
Salários
Recentemente, ao ler o relatório das reuniões realizadas por um de nossos organizadores no Oeste, descobri que, durante uma discussão com um porta-voz dos “Kangaroos” [1], esse camarada afirmou que os trabalhadores não poderiam se beneficiar nem mesmo temporariamente de um aumento salarial, pois “todo aumento de salário era compensado por um aumento de preços”. Quando o “Kangaroo” citou Salário, Preço e Lucro de Marx[2] para provar o contrário, nosso homem do S.L.P. descartou Marx com a observação de que Marx escreveu antes das atuais combinações de capital e sem antecipá-las. Receio que esse orador do S.L.P. conhecesse pouco de Marx além de seu nome, pois, do contrário, não teria feito tal observação.
A teoria de que um aumento nos preços sempre destrói o valor de um aumento nos salários soa muito revolucionária, claro, mas não é verdadeira. Além disso, não faz parte da nossa doutrina. Se fosse, destruiria a base do S.T. & L.A. [3] e tornaria essa organização pouco mais que um clube eleitoral para o S.L.P. Estou disposto a defender esse ponto se alguém achar que estou errado. Esse foi um dos pontos em disputa entre meus oponentes na reunião de Schenectady e eu. Até que o partido esteja unido em relação a esses pontos, nossa propaganda em um lugar anulará nossa propaganda em outro.
Casamento
Novamente, quando fiz uma turnê neste país em 1902, encontrei em Indianápolis um estimado camarada que quase perdeu a paciência comigo porque expressei minha crença no casamento monogâmico e porque afirmei – como ainda sustento – que a tendência da civilização é para a sua perfeição e completude, e não para sua destruição.
As opiniões desse camarada, especialmente desde a publicação em The People do livro A Mulher de Bebel[4], são compartilhadas por um grande número de membros, mas eu sustento, ainda assim, que estão erradas e que tais obras e publicações são excrescências dentro do movimento.
A abolição do sistema capitalista resolverá, sem dúvida, o lado econômico da questão feminina, mas apenas isso. A questão do casamento, do divórcio, da paternidade e da igualdade da mulher com o homem são questões físicas e sexuais, ou de afinidade temperamental, como no casamento, e, mesmo vivendo em uma república socialista, ainda seriam debatidas acaloradamente, como são hoje.
Um grande elemento de discordância seria removido – o econômico –, mas homens e mulheres ainda seriam infiéis aos seus votos, e as questões da igualdade intelectual entre os sexos continuariam tão controversas quanto hoje, mesmo que a igualdade econômica fosse assegurada.
Para dar um exemplo: suponha que um homem e uma mulher se casem. Após alguns anos, o homem deixa de amar a esposa e se apaixona por outra. Mas o amor da esposa por ele só aumentou com o tempo, e ela lhe deu filhos. Ele deseja deixá-la para ficar com seu novo amor. O fato de que seu futuro econômico esteja garantido será algum consolo para a mãe abandonada ou para seus filhos? Decididamente, não! É um problema humano e sexual, não um problema econômico. Condições econômicas injustas agravam o mal, mas não o criam.
Camarada De Leon [5] diz em seu prefácio, que acabo de ver, que A Mulher, de Bebel, angaria amigos para o proletariado dentro do campo inimigo. Considero, pelo contrário, que essa obra tenta desviar o proletariado do sólido terreno da ciência política e econômica para o campo duvidoso da fisiologia e do sexo.
A Igreja
A atitude do partido em relação à religião é outro ponto em que acredito que há uma tendência atual de desviar-se do caminho correto. Teoricamente, todo membro do S.L.P. concorda que o socialismo é uma questão política e econômica e não tem nada a ver com religião. Mas quantos realmente aderem a essa posição? Muito poucos, de fato.
É quase impossível pegar uma edição recente de The Weekly People sem perceber, pelo seu conteúdo, que ele e o partido estão se tornando claramente antirreligiosos. Se um clérigo ataca o socialismo em qualquer lugar, a tendência tem sido responder, não atacando suas absurdidades econômicas, mas sim sua teologia – com a qual não temos nada a ver.
Em outras palavras, ocupamos uma posição fortemente defendida, baseada em fatos demonstráveis. Quando um clérigo ataca essa posição, nossa melhor estratégia é permanecer entrincheirados e deixá-lo gastar sua energia e demonstrar sua ignorância com ataques fúteis. No entanto, nossos camaradas descem dessas trincheiras e travam um combate sobre uma questão do outro mundo – uma questão que, mesmo se debatida por mais um século, não pode ser provada ou refutada de um lado ou de outro.
A S.L.P. é um partido político e econômico, buscando a conquista do poder público para abrir caminho para a revolução social. Que se mantenha nisso. Isso já é um objetivo grande o suficiente.
Mas já falei o bastante para provocar discussão e reservarei mais críticas para outra ocasião. Sustento que minha posição é a correta para o S.L.P. Agora, alguém, por favor, pise na barra do meu casaco?
JAMES CONNOLLY
Troy, N.Y., 23 de março.
The People, 9 de abril de 1904
NOTAS