"Sudão: O genocídio previsível"
- NOVACULTURA.info
- 3 de nov.
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Como não havia dúvidas de que o genocida judeu Benjamín Netanyahu apenas havia feito uma pausa ao aceitar o plano de paz imposto por Donald Trump no passado oito de outubro, dissemos que mais cedo ou mais tarde reiniciaria a obra culminante do sionismo: o extermínio de Gaza e assim de toda a Palestina.
Embora seja certo que erramos quanto ao tempo que demoraria o reinício, já que o ímpeto de morte de Israel é impossível de mensurar, para além das provas que deu nesses quase oitenta anos de ocupação sionista na Palestina, que voltou a atacar, se é que alguma vez deixou de o fazer, muito antes do que qualquer um poderia prognosticar.
A este genocídio tão anunciado, “justificado” e televisionado, surgiu-lhe um competidor, igualmente perverso, óbvio e previsível. O que os paramilitares sudaneses do grupo conhecido como Força de Apoio Rápido estão executando desde domingo, vinte e seis, na cidade de el-Fasher, capital do Darfur do Sul. Depois de um ano e meio de cerco e resistência.
Quem conheça minimamente a história dos antigos Janjaweed (Cavaleiros Armados), hoje reconvertidos na tenebrosa FAR, saberia que o projeto de limpeza étnica, que já haviam tentado em Darfur entre 2003 e 2005, quando sob o manto de impunidade que lhes brindou o autocrata sudanês Omar al-Bashir, assassinaram meio milhão de darfuris não árabes, das etnias africanas (negras) Masalit, Fur e Zaghawa.
Embora iniciada a guerra civil em abril de 2023, entre os paramilitares do falso general Mohamed Hamdan Dagalo, alias Hemetti, e as Forças Armadas Sudanesas (FAS) lideradas pelo general Abdel Fattah al-Burhan, que além de comandante-em-chefe das FAS é nominalmente o presidente do país, os paramilitares, originários em sua maioria de Darfur, reiniciaram o genocídio repetindo as mesmas práticas de 2003.
São numerosas as provas das chacinas que se executaram nestes trinta meses de guerra. Embora talvez nenhuma mais documentada do que o ataque ao campo de refugiados de Zamzam, onde haviam chegado buscando abrigo quinhentos mil deslocados, dos 14 milhões em todo o país, e que, apesar disso, os perpetradores não sofreram nem o castigo, nem a condenação por terem executado em apenas uma noite mais de duas mil pessoas. Talvez porque, antes do início do ataque em onze de abril, já morriam em Zamzam, uma criança a cada duas horas, pelo combo a que estamos tão acostumados: desidratação, fome, doenças tratáveis, uma bala ou a lâmina de um facão.
Zamzam, o campo onde se alojam algumas das populações mais vulneráveis do mundo, os paramilitares entraram com caminhonetes armadas por três frentes, cobertos por ataques de artilharia e drones, para começar a caça aos falangayat (escravos), como os milicianos das FAR etnicamente árabes chamam de forma pejorativa as populações negras. O ataque, que se estenderia pelas seguintes setenta horas, gerou um número não revelado de mortos, embora algumas estimativas variem de cem a mil e quinhentas. Tornando-se uma das maiores matanças desde a tomada da cidade de Geneina, capital do Darfur Ocidental, em junho de 2023, na qual morreram entre 10 e 15 mil pessoas, depois de pouco mais de dois sangrentos meses de cerco. Onde famílias inteiras foram arrancadas de suas casas e literalmente arrastadas pelos cabelos para serem executadas diante de uma multidão atônita.
