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"Alguns aspectos de Louis-Auguste Blanqui"



O exame da atividade de um grande revolucionário como Auguste Blanqui é sempre útil. De tudo que esta tenha de positivo e de tudo que tenha de negativo, se pode e se deve extrair ensinamentos úteis. É lógico que para isso, deve-se sempre considerar as circunstâncias da época e a profunda diferença entre o momento no qual lutava Blanqui e as circunstâncias atuais.


Blanqui foi na França o maior lutador do período que vai de 1827 a 1881. Foi a época do desenvolvimento do regime capitalista na França e da formação do proletariado como classe, na luta e no Choque de todas as ideias socialistas, marxistas, proudhonianas e utópicas.


Nós lutamos, ao contrário, numa época em que o capitalismo vive sua última fase, a fase imperialista, a fase do apodrecimento deste sistema. O proletariado, formado, enriquecido com uma enorme experiência, armado com a ciência do desenvolvimento histórico, o marxismo-leninismo, constata hoje que o socialismo científico de Marx e de Engels, enriquecido e desenvolvido por Lenin e Stalin, passou Por várias provas no decurso de meio século de lutas, atingindo depois o poder numa sexta parte do globo, na União Soviética.


Assim sendo, não é possível comparar-se mecanicamente os aspectos da atividade de Blanqui e dos blanquistas no século passado com o período atual.


Após estas observações, é possível e necessário destacar-se um certo número de ensinamentos da luta de Blanqui.


O Proletário Revolucionário


De 1827 até 1.° de janeiro de 1881, dia de sua morte, Blanqui jamais deixou de lutar.


Ao todo esteve na prisão 37 anos e meio, foi condenado à morte três vezes, recebendo então comutação para prisão perpétua.


Entre os numerosos locais em que esteve encarcerado se destaca o castelo de Belle-isle de onde evadiu-se em 1853. (A evasão para voltar à luta era sempre sua ideia essencial).


Viveu suas. horas mais terríveis no Mont Saint-Michel; no Fort du Taureau em mar alto, perto do litoral de Morlaix, após a Comuna; e, finalmente, em Clairvaux, onde sua cela solitária, forrada com lascas de madeira era um verdadeiro esquife; o silêncio era total, de tal forma que o prisioneiro se sentia como enterrado vivo.


Nem estes longos anos de prisão, nem as condenações à morte jamais conseguiram abalar a firmeza de Blanqui, revolucionário indomável.


Um de seus lemas principais era: "paciência sempre, resignação nunca".


Foi a este homem que Paul Lafargue escreveu de Londres, em 12 de junho de 1879, por ocasião de sua saída de Clairvaux, em seu nome e no de Marx:


"Não existe outro homem em nosso século contra quem a burguesia pudesse desencadear todas as tempestades de suas calunias e de suas perseguições durante mais de 40 anos sem o abalar."

A Luta de Classes

Por que tal firmeza? E por que tanta obstinação do Poder do Estado contra Blanqui?


Este poder de Estado foi o de Luis Filipe, o da aristocracia financeira no poder; foi o da República burguesa conservadora de 1848; foi o do pequeno Bonaparte e enfim o da 3.a República, a dos Versalheses nascida no sangue dos trabalhadores parisienses.


Esta violência do poder do Estado — quer se tratasse de monarquia, império ou "republica" — expressava muito bem os interesses permanentes de um mesmo e único regime social: o capitalismo. E, entretanto, o capitalismo estava em plena ascensão durante toda a vida de Blanqui. Blanqui surgiu no momento da revolução industrial, no momento em que a propagação prodigiosa da máquina a vapor desencadeava o desenvolvimento da grande indústria na França, o desenvolvimento do capitalismo.


Por outro lado, se formava rapidamente a classe operária, a classe dos proletários cuja vida depende unicamente da vontade do explorador.


Contra a classe dominante, a burguesia, esta "classe sem entranhas", ergue-se Blanqui, que se intitula, a si mesmo "comunista. Ele exprime a recusa dos proletários, estes novos escravos, de se submeterem, perpetuamente, a exploração capitalista e à opressão do poder do Estado.


Paul Lafargue define este admirável papel de Blanqui quando lhe escreve na carta citada acima:


— "Já antes de 1848, enquanto estávamos ainda imersos nos sonhos utópicos dos primeiros comunistas, vós tivestes a honra de proclamar a luta de classes".


Este é o primeiro mérito' eminente de Blanqui que consiste em ter constatado e salientado a necessidade da luta de classes.


Em 2 de fevereiro de 1832, na "Sociedade dos Amigos do Povo", republicanos de tradição jacobina cujo chefe era Buonarotti, companheiro de Babeuf, o jovem Blanqui expõe as relações entre as classes na França antes e depois da revolução de 1830.


"Não se deve dissimular que existe guerra de morte entre as classes que compõem a nação".


Tal é o ponto de partida.


Evocando a violenta luta entre os homens da monarquia absoluta de Carlos X e a burguesia cujo poder aumentava rapidamente no período de 1825 a 1830, Blanqui observa no mesmo discurso, após ter relembrado a situação e a ação dos 221:


— "Os mais ousados (burgueses), colocavam suas esperanças na recusa do imposto que fora bem pago...


Se os partidários do rei se mostravam tão confiantes e resolutos, se seus adversários (os burgueses) deixavam transparecer tanto receio e incerteza, foi porque uns e outros consideravam que o povo desistiria e se conservaria neutro por ocasião da batalha...


O combate travou-se nestas circunstâncias. As ordenações foram lançadas e a polícia quebrou os prelos dos jornais. Não vos falarei da nossa alegria, de nós, cidadãos, que fremíamos sob o jugo e que, enfim, assistíamos a este despertar do leão popular que tinha dormido durante tanto tempo. O dia 26 de julho foi o dia mais belo de nossa vida.


Mas os burgueses! Nunca uma crise política tinha oferecido o espetáculo de tanto pavor e de tão profunda consternação...


Todos vós tendes na memória o comportamento dos deputados... O medo lhes deixou bastante presença de espírito e de faculdades, que empregaram com o objetivo de evitar e fazer cessar o combate; preocupados com sua própria covardia, se recusavam a prever uma vitória popular, e tremiam, antecipadamente, sob o cutelo de Carlos X.


Mas na quinta-feira o cenário se modificou. o povo era vencedor. Então outro terror empolgou-os, bem mais profundo e acabrunhante...


O fantasma impotente de Carlos X se desvaneceu. Entre os destroços, as chamas e a fumaça, sobre o cadáver da realeza, o povo lhes apareceu de pé, de pé qual gigante, a bandeira tricolor na mão; eles ficaram estarrecidos..."


E Blanqui explica em seguida o acordo entre a grande burguesia (a aristocracia financeira) e a antiga aristocracia latifundiária visando entravar o caminho do povo trabalhador.


Encontramos nesta análise das forças de classes e de sua mudança de posição a ideia geral sobre uma situação que Engels explicaria depois, de forma magnífica, em sua obra "Revolução e contrarrevolução na Alemanha 1848-1850).


Na análise cientifica de Engels, magnífica, inigualada, vê-se que o proletariado, surgido em Paris em 1848 no palco da história, se tornou o terror da burguesia alemã timidamente revolucionária. Desde após as jornadas de junho, esta só tem uma ideia, tanto em Frankfurt como em Viena: fracionar, esmagar o proletariado alemão e austríaco afim de impedi-lo de levar adiante a revolução democrático-burguesa apenas iniciada em 1848.


Engels explica o acordo entre a burguesia alemã e os feudais, pelo temor ao proletariado.


Se se levar em conta que a análise de Blanqui foi feita em 1832, no momento em que na França, o proletariado estava ainda em formação, como classe, sem organização, sem ideologia clara, se deve constatar que Lafargue tinha razão em felicitar Blanqui por este ter compreendido, desde antes de 1848, que a luta de classes é o verdadeiro motor da história.


O primeiro mérito de Blanqui consiste pois em ter proclamado luta de morte entre duas classes. Tal é o primeiro motivo do ódio implacável da burguesia contra Blanqui.

Contra o Estado Burguês


O mérito de Blanqui consistiu também em compreender outro fato do desenvolvimento da época.


A classe operária nascente, explorada em condições pavorosas, lutando por um pedaço de pão, já se chocava com o Estado burguês. Este coloca todo seu poder ao serviço dos capitalistas. Desde então, Blanqui compreendia muito bem que a luta de classes não podia se desenvolver somente pela defesa das condições de vida, mas devia também dirigir-se contra a máquina de opressão, o Estado burguês. E toda a existência de Blanqui foi empregada na luta contra o poder do Estado da burguesia.


Não se deixava contagiar pelos sonhos dos socialistas utópicos. Escrevia de Belle-Isle em 6 de junho de 1852:


— "Não vos enganeis, o socialismo é a revolução. É isso o que ele é.


...Falemos das profissões de fé; vós vos denominais republicano revolucionário.


...Tomai cuidado com as palavras, pois estas vos enganarão. É justamente o título de republicano revolucionário que fingem adotar os homens que não são nem revolucionários e talvez nem mesmo republicanos, que traíram, puseram a perder tanto a revolução como a república.


Adotam-no em oposição ao de socialista, que excomungam, título tal que não hesitavam em usar quando soprava o vento popular, quando o socialismo parecia às vésperas do triunfo.


Vós dizeis, não sou nem burguês nem proletário, sou um democrata. Cuidado com os termos sem definição, são o instrumento favorito dos intrigantes...


Que é, então um democrata, eu vos indago? É um termo vago, banal, sem uma acepção precisa, um termo de borracha. Que opinião não conseguiria alojar-se sob tal rubrica? Todo mundo pretende ser democrata, sobretudo os aristocratas. Não sabeis, que o senhor Guizot é democrata? Os desclassificados se comprazem neste vago adjetivo que lhes convém. Têm horror aos pontos nos ii. Eis porque prescrevem os termos proletários e burgueses."


Reencontramos aí uma ideia que nos é hoje familiar. O senhor Guizot se proclamava então democrata tal qual nos tempos de hoje um senhor Truman, presidente dos Estados Unidos da América.


A Comuna de Paris e a Ditadura do Proletariado


Em pleno período de socialismo utópico, no momento em que o espírito "apolítico" dos proudhonianos florescia, Blanqui indicava:


— "O Estado é o gendarme dos ricos contra os pobres. É preciso então fabricar um outro Estado, que seja a gendarmaria dos pobres contra os ricos".


Para Blanqui, era indispensável arrancar a burguesia do poder. Essa ideia fundamental, instintiva, mas perfeitamente justificada, domina a vida de Blanqui. Ela se expressava em princípios numa concepção menos justa a da "ditadura parisiense".


Frederico Engels, em seu prefácio de 1891 "A Guerra Civil na França" caracteriza da seguinte forma a ideia dos blanquistas:


— "Partiam do ponto de vista de que um número relativamente reduzido de homens resolutos e bem organizados era capaz, num dado momento propício, não somente de se apoderar do leme do Estado como de, desenvolvendo grande energia sem nada levar em conta, manter-se durante p tempo suficiente para arrastar a massa popular para a revolução e agrupá-la em redor do pequeno grupo dirigente. Para isso, era necessário antes de mais nada, a mais severa centralização ditatorial de todo o poder nas mãos do novo governo revolucionário".


Por ocasião da tomada do poder pela classe operária de Paris a 18 de marco de 1871, os blanquistas constituíam a maioria do Comité Central da Guarda Nacional (ou seja dos batalhões do povo em armas) que tomou o poder. Na Comuna estavam em maioria, Mas foram levados pelos próprios fatos a fazerem o contrário da "ditadura parisiense". Longe de poder utilizar a máquina do Estado da burguesia, tiveram de destruí-la e substituí-la por um novo Estado, o Estado dos explorados — a imensa maioria — contra os exploradores.


Dessa forma, na ideia blanquista da tomada do poder como primeira condição da libertação social surgiu o germe de uma ideia embora não formulada claramente pelos blanquistas, a ideia da ditadura do proletariado.


Engels salienta este fato no prefácio citado acima:


— "Mas o que fez a Comuna, que se compunha, em sua maioria, precisamente de blanquistas? Em todas as suas proclamações dirigidas aos franceses da província, os convidava a participarem de uma federação livre de todas as comunas francesas, juntamente com Paris, numa organização nacional que, pela primeira vez, devia ser criada pela própria nação. É justamente esta força de opressão do governo, centralizado que tinha existido até então, exército, polícia política, burocracia, que Napoleão tinha criado em 1799 e que, depois, cada novo governo tinha retomado como um instrumento bem-vindo e utilizado contra seus adversários, é justamente esta força que devia ser derrubada em toda parte, como já havia sido derrubada em Paris.


A Comuna teve logo de reconhecer que a classe operária, uma vez no poder, não podia continuar a gerir por intermédio da velha máquina do Estado; que esta classe operária, para não perder novamente seu domínio recém-conquistado, devia por um lado abandonar a velha máquina de opressão empregada contra ela própria até aquele momento, por outro lado, se garantir contra seus próprios mandatários e funcionários, declarando-os em qualquer tempo e sem exceção, removíveis...


Mas, na realidade, o Estado não passa de uma máquina de opressão de uma classe por outra, e, está claro, tanto na república democrática como na monarquia;


...O filisteu social democrata cai, mais uma vez, num terror sagrado perante a palavra de ditadura do proletariado. Então, quereis saber senhores como é esta ditadura? Olhai para a Comuna de Paris. Era a ditadura do proletariado".


O que resta da ideia dos blanquistas de se apoderarem da máquina do Estado, instrumento de opressão, tendo em vista utilizá-la para a libertação dos trabalhadores, para a revolução social?


Resta a violenta oposição ao poder do Estado burguês, quer dizer a negação da utopia dos proudhonianos que pretendiam integrar no capitalismo, pacificamente e sem luta, um socialismo pequeno-burguês.


A luta irredutível contra o Estado burguês triunfou no dia 18 de março de 1871.


Os blanquistas não poderiam ter previsto quais seriam as tarefas da Comuna, Mas a Comuna, mais uma vez estabelecida, constituiu por si mesma uma inapreciável experiência: analisada por Marx e Engels, depois por Lenin em sua famosa obra "O Estado e a Revolução", serviu de base para toda a doutrina comunista sobre o Estado.


Após a experiência do sistema dos conselhos na Rússia em 1905 è em 1917 (os soviets), a concepção marxista-leninista do Estado proletário triunfou criando a democracia superior, o novo tipo de Estado que construiu o socialismo — o poder soviético. Aprofundada por Stalin, enriquecida por este nas condições sem precedentes do socialismo enfim realizado, conduz os povos da União Soviética para o comunismo.


É pois incontestável que a ideia dos blanquistas de se apoderar do poder do Estado, realizada em 18 de março de 1871 em condições especiais, terminou na Comuna de Paris numa nova situação que não tinham previsto e que não poderiam prever (devido à falta de doutrina cientifica), mas que constituiu para o movimento operários internacional uma experiência então única e proveitosa.


Os dois grandes méritos de Blanqui são pois o de ter percebido; e expressado a necessidade da luta de classes num momento em que a classe operária estava apenas em formação e o de ter lançado a ideia da luta irredutível contra o poder do Estado burguês, instrumento de opressão nas mãos dos exploradores.

Réplica aos Falsários


Eis porque o poder do Estado foi implacável em relação a Blanqui, o homem da luta de classes.


Ousar pretender que é possível para os explorados a tomada do poder do Estado constituía um verdadeiro crime de lesa-majestade.


Foi isso que todos os governos, do realista Carlos X e do constitucional Luís Felipe, do bonapartista Napoleão-o-Pequeno, da República conservadora de 1848 e da Republica versalhesa de 1871, nunca lhe perdoaram.


Eis as razões da ferocidade com que foi perseguido.


Eis porque Blanqui, encerrado no calabouço do Monte Saint Michel e torturado fisicamente, sofreu também torturas morais quando, por ordem superior, lhe anunciaram zombeteiramente a morte de sua mulher.


Eis porque no forte de Taureau meia companhia o guardava, com ordens de atirar nos pescadores que se aproximassem do forte.


Eis porque foi enterrado vivo em Clairvaux, nesse cemitério que são as solitárias. Entretanto, fizeram mais ainda contra ele.

A Falsificação da Polícia


Em 31 de março de 1848, "A Revista retrospectiva" do publicista Taschereau publicava uma brochura intitulada; "Detalhes sobre o caso de 12 de maio de 1839."