São essas as imagens que se repetem hoje no interior de el-Fasher, uma cidade que chegou a ter um milhão de habitantes até antes do começo da guerra, onde, após a retirada do exército regular para “um lugar mais seguro”, segundo disse em seu discurso televisado na última segunda-feira o general al-Burhan, ficaram mais de 260 mil pessoas que não conseguiram escapar — enquanto outras 30 mil o haviam feito apenas um par de dias antes, fugindo para a cidade de Tawila, 70 quilômetros a oeste. A cidade, com mais de 700 mil pessoas, já está saturada para assistir às infinitas necessidades dos deslocados, de modo que as ONGs ali localizadas não dão conta de atender os muitos feridos, doentes ou simplesmente famintos.
Em Tawila, além disso, teme-se que, uma vez que os paramilitares resolvam seus desentendimentos em el-Fasher, continuem a busca por falangayat naquela cidade situada a 270 quilômetros da fronteira com o Chade, para onde já chegaram quase quatro milhões de refugiados.
Os deslocados que chegaram a Tawila relatam perseguições constantes por parte de bandoleiros comuns, que lhes tomam seus pertences; relatam inclusive casos de sequestros para pedir resgates de até quinze mil dólares.
Os novos falangayat
Em el-Fasher, os milicianos das Forças de Apoio Rápido têm uma nova oportunidade para finalizar a limpeza étnica que tentaram a partir do genocídio de 2003 e executam sem cessar desde o início da guerra civil, em abril de 2023.
Neste momento, diante da passividade global como a de Netanyahu em Gaza, está a ser executada toda a panóplia utilizada nas guerras, que, se muito bem nada de novo na história da humanidade, surpreende que num mundo hiperconectado em pleno desenvolvimento dos direitos humanos, numa sociedade tão considerada com as minorias, com linguagem inclusiva quase obrigatória, a livre escolha do sexo e outros avanços sociais, tanto em Gaza como em el-Fasher, já não se combate simplesmente para derrotar o inimigo, totalmente vencido, para impor suas vontades, princípios ou como se chame o motivo que leva um lado ou outro a uma guerra, mas sim para destruí-lo fisicamente, emocional e espiritualmente.
Por isso violam mulheres, meninas e idosas diante de suas famílias, torturam e assassinam crianças na frente de seus pais, o que, entenda-se, nada é verdadeiramente novo, já que tudo isso foi exercitado antes: os franceses na Argélia, os britânicos na Índia, os norte-americanos no Vietnã, os italianos na Etiópia, os belgas em Ruanda ou os alemães na Namíbia — um muito sintético elenco dos genocídios perpetrados por potências coloniais num momento em que essas aberrações podiam ser mantidas mais ocultas.
O temido e previsível genocídio, que por tanto tempo se aguardou em el-Fasher, está acontecendo, segundo mostram as recentes imagens satelitais obtidas sobre el-Fasher, onde grandes manchas interpretadas como zonas incendiadas ou bombardeadas, enquanto se observam centenas de corpos no solo e uma descoloração avermelhada, aparecem no perímetro da cidade. Enquanto se sabe que também já se realizam execuções sumárias de civis sob a desculpa de terem sido surpreendidos tentando escapar e outros suspeitos de terem sido soldados e agentes do exército sudanês.
Algumas ONGs que analisam a situação comparam a violência executada na capital do Darfur do Norte com as primeiras 24 horas do genocídio de Ruanda (1994), no qual em apenas cem dias foram assassinadas um milhão de pessoas.
Sabe-se, nas últimas horas, que assim que os paramilitares entraram em el-Fasher, ocuparam um hospital de campanha doado pela Arábia Saudita e executaram, em seus próprios leitos, os quatrocentos e cinquenta pacientes ali atendidos, sem que se conheça o destino do pessoal médico.
As Forças de Apoio Rápido, legalizadas por Omar al-Bashir em 2013, dando-lhes patente militar para que pudessem operar com impunidade nos habituais levantamentos dos povos negros de Darfur, estão prestes a realizar um sonho talvez nunca antes pensado: a criação de um estado independente darfuri, justificando o genocídio previsível.
Por Guadi Calvo, no Línea Internacional




















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