Este documento pretendia reproduzir umas supostas "declarações prestadas por X perante o ministro da Justiça, nos dias 22, 23 e 24 de outubro de 1839". Quem é X? Taschereau anuncia que o verdadeiro nome estava no documento original: E todo o "documento" é fabricado de tal forma que Blanqui parece ser seu autor. As "declarações" constituíam uma denúncia em regra do funcionamento e do papel exercido pela sociedade secreta denominada "Sociedade das Famílias", criada em junho de 1835, sociedade esta da qual Blanqui era membro. Blanqui, que tinha sido preso em outubro de 1839 foi então apresentado como espião!


O opúsculo publica documentos que nenhum juiz tinha visto. Estes documentos não foram nem escritos nem assinados por Blanqui Este opúsculo era uma cópia cujo original nunca foi encontrado pela justiça é evidente que foi tudo uma falsificação fabricada pela polícia.


Mas o golpe teve consequências. Em 31 de março de 1848, estamos no momento em que a República já tinha sido confiscada pelos grandes financistas e pelos escroques políticos do governo provisório. É neste momento que a Comissão do Luxemburgo, presidida pelo "operário Alberto" e na qual Luis Blanc pontifica afim de "instaurar o socialismo" aparecia como uma comissão de embromadores.


Os operários parisienses começam então a compreender que foram roubados nas suas conquistas, obtidas na Revolução de fevereiro.


A República de fevereiro não só não é uma república social, mas torna-se abertamente reacionária.


Eis porque o governo desejava manchar o prestigio de Blanqui; foi este o objetivo do documento Taschereau que é, evidentemente, uma falsificação feita pela polícia.


Tal documento conseguiu criar dúvidas no decorrer de algumas semanas, no momento em que os trabalhadores se preparavam para ações mais graves.


Blanqui respondeu ponto por ponto a este infame ataque. Refutou publicamente o documento Taschereau. Em Belle-Isle, onde Barbés difundia a infâmia policial, Blanqui fêz sua demonstração diante de todos os detentos.


Mas no período difícil de março a junho de 1848 o governo atingiu o seu objetivo.

A Lenda de um Blanqui Desligado das Massas


A perseguição contra Blanqui foi ainda mais longe. À medida em que vai desaparecendo a geração da Comuna de Paris, a partir da década dos 90, a social-democracia (o partido socialista) inicia uma campanha que deformará completamente toda a atividade de Blanqui. Ela impregna todas as histórias oficiais sem exceção.


Em suma, dizem estes senhores, Blanqui esteve aprisionado durante 37 anos e meio porque era um semi-louco. Blanqui e os blanquistas, segundo os falsários, só tinham uma ideia: tomar o poder por um golpe de força acidental de um pequeno punhado de homens. Citam então a tentativa de 1839, quando 837 blanquistas quiseram, em Paris, ocupar o Ministério do Interior, a presidência do Conselho, as Tulherias, etc, etc.


É verdade que tal ideia era uma aventura; é verdade que tal ato, que fracassou logo de inicio, era insensato. Mas, para apreciá-lo de maneira justa, é necessário se situar naquela época, sob o regime do rei banqueiro Luis Felipe, no momento em que não existiam organizações operárias e, nem mesmo associações operárias. Evidentemente não fugia à realidade a crença de que pequenos grupos decididos podiam, agindo por si sós e sem o povo, derrubar o poder do Estado.


Mas a lenda criada sobre Blanqui fez com que o acontecimento de 1839 se projetasse por toda a sua vida. Por exemplo; a invasão da Câmara dos Deputados, em 15 de maio de 1848, pelo povo de Paris é atribuída a Blanqui. Ora, Blanqui e os blanquistas desaconselharam esta manifestação. Só participaram dela após ter sido tomada a decisão e por disciplina.


Eis como o dicionário universal de La Châtre (publicado em 1852) se refere a Blanqui:


— "Condenado à morte por sua participação nos acontecimentos de 12 e de 13 de maio (1839) sua pena foi comutada para detenção perpétua.


A revolução de fevereiro, devolveu-lhe a liberdade de ação. Fundou nesta época em Paris a sociedade central republicana com o objetivo, não de derrubar o governo provisório, como já disseram erroneamente, sem dúvida, mas para impedir que a nova administração retrogradasse.


Solicitava ao poder surgido das barricadas de 1848 medidas rápidas, enérgicas, sinceras, capazes de esclarecer rapidamente as populações sobre seus direitos e deveres...



Tratava-se de uma ditadura de 6 meses visando democratizar a França. Os homens que dispunham então do poder da democracia não estavam à altura: abandonaram a salvação comum...


Com o voto universal e a discussão livre, a minoria só tinha na realidade um único direito: esclarecer o país e aguardar novas eleições. O direito de insurreição só existiria novamente para a democracia, no caso em que o sufrágio universal deixasse de ser completo...


Blanqui se opôs, com todas suas forças ao 15 de maio, e foi somente por coação moral que cometeu o erro de se unir a seu clube na manifestação. Blanqui foi envolvido na queda que tinha previsto. O Supremo Tribunal de Bourges condenou-o a dez anos de prisão que ainda está cumprindo em Belle-Isle-en-Mer".


Ora, o editor Maurice La Châtre foi escolhido por Marx em 1872 para ser o editor da primeira edição francesa de "O Capital". Portanto La Châtre oferecia a Marx garantias de seriedade.


Os sociais democratas censuraram ainda Blanqui no que se refere ao caso do golpe centra o Corpo de Bombeiros de la Villette em 14 de agosto de 1870, ora, Lissagaray escreve em sua história da Comuna de Paris:


"no dia 14, um domingo, o pequeno grupo de blanquistas tenta realizar um levante. Malgrado Blanqui, consultado a respeito, Eudes, Brideau e seus amigos atacaram em La Villette o posto de bombeiros sapadores".


Lissagaray era hostil aos blanquistas como o demonstra o resto do trecho do qual esta frase foi extraída. Sua afirmação de que o golpe foi desfechado "malgrado Blanqui consultado a respeito", só lhe dá maior força.


Mas isso não impede que, durante 70 anos os oportunistas apresentem Blanqui como o homem da tomada do poder... no posto de bombeiros de la Villette.


Na realidade, a tomada do poder tentada em 31 de outubro de 1870 com Blanqui, e depois a 21 de janeiro de 1871, foi realizada por 250.000 guardas nacionais, ou seja, trabalhadores parisienses em armas, em 18 de março de 1871.


Tratava-se, pois, de um enorme movimento de massa dirigido pelos blanquistas que constituíam a maioria no Comité Central eleito pela Guarda Nacional.


É exato que Marx tinha prevenido com razão aos trabalhadores parisienses contra o erro de tentarem tomar o poder enquanto Thiers era escorado pelas tropas prussianas de Bismarck. Mas nem por isso é menos exato que o 18 de março de 1871 expressou a imediata resposta de toda a massa do povo de Paris, os operários arrastando as classes médias à tentativa do golpe de força do governa Thiers—Trochu, de traição nacional, visando esmagar Paris.


Como tudo isso difere da ação de um punhado de "exaltados" isolados do povo!


Veremos logo em que consistiram os erros dos blanquistas. Mas a caricatura que faz de Blanqui um chefe sem tropas é falsa. A melhor prova disso é o que Marx sublinha em sua obra "A guerra civil na França":


"A Comuna, por várias vezes, tinha oferecido trocar o arcebispo, e sempre com um punhado de padres de quebra, por Blanqui somente, então em mãos de Thiers. Thiers, obstinadamente, recusava. Sabia que entregando Blanqui daria uma cabeça à Comuna."


Particularmente, Blanqui teria sido o chefe militar que faltou à Comuna. Após o 18 de março teria sido necessário aproveitar-se da desunião das tropas de Thiers, marchar sobre Versalhes, e dessa forma, pela ofensiva, impedir que Thiers reagrupasse suas forças, cercando como cercou Paris, juntamente com as tropas de Bismarck, a fim de preparar o assalto.


Isso Blanqui teria feito. Blanqui fez falta à Comuna como chefe militar, pois tinha espírito decidido, golpe de vista e iniciativa revolucionária. Mas, tinha alguma coisa ainda mais importante, essencial, para ser o comandante-chefe: possuía o prestígio ganho devido a sua firmeza revolucionária (e não pela mística do chefe como escreve o senhor Depreux, socialista de direita e antigo chefe de polícia do governo capitalista).


Blanqui, o homem que tanto deu à classe operária e ao povo, exercia influência incontestável sobre a grande maioria dos trabalhadores parisienses. Graças a isto, teria sido obedecido entusiasticamente. A disciplina num exército como o dos batalhões da Comuna só podia ser voluntária e repousar, na confiança em relação ao comandante-chefe.


Ora, a autoridade de Blanqui era indiscutível, enquanto que nenhum dos chefes militares da Comuna pôde adquirir ascendência suficiente durante o curto período da guerra contra Versalhes. O prestígio de um Wroblewski, magnífico para alguns batalhões não podia ser o prestígio suficiente para um comandante-chefe. Cluseret? Destituído. Rossel? Desertou. O último, Delescluze, só pôde se fazer matar como um herói. Faltava Blanqui.


Blanqui era o único que teria prestígio indiscutível; seria, pois, obedecido. Quando Marx escreve:


"Entregando Blanqui, Thiers daria uma cabeça à Comuna",


é evidente que Blanqui não era o homem de uma seita reduzida, mas um homem das massas.


E se acrescentarmos a esse fato a enorme campanha que sublevou todo o povo de França a favor de Blanqui em 1878, conseguindo, livrá-lo da prisão perpétua em Clairvaux em 1879, a falsificação deliberada da atividade de Blanqui feita pela social democracia e pela história oficial se torna evidente.


O que os Socialistas Burgueses Jamais Perdoaram


Claro, Blanqui e os blanquistas cometeram grandes erros e tiveram falsas concepções. Mais tarde o explicaremos.


Mas o que os socialistas burgueses jamais perdoaram a Blanqui foi a denúncia da colaboração de classe como traição de classe.


"Não pode existir aliança entre lobos e cordeiros",


escrevia ele e o repetia sem cessar. Eis o que escrevia em 1834:


"Sem dúvida, segundo a constituição atual das coisas, é por demais evidente que os proletários não podem permanecer 24 horas sem os instrumentos do trabalho que se encontram em poder dos privilegiados; mas concluir por isso que haja comunidade de interesses entre essas duas classes constitui um estranho raciocínio.


Vemos nesta união somente a aliança do leão com a ovelha, ela só subsiste sob a condição de que haja uma tirania sem limites por um lado e uma submissão total por outro lado." (Biblioteca Nacional — Manuscritos de Blanqui — n.° 9.580 — sem data).


Evidentemente náo há neste trecho uma análise econômica marxista das relações de produção. A última frase de Blanqui sobre a "tirania sem limites" e a "submissão total" faz com que se pense na pretensa violência invocada mais tarde por Dühring, mais do que explicação científica das relações de produção dada por Marx em "O Capital" e retomada por Engels no "Anti-Dühring". Mas, fora esta ressalva, a descrição de Blanqui é magnifica. Define as duas classes fundamentais: proletários e capitalistas. Afirma seu antagonismo irredutível. Repele o engodo da "colaboração capital-trabalho". Situa mesmo a raiz do antagonismo de classe nas relações de produção, que ligam os proletários aos capitalistas possuidores dos meios de produção num regime capitalista (regime este que Blanqui denomina "a constituição atual das coisas"), os interesses de classe são diametralmente opostos, irredutivelmente contraditórios.


Blanqui acrescenta:


"Existe sempre no senhor a tendência a reforçar cada vez mais as correntes ao passo que o oprimido tende sempre a desembaraçar-se do jugo. Não se trata, pois, de comunidade mas sim de uma oposição de interesses; não existe entre as duas metades desiguais outra relação a não ser a da luta; não existe outra necessidade a não ser a de se fazerem mutuamente o maior dano possível; numa palavra, se trata de guerra organizada.


Sabemos que os lobos do monopólio conduzem esta guerra ainda com mais perfídia do que violência, podem alegar à vontade, que é para o bem das ovelhas a tosquia tão completa que lhes fazem...


Os fatos demonstram que existe luta e que nesta, um dos partidos deve sucumbir; pois não pode haver fusão entre dois princípios contrários."


Blanqui escreveu estas linhas logo após as insurreições lionesas de dezembro de 1831 e de 1834 que são na França precisamente a primeira manifestação aguda da luta de classe entre burgueses e proletários levada ao mais alto grau, a insurreição armada.


Blanqui viu logo de início a significação profunda, a significação de classe destas insurreições.


Nunca os socialistas burgueses perdoaram a Blanqui de ter, desde o início do reinado da burguesia, desmascarado a colaboração de classe que constitui o fundamento de seus "sistemas".


Eis porque representaram Blanqui como o homem do golpe de força de um punhado de homens, como um insensato, em suma, um verdadeiro espantalho. Ora! Blanqui se proclamava proletário, comunista, exaltava a luta de classe sem a qual o proletariado permaneceria perpetuamente escravo.


Para Blanqui, o Estado burguês é


"o gendarme dos ricos contra os pobres; é necessário torná-lo o gendarme dos pobres contra os ricos".


A fórmula é simplista, mas conduz à Comuna de onde surgiu uma nova forma de Estado, a ditadura do proletariado, uma democracia superior.


A Comuna de Paris ia justamente pôr a nu o fracasso e a traição dos socialistas burgueses.


A colaboração de classe se desvendou como uma traição de classe.


Enquanto que Blanqui, aprisionado em 17 de março de 1871, era condenado à morte, acusado de ser o instigador da Comuna, no mesmo momento Louis Blanc socialista burguês, permanecia em Versalhes entre os massacradores dos operários parisienses!


Compreende-se então que, depois da morte de Blanqui a social-democracia tenha falsificado sua obra e dissimulado tudo o que foi bom e útil em suas lutas. A social democracia herdeira de Louis Blanc, preparava então uma nova traição: a entrada do socialista Millerand para o governo de 1900, ao lado do ministro da Guerra, o general de Galliffet, carrasco dos operários parisienses!

Falsificadores de Marx e de Engels


Constitui uma grande honra para Blanqui ter sido vilipendiado pelos socialistas burgueses, os Louis Blanc, Millerand, Blum, e outros Depreux.


Grande honra, pois estes agentes da burguesia no seio do movimento operário empregaram o mesmo processo contra Marx e Engels.


Incapazes de refutar a obra dos fundadores do socialismo científico, ousaram atacar por intermédio da falsificação a obra gigantesca de Marx e de Engels.


Para citarmos somente alguns fatos, relembramos que Bernstein e a social-democracia alemã falsificaram escandalosamente a introdução de Engels para a obra de Marx "As lutas de classe na França" (1848-1850).


A nota à edição francesa de 1936 explica: "Esta introdução de 'Engels às "Lutas de classe na França" tem sua história. Por ocasião de sua publicação no "Vorwaerts" em 1895, o texto foi tão cortado que o encadeamento das ideias de Engels foi completamente deturpado."


Engels escrevia em 3 de abril de 1895 a Lafargue sobre o fato:


"X... se permitiu me pregar uma peça de mau gosto. Tomou em minha introdução aos artigos de Marx sobre a França de 1848 a 1850 tudo o que lhe pareceu útil para a defesa de uma tática pacífica em qualquer circunstância e execrando a violência que depois de certo tempo e principalmente no momento atual em que se prepara em Berlim leis de exceção, gosta de preconizar, enquanto que eu recomendo uma tática deste gênero unicamente para a Alemanha, atual, e, mesmo assim com sérias restrições. Na França, na Bélgica, na Itália e na Áustria, esta tática, tomada em seu conjunto, não poderia ser seguida e mesmo na própria Alemanha amanhã já poderá ser inaplicável."


Engels, numa carta dirigida a Kautsky em 1.° de abril de 1895, lhe solicitou a publicação sem cortes de sua introdução. A introdução foi publicada novamente, mas a parte essencial ainda surgiu alterada.


Mas há algo mais grave ainda.


Em seu prefácio para a reedição em francês da "A guerra civil na França", por ocasião do 50.° aniversário da morte de Marx (1933), o Instituto Marx-Engels-Lenin acentua:


"Negando todos os princípios fundamentais do marxismo, os revisionistas, encabeçados por Bernstein, desfecharam ataques encarniçados contra a ideia mestra do marxismo, a ditadura do proletariado...


A maior experiência histórica do proletariado internacional — a experiência da Comuna de Paris — foi não somente esquecida como deturpada (Lenin) pelos chefes oficiais da 2.a Internacional.


A obra de Marx, "A guerra civil na França", caiu no esquecimento e não foi reeditada".



Entre numerosas falsificações descobertas pelo Instituto Marx-Engels Lenin, citamos:


"Longuet (o tradutor) substitui os conceitos precisos de Marx, referentes às várias classes e camadas da sociedade capitalista, por suas próprias concepções vagas. Além do mais, Longuet substitui a noção marxista de "operário" e "classe operária" pela de "trabalhador" e de "classe trabalhadora".


Em outros trechos, Longuet "completa" e explica Marx, transformando por exemplo, a frase de Marx "os trabalhadores de todos os países" nesta outra frase: "todos os filhos do trabalho, sem distinção de povo ou país".


E, eis agora uma das mais monstruosas falsificações descobertas pelo Instituto Marx-Engels-Lenin:


"Engels finaliza este prefácio com a seguinte frase: — "O filisteu social-democrata, mais uma vez, cai num terror sagrado perante a palavra ditadura do proletariado. E daí? Quereis saber senhores com o que se parece esta ditadura? Olhai para a Comuna de Paris. Era a ditadura do proletariado."


Os falsificadores do marxismo substituíram o termo filisteu social-democrata pelo termo filisteu alemão. Procuravam dessa forma se preservar aos olhos das amplas massas, da crítica severa feita em muitas ocasiões por Marx e Engels ao filisteísmo social-democrata".


Assim, a falsificação é uma arma das mais perigosas, não somente da burguesia como sobretudo de seus homens de confiança no seio do movimento operário, os socialistas burgueses, aqueles que atualmente denominamos socialistas de direita e que se tornaram simples agentes dos imperialistas estrangeiros.


Desde o fim do século passado falsificavam a obra de Blanqui em tudo que esta continha de bom, assim como impediam a publicação em França do inigualável documento de Marx: — "A guerra civil na França".


Foi preciso o triunfo da grande Revolução Socialista de outubro de 1917 na Rússia para que a obra fosse novamente conhecida.


Não foi por nenhum acaso que o antigo ministro do Interior, o socialista de direita Depreux se pôs a copiar novamente as falsificações da obra positiva de Blanqui, no momento em que novamente se exaspera a luta de classe!

O Que Provam os Fracassos de Blanqui e dos Blanquistas


O fato de que os senhores social-democratas tenham tentado durante 70 anos desacreditar Blanqui, só faz com que ele se torne, cada vez mais ligado aos operários conscientes.


Aqueles que o próprio Blum define como "leais gerentes do regime capitalista" não exaltaram ao mesmo tempo Proudhon?


Proudhon já está desacreditado há bastante tempo, devido a seu socialismo pequeno/burguês, a seu socialismo "cooperador", preconizando a passagem "pacífica" da sociedade capitalista para o socialismo, principalmente pela "participação nos lucros".


Como se os trustes de aço dos Wendel e Schneider, como se o grande patronato das fabricações mecânicas pudesse se transformar, benevolamente, em "socialistas", colocando suas gigantescas empresas ao serviço do povo, conservando somente o simples ordenado de um de seus empregados superiores!


Se Blanqui fosse tão nocivo assim para a classe operária, tanto quanto o dizem os socialistas burgueses, estes senhores não o criticariam tanto: fariam em relação a ele o que fizeram com Proudhon.


Não contemos com eles para nos esclarecer!


Entretanto, a vida de Blanqui, assinalada por anos de ação, de numerosas lutas, tanto em liberdade como na prisão, é também assinalada por uma série de fracassos.


Isso é devido a que as concepções de Blanqui continham erros fundamentais. São justamente sobre esses erros que os social-democratas silenciam. Por eles, esses erros seriam perpetuados.


A Necessidade das Lutas pelo Pão


O maior erro de Blanqui e dos blanquistas foi, de um modo quase geral, seu desprezo pela defesa das reivindicações imediatas dos operários.


Lissagaray, na sua história da Comuna, designa os blanquistas como:


"O grupinho bianquista que, no tempo do Império, nunca se quis misturar com os agrupamentos operários e que só acredita no golpe de mão".


Trata-se de recusar contacto com os agrupamentos que viriam a constituir os futuros sindicatos, como a Câmara Sindical dos Trabalhadores em Bronze de Paris, um de cujos fundadores foi Camélinat.


Eis aí uma indicação. Para os blanquistas o essencial está em tomar o poder. A defesa das reivindicações quotidianas dos operários lhes parece inútil. ("A Revolução resolvera tudo" afirmam ainda alguns).


O erro é gigantesco. É exatamente na defesa de reivindicações as mais modestas da classe operária, ensinando-a a agir por si própria para arrancá-las e fazer recuar os patrões na defesa do seu pão, que ela defende eficazmente as suas condições de existência, ao mesmo tempo em que toma consciência da própria força.


Lenin não foi o primeiro a dar o exemplo quando em 1891, à porta das usinas de Petersburgo (hoje Leningrado), redigia ele próprio os boletins conclamando os operários a exigir "água quente" para o chá? Em 1895, em sua magnifica brochura "Das multas", não conclamou os operários a lutar pela supressão, nas oficinas, deste roubo ao salário? Isto, no entanto, não o impedia de denunciar a causa essencial da miséria, o sistema capitalista e seu instrumento, o Estado burguês (na Rússia, então, feudal-burguês), e demonstrar dessa forma a necessidade de derrubá-lo.


Além disso, na própria véspera da Revolução de outubro de 1917, no seu magnífico panfleto "A catástrofe que nos ameaça e os meios de evitá-la", Lenin parte das preocupações imediatas dós trabalhadores e da população, os preços e o abastecimento. Fala-se do controle da distribuição dos viveres, precisa ele. Mas quem é o controlador e quem o controlado? Lenin desenvolve então, no interesse dos operários e do povo, a palavra de ordem de completa mudança do sistema existente, incluindo a substituição do governo social-burguês.


Isto permite lembrar que a imensa experiência vitoriosa de Lenin, de Stalin, dos bolcheviques, encontra sua origem nas próprias bases do marxismo:


"Os comunistas não têm interesse algum que os afaste do conjunto do proletariado... Na prática, os comunistas constituem a fração mais resoluta dos partidos operários de todos os países, a fração que arrasta todas as outras; teoricamente eles apresentam sobre o resto do proletariado a vantagem de compreender claramente as condições, a marcha e os fins gerais do movimento proletário". (Manifesto Comunista de Marx e Engels, 1848).

Uma Concepção Revolucionária Científica


Acham-se assim, desvendadas e corrigidas, as duas grandes lacunas dos blanquistas: o desprezo e o esquecimento da defesa das reivindicações elementares dos trabalhadores e a ausência de qualquer concepção revolucionária científica.


No prefácio de "A guerra civil na França", Engels salienta precisamente está grave fraqueza dos blanquistas, os quais constituíam a maioria na Comuna.


"Os blanquistas eram, então, em seu conjunto, socialistas apenas pelo instinto revolucionário, proletário, sendo que apenas um pequeno número dentre eles evoluiu para uma clareza maior de princípios, graças a Vaillant, o qual conhecia o socialismo científico alemão.


"Percebe-se assim a razão porque, do ponto de vista econômico e segundo a nossa concepção atual, muitas coisas que a Comuna deveria ter feito foram negligenciadas.


"O mais difícil a perceber está certamente no santo respeito com que se parou diante das portas do Banco de França. Também este foi um grave erro político. O Banco nas mãos da Comuna valeria mais que 10.000 reféns. Isto significaria a pressão de toda a burguesia francesa sobre o governo de Versailles no interesse da Paz com a Comuna."


No mesmo prefácio Engels acrescenta:


"Educados na escola da conspiração, ligados pela estrita disciplina que lhe é própria, partiam do ponto de vista de que um número relativamente pequeno de homens resolutos e bem organizados era capaz de, num momento propício não somente se apossar do governo do Estado, como também de se manter o tempo suficiente para, com grande energia e sem consideração para com quem quer que fosse, conseguir arrastar as massas populares para a Revolução e agrupá-las em torno do pequeno grupo dirigente."


Em resumo, os blanquistas preparavam sempre a tomada do poder. Organizavam-se com esta finalidade. E, em geral, muito bem. Contudo, numa luta permanente contra a infiltração de policiais, eles esperavam o momento propício, a crise revolucionária.


É evidente que isto é o inverso de toda e qualquer concepção científica do desenvolvimento da sociedade. Os marxistas, os leninistas, os stalinistas, não são observadores passivos da sociedade. São homens que, armados de uma teoria científica provada, estudam as forças das classes que se entrechocam, mas atuam sobretudo com o fim de pôr em movimento a classe operária e as outras classes oprimidas, visando a transformação da sociedade. Não são observadores "acima das paixões". Não esperam. Estão constantemente agindo.


Porém, há mais. Uma vez conquistado o poder, que se torna necessário fazer? Nenhum blanquista o sabia. Isto porque os blanquistas não possuíam teoria revolucionária. Ora,


"sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário" (Lenin).


Precisamente, a tomada do poder pelo proletariado de Paris, em 18 de março de 1871 sob a direção dos blanquistas (que tinham a maioria no Comitê Central da Guarda Nacional), foi vitoriosa porque está em contradição direta com toda a concepção dos blanquistas dos anos de 1830 a 1870. A atmosfera de ódio contra o poder de Estado do governo Thiers—Trochu fora criada a princípio pela evidente sabotagem da defesa de Paris. Juntar os 300.000 guardas nacionais com o exército regular da defesa de Paris, isto é, armar o povo "era armar a revolução", escreveu Marx. Por ódio de classe, os governantes burgueses sacrificavam Paris. Daí o descontentamento profundo da classe operária e de todas as camadas da população parisiense.


Ora, já no dia seguinte ao da capitulação de Paris, de forma brutal, Thiers e Trochu decidem, ao mesmo tempo, a supressão da moratória dos dois termos de aluguel e a supressão do salário dos guardas nacionais. Isto é, à indenização de desemprego. Toda a população parisiense se exasperou.


Desde aí, a tentativa de desarmar a Guarda Nacional, a 18 de março, volta-se contra Thiers; todos compreendem que se trata de impor ao povo de Paris uma ditadura reacionária depois dos sofrimentos do cerco, para lhe fazer pagar ainda mais caro o custo da guerra.


Foi, portanto, na base das reivindicações imediatas criadas pela atmosfera de cólera, de ódio generalizado contra o governo de Thiers, contra a sua traição evidente, e contra a sua tentativa de esmagar Paris, que os blanquistas foram postos no Comitê Central da Guarda Nacional, à testa de um movimento que subleva toda a capital.


E o golpe de força de Thiers é despedaçado, o poder é assumido pelo povo, pelo conjunto do povo, num enorme movimento de massas Originado pelo desejado agravamento da situação material da população parisiense e por um golpe de força de caráter bonapartista.


Ora, uma vez no poder, que fazem os blanquistas, maioria na Comuna? A citação de Engels mencionada acima o indica. Eles não podem utilizar o aparelho do Estado burguês como o haviam previsto; eles o desmembram e a Comuna "formada de conselheiros municipais eleitos e revogáveis à vontade dos eleitores» cria um novo poder de Estado, suprime o exército permanente e decreta o armamento geral do povo, etc., etc...


Isto demonstra que os blanquistas, até a Comuna, tinham uma concepção irrealizável da libertação social.


E isto porque? Porque ignoravam a teoria revolucionária científica, o marxismo, ou não haviam ainda compreendido a sua importância.


Eis aí o que os socialistas burgueses evitam censurar em Blanqui. Falsificam os erros fundamentais de Blanqui, ao mesmo tempo em que desfiguram as suas ações magníficas. O que desejam antes de tudo é ocultar aquilo que, na análise das fraquezas como na das mais belas lutas, pode auxiliar o desenvolvimento ulterior e atual do movimento operário.


As Belas Tradições Internacionalistas do Proletariado Francês


Os socialistas burgueses tentaram uma outra falsificação: querer transformar Blanqui num "socialista francês", ou, se se preferir, num "socialista nacional", ou ainda num "nacional-socialista".


Tentaram-no particularmente no fim da guerra de 1914-1918, no momento em que a vanguarda do proletariado de Paris se voltava resolutamente para a revolução de outubro de 1917, vitoriosa na Rússia e a ela se tem mantido inquebrantavelmente fiel.


Mesmo nos períodos de 1917-1918-1919, quando ainda não se conhecia bem em França o sistema dos Sovietes, o instinto, de classe e a sensibilidade política dos operários parisienses reconhecia nas grande Revolução socialista da Rússia uma nova Comuna, desta vez vitoriosa.


Esta consciência dos interesses internacionais do proletariado constitui uma das mais belas tradições dos operários franceses em geral e em particular dos operários parisienses.


Graças aos bolcheviques e à Internacional Comunista, desde 1919, a Comuna de Paris e todos os seus ensinamentos foram novamente difundidos no seio do proletariado francês.


Ora, a Comuna fornece exemplos magníficos de internacionalismo. O primeiro ministro do Trabalho da França foi Léo Frankel operário húngaro (da Internacional), eleito membro da Comuna com o blanquista Duval pelo 13.° distrito de Paris. Da mesma forma, o proletariado de Paris sempre se orgulhou de haver contado, entre os chefes militares da Comuna, com "Dombrowski e Wrobleski, filhos heroicos da Polônia".


Os social-chovinistas de 1919-1920 que acabaram de mergulhar; os trabalhadores franceses no banho de sangue da guerra imperialista tiveram a sua paga: o prestigioso exemplo da Revolução socialista triunfante na Rússia, os grandes nomes de Lenin e Stalin, haviam desenvolvido como nunca sobre bases indestrutíveis o grande espírito internacionalista dos proletários franceses. Este espírito, desde então, jamais deixou de manifestar-se, quer se trate do protesto de 100.000 operários numa luta que durou três horas nos boulevards de Paris, a 23 de agosto de 1927, quando do assassinato de Sacco e Vanzetti em Nova York, ou ainda da solidariedade para com os trabalhadores italianos martirizados pelos fascistas.


Este mesmo espírito internacionalista se afirmou com heroísmo a 22 de outubro de 1941 no momento da execução dos 27 reféns de Chateaubriant. Frente ao pelotão de fuzilamento dos S.S. foi Pierre Timbaud, secretário do sindicato dos operários metalúrgicos de Paris, quem lançou, num desafio aos carrascos fascistas, o seu último grito: "Viva o Partido Comunista alemão!"


Sua mais alta forma de expressão, o apoio sem reservas à grande Revolução socialista de outubro de 1917, manifestou-se desde os primeiros dias. Em 1919 a classe operária francesa provou por atos a sua solidariedade para com os trabalhadores russos no poder, golpeando a intervenção militar armada dos imperialistas franceses, auxiliados pelos social-chovinistas, contra a grande Revolução soviética vitoriosa.


Os proletários franceses e antes de tudo os proletários parisienses, fizeram sua esta apreciação formulada por Engels em outubro de 1884:


"A Comuna foi o túmulo do velho socialismo especificamente francês. Mas foi ao mesmo tempo o berço do comunismo internacional, novo para a França."

A Ideia Nada Vale Sem a Ação. Mas existe um exemplo em Blanqui que nada nem ninguém pode apagar. Toda a sua vida foi uma vida de luta.

As Primeiras Ações


Muito jovem, aos 17 anos, em 1822, deixou-se entusiasmar pela coragem e abnegação dos quatro jovens sargentos da Rochelle condenados à morte e executados por haverem conspirado para o restabelecimento da República. Filia-se à sociedade secreta republicana "La Charbonnerie". Em Paris, como estudante, recebe em 1827 dois golpes de sabre e, em 1829, uma bala no pescoço, e é preso pela primeira vez. Assim começa a sua vida. Toda ela será dominada por sua divisa: "a ideia nada vale sem a ação".


E tal ação, repetimos, é uma ação de classe.


A 27 de julho de 1830, encontra-se na rua de fuzil na mão. Está decidido: com o novo poder real constitucional, a alta finança escamoteia ao povo a sua vitória.


Blanqui bateu-se ao lado dos operários que não somente queriam varrer o poder absoluto de Carlos X, mas estabelecer a República. Lança-se ao preparo da ação revolucionária. Funda a sociedade republicana: "Os Amigos do povo".


Novamente preso em fevereiro de 1831. Desta vez vai a julgamento em 1832.


Em 1836, nova prisão motivada pelo que se designa por "o caso das pólvoras da rua Lourcine" e por suas ligações com a organização clandestina revolucionária "a Sociedade das Famílias".


Em 1839, é um dos dirigentes e organizadores da nova organização clandestina "A Sociedade das Estações", magnificamente montada.


Com ela, empunha as armas. Foi esta a sua primeira condenação à morte, comutada para prisão perpétua. Ele é lançado ao inferno do Monte Saint-Michel. Staube suicida-se ali. Austen enlouquece!


A revolução de fevereiro de 1848 liberta-o. Funda logo após, em Paris, a "Sociedade Republicana Central". É evidente, pois, que ele foi sempre um organizador e um notável organizador.

Vitória Roubada ao Proletariado


A 15 de maio de 1848, o povo de Paris em armas invade a Assembléia Nacional Constituinte aos gritos de "Viva a Polônia!". O povo exige que Blanqui suba à tribuna. Daí ele denuncia primeiro a reação czarista, prussiana e austríaca que vêm de esmagar a Polônia. E a seguir pede justiça contra as autoridades que, em Rouenr mandaram atirar sobre os operários famintos. Ei-lo evocando a miséria e o desemprego que se agravam em Paris.


"Os operários suportaram três meses de sofrimentos a serviço da República, diz ele. Ora, o esgotamento dos últimos dias está por chegar."


Dá-se o tumulto. Huber declara dissolvida a Constituinte. Mas a multidão evacua a sala de audiências. As forças militares burguesas restabelecem a assembleia.


... Blanqui volta à clandestinidade. Uma ordem de prisão é assinada contra ele em 22 de abril. É preso em 26 de maio e encerrado no forte de Vincennes.


O Tribunal Superior de Bourges, em março-abril de 1849, condena-o a 10 anos de prisão. É jogado na Penitenciária de Belle-Isle-en-Mer. Após o fracasso de sua fuga, será transferido, sete anos mais tarde à prisão de Corte (Córsega).


Libertado em 2 de abril de 1859, é compelido à residência forçada em Mascara (Algéria). Anistiado, volta a Paris. Desapareceu a atmosfera de 1848. É a "prosperidade" do capital, protegido pela ditadura policial bonapartista. E ei-lo que recomeça a luta contra o poder do Estado do pequeno Bonaparte.


Cria uma vasta organização revolucionária clandestina. Preso; em 1861, condenado a 4 anos de prisão, evade-se, em 1865, passa para a Bélgica e depois para a Suíça.


Em 1869, encontra-se novamente em Paris. Apesar da ditadura policial do Segundo Império, cria uma boa organização clandestina popular e operária; ela é a animadora da luta contra o poder pessoal. A 12 de janeiro de 1870, durante o enterro de Victor Noir, jornalista assassinado por um príncipe imperial, os blanquistas estão presentes na enorme manifestação de 100.000 parisienses. Estão organizados, armados, prontos para tomar o poder se se apresentas a ocasião... é preciso esperar...


A 18 de julho de 1870, rebenta a guerra com a Prússia. Após Sedan, os blanquistas, com as secções da lª Internacional, conduzem os operários para a revolução de 4 de setembro de 1870 e derrubam Napoleão-o-Pequeno.

Às Vésperas da Comuna


Mos o governo dos Thiers e dos Trochu trai. A capitulação de Metz, conhecida simultaneamente com a perda de Bourget, oferece aos blanquistas a oportunidade para a tentativa de 31 de outubro de 1870 que visa tomar o poder. Com a notícia da rendição de Bazaine, é assaltado o hotel de Ville, sede do governo provisório. Blanqui chega ao local. Assina logo ordens para os comandantes dos fortes para que se matenham de prontidão para repelir um ataque das tropas de Bismarck. Batalhões burgueses da Guarda Nacional e sobretudo da Guarda Móvel conseguem retomar o Hotel de Ville. Uma vez mais Blanqui passa a ilegalidade. Perseguido noite e dia pela polícia do governo de "demissão nacional", doente, parte para a província.


Thiers não o esquece: a 9 de março de 1871, o 4.° Conselho de Guerra condena Blanqui a morte por desacato, enquanto que, nas duas sessões anteriores, absolveu os demais participantes de 31 de outubro.


No dia 17 de março de 1871, à tarde, ele é preso em Loulié perto de Pigeac, no Lot. É logo encerrado secretamente na prisão de Cahors.


Na mesma noite, às 4 horas da madrugada de 18 de março, as tropas da polícia tentam apoderar-se dos canhões da Guarda Nacional de Paris. O 88.° de Infantaria confraterniza em Montmartre, as tropas passam para o povo em armas e é a Comuna!


Mas a prisão de Blanqui na véspera da fracassada tentativa de Thiers, constitui bem a prova do golpe preparado.

Arrancado à Morte


Desta vez, Thiers o retém; nunca mais o soltará. Blanqui é transferido ao forte de Taureau, ao largo de Morlaix. a guarda militar, com peças de artilharia, vigia noite e dia este velho já esgotado e o impede até de dormir para acabar com ele. Em 1873, na idade de 66 anos, será julgado pelo 4.° Conselho de Guerra de Versalhes, condenado à prisão perpétua numa zona fortificada, e ei-lo encerrado nas células de mortos-vlvos de Clairvaux...


A 30 de maio de 1877, escreve à sua irmã, Mme. Antoine:


"Meu estado não sofre melhoras. Não me é possível comer, nem dormir. Sufocações todas as noites com palpitações cardíacas intoleráveis. O pulmão está fechado, o sangue não passa. Tudo isto está em desordem. Tomo apenas um pouco de arroz com leite."


Em julho, suas forças chegam ao fim.


Os jornais de Paris já anunciam a sua morte. Ela é espetada dia a dia pelo diretor de Clairvaux, a 4 de julho, este comunica ao ministro que a morte de Blanqui poderá sobrevir de um momento para outro. o diretor não esquece de preparar o seu apressamento: sugere que seja evitada toda e qualquer manifestação, ao se transferir o corpo para Paris ou os Alpes Marítimos; pede que se recuse enviar o corpo de Blanqui à sua família e pede autorização para proceder à inumação dentro dos muros da grande prisão.


O prefeito de Aube apoia o pedido do diretor. Mas o velho revolucionário resiste; trabalha, estuda e, num esforço sobrehumano de vontade, faz a morte recuar!


É então que, seis anos após os massacres de maio, uma palavra de ordem começa a correr os meios operários de Paris: é preciso libertar Blanqui.


A campanha começa e logo se expande. Em 1878, Marselha lança a ideia de uma candidatura Blanqui, a 16 de maio, um grupo de estudantes e de operários do 6.° distrito de Paris, desta margem esquerda onde ele tanto lutou, decidiu apresentar o Encarcerado como candidato. As reuniões se multiplicam, particularmente em Belle-ville e no 11.°. Lyon abraça a ideia da candidatura no subúrbio de Vaise. Blanqui, inelegível, é eleito triunfalmente deputado por Bòrdeaux.


A ideia de uma possibilidade de sair da prisão perpétua e, portanto, de retomar a luta, reanima o velho. Sua eleição em Bòrdeaux é anulada, mas o movimento de massas se ergue tão poderoso que, a 10 de junho de 1879, no dia seguinte ao do voto de anistia para os Comunardos, Blanqui é perdoado.


E eis que, de novo percorre a França de norte a sul e sobretudo Paris. Aceita todos os pedidos de reunião que lhe são feitos. Sua voz mal se percebe, tal o seu estado de fraqueza. E apesar disto, percorre Paris, seus arrabaldes e a província, como se tivesse pressa em compensar em alguns dias a atividade que lhe fora interditada por 37 anos de galés e de prisão.


Mora em Paris, num hotel do boulevard da Itália, com seu velho camarada Granger, a 24 de dezembro de 1880, discursa no Distrito no salão Amault, no Boulevard de la Gare; a 27, em Grenelle, no XV. Apenas chegado ao seu quarto, como que desmorona sobre o leito; não mais retoma consciência e falece a l.° de janeiro de 1881, com a idade de 76 anos.


A 5 de janeiro, do Boulevard de Itália a Père-Lachaise, 100.000 trabalhadores e estudantes escoltam o Encarcerado, num momento de emoção inesquecível. A polícia e as tropas de Paris estão de prontidão!


Assim, do primeiro ao último minuto de sua vida, Blanqui permaneceu o homem de ação.


Quando ainda prisioneiro, mesmo no isolamento do Monte Saint-Michel ou do Forte de Taureau, observa os pescadores, os moradores da costa. Pelas poucas ligações que podia ter — sua irmã, um advogado — acompanha os acontecimentos por pedaços de jornais e organiza a ação. Sempre que lhe é possível, escreve, aconselha, fornece os detalhes práticos. Vive só para a ação. É verdadeiramente o lutador, o símbolo deste proletariado que se forma, que manteve o poder durante os 72 dias da Comuna e que jamais há de ceder.

Um Chefe de Tempos Tempestuosos!


Blanqui possuía, assim, a primeira qualidade dos comunistas.


Porque os marxistas têm por finalidade, não observar o mundo, mas transformá-lo.


Este pensamento de Marx e de Engels, de Lenin e de Stalin, parece elementar. E, no entanto, é o mais difícil de ser posto em prática. Pois, com frequência, a vontade de agir, quando existe, não sabe se exprimir.


Criticar o aparelho estatal burguês e aqueles que o servem é relativamente fácil. Observar e denunciar as torpezas do regime também o é. Mas quando se trata de agir para fazer recuar as forças da exploração e da opressão, já não se dá o mesmo.


Não se acostuma, por vezes, designar por ação a simples distribuição de boletins que nada mais são do que um meio de propaganda e de preparação para a ação?


De Marx Sobre Blanqui


O que faltou a Blanqui e a quase todos os blanquistas, foi a teoria científica do desenvolvimento da sociedade, o marxismo, considerado não como um dogma mais ou menos bem decorado, mas como um guia para a ação.


Este é que foi o ponto fraco essencial de Blanqui, aí está a causa dos seus fracassos, foi isto que fêz falta à Comuna. O fato de ela se haver detido diante da soleira sacrossanta, diante do deus dos deuses, o Banco de França, bem o indica.


Mas não é possível esquecer a apreciação de Marx sobre Blanqui, seu contemporâneo, cuja fraqueza era, contudo, dele bem conhecida.


Na carta que escreveu ao doutor Watteau, a 10 de novembro de 1861, Marx escrevia sobre Blanqui:


"Esteja certo de que ninguém pode estar mais interessado do que eu na sorte de um homem a quem sempre considerei como a cabeça e o coração do partido proletário da França."


A 30 de maio de 1871, isto é, dois dias após o fim da semana sangrenta, Marx escrevia em sua obra "A guerra civil na França":


"Blanqui foi a cabeça que faltou à Comuna."


A 12 de junho de 1879, isto é, quando Blanqui saía de Clair-vaux, Marx lhe escreveu através de Lafargue:


"Vós emergis à superfície no momento em que mais necessidade temos de um homem para constituir o partido proletário e lançá-lo à conquista do poder político."


Foi no texto desta carta que Lafargue sublinhou o que foi publicado mais acima:


"Antes mesmo de 1848, enquanto nós permanecíamos ainda mergulhados nos sonhos utópicos dos primeiros comunistas, vós tivestes a honra de proclamar a luta de classes; hoje a luta está travada de maneira terrível e de novo apareceis para nos servir de porta-estandarte."


Por consequência, a despeito de sua crítica justa sobre Blanqui e os blanquistas, Marx considerou como decisivas as notáveis qualidades de Blanqui como homem de ação e organizador. Falta-lhe ainda a teoria científica do desenvolvimento da sociedade; escrevendo-lhe por intermédio de Lafargue, Marx espera fornecê-la a Blanqui e aos blanquistas.


Aliás, a primara tarefa que Lafargue formula em sua carta de 1879 — sob a inspiração de Marx — é a de constituir o partido proletário, o partido que faltou à Comuna.


Nesta primeira tarefa que Paul Lafargue fixava e que deveria vir a realizar dois anos mais tarde com Jules Guesde, fundando o Partido Operário Francês, aparece a correção do que faltava a Blanqui, isto é, a organização dos trabalhadores em partido de classe, fecundado pela ciência marxista.


Assim a apreciação de Marx, 18 meses antes da morte de Blanqui, destrói imediatamente todas as calúnias e todas as falsificações dos oportunistas do partido socialista.

A Apreciação de Josef Stalin


Se houvesse necessidade de uma conclusão geral sobre a obra de Blanqui, nenhuma seria melhor do que a apreciação de Stalin, dirigente genial da grande Revolução Socialista Soviética vitoriosa, em marcha para o comunismo, e guia dos comunistas, dos explorados e dos oprimidos do mundo inteiro.


"A história conhece chefes proletários, chefes de tempos tempestuosos, chefes práticos, cheios de abnegação e de audácia, mas fracos em teoria. As massas não esquecem tão facilmente os nomes de tais chefes. Assim, por exemplo, Lassalle na Alemanha, Blanqui na França. Mas o movimento no seu conjunto não pode viver unicamente de recordações: é necessário um objetivo claro (um programa), uma linha firme (uma tática).


"Há também chefes de outro gênero, chefes dos tempos de paz, fortes na teoria, mas fracos em matéria de organização e de trabalho prático. Tais chefes são populares apenas entre as camadas superiores do proletariado e isto até um certo momento. Com o advento de uma época revolucionária, durante a qual se espera dos chefes palavras de ordem revolucionárias práticas, os teóricos, dando lugar a homens novos, abandonam a cena. Assim, por exemplo, Plekhanov na Rússia, Kautsky na Alemanha.


"Para se manter no posto de chefe da revolução proletária e do Partido do Proletariado, é necessário aliar em si a força da teoria e a experiência prática da organização do movimento proletário." (Josef Stalin, 23 de abril de 1920, "Lenin, organizador e chefe do Partido Comunista da Rússia.)


Nossa Tarefa


Assim se desenvolve a grande tarefa da "Sociedade dos Amigos de Blanqui".


Consistirá ela em tornar conhecido este chefe dos tempos tormentosos, este lutador prestigioso, com a sua concepção justa da luta de classe necessária e de sua consequência, a luta encarniçada contra o Estado burguês, instrumento da ditadura capitalista sobre os proletários.


Consistirá em dissipar as falsificações e as calúnias dos dirigentes traidores do socialismo, do partido dito socialista, que se transformaram em ministros sangrentos de um governo às ordens dos capitalistas mais ferozes e mais implacáveis do mundo inteiro, os reis do dólar.


Consistirá em tornar conhecidos os erros e a causa dos fracassos de Blanqui para que nossa classe operária e sobretudo nossa juventude proletária possam, no estudo vivo das experiências do passado, tirar lições para as lutas do futuro.


Consistirá enfim em tornar conhecido o grande exemplo de um homem que nunca cedeu, numa época em que as forças operárias e populares eram tão fracas.


Com essa educação necessária, permaneceremos fiéis ao espirita do fundador do primeiro partido marxista na França, o Partido Operária Francês de Jules Guesde e de Paul Lafargue quando este escrevia no jornal de Blanqui "La Rive Gaúche" do dia 1.° de julho de 1866: "foi ele que nos transformou".


Permaneceremos fiéis ao espírito de Paul Lafargue quando escrevia de Londres a 22 de abril de 1866:


"Foi porque pude contemplar de perto este lutador terrível a quem trinta anos de prisão ainda não abateram, e cujo coração e cujo espírito estão repletos do mais puro amor pela revolução, que sinto aumentar meu ardor por ela e que me decidi a servi-la durante toda a vida e por todos os meios."


Eis aí o que será necessário tornar conhecido. Na hora em que milhões de homens já não mais conhecem a escravatura do capitalismo, na hora em que de Praga a Changai oitocentos milhões de seres humanos estão libertos e constroem uma vida nova, enquanto que a bandeira vermelha dos trabalhadores, que foi a de Blanqui, flutua vitoriosamente sobre o imenso território soviético, quem poderia ainda hesitar na luta necessária?


Se Blanqui, com um punhado de homens, jamais recuou; se Blanqui, o Encarcerado, o eterno encarcerado, nunca se curvou, quem poderia ainda experimentar um só momento de dúvida nos dias que correm e em que a nossa poderosa classe operária tanto aprendeu com as terríveis experiências destes últimos quinze anos, e possui o que faltou a Blanqui, o grande partido operário de tipo novo, o Partido Comunista Francês, o primeiro Partido político da França?


Assim, a grande figura de Auguste Blanqui, com suas brilhantes qualidades e também com seus erros, deve nos auxiliar poderosamente a desenvolver a ação de massas dos operários, dos trabalhadores, pelo pão e pela paz, para pôr fim ao regime capitalista de lodo e de sangue e marchar por nossa vez para o socialismo.

Exposição feita por André Marty a 6 de fevereiro de 1951, em Paris, por ocasião da celebração do 70.° aniversário da morte de Louis-Auguste Blanqui.

Publicado na Revista Problemas nº 37, novembro-dezembro de 1951


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