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"Como Mao Tsé-tung estudava e investigava"

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info


Mao não foi um teórico de escritório, nem um acadêmico focado em pilhas de livros, e sim um homem de ação. Ele se destacou na história mundial não precisamente por seu trabalho científico, e sim como um gênio político e um exímio estrategista militar, que dirigiu vitoriosamente a luta do povo chinês para sua libertação e para o desenvolvimento econômico socialista, uma das proezas de maior significado na história contemporânea. O Mao político é, então, quem destaca sua figura. Mas Mao têm sido, ainda mais, um intelectual de sólida cultura e um estudioso e investigador, também exímio. E mais, poderia ser dito que se Mao pôde realizar tal proeza foi precisamente porque se guiou sempre, diante de cada problema, de acordo com o critério – que poderia se converter na síntese de seu perfil intelectual – de “quem não estuda e investigava não tem o direito de opinar”, frase que ele tem gostado de repetir em diversos artigos e de qual nunca se envergonhou de pronunciá-la, apesar dos diversos ataques que ele foi vítima por isso. (1)


Mas é por isso também que o pensamento de Mao, como veremos, não é apenas “uma corrente de opinião”; é algo mais. É uma teoria específica da sociedade e da revolução chinesa. Porque indiscutivelmente, Mao não foi apenas o principal dirigente da Revolução Chinesa, como também, seu principal teórico. Precisamente, o que será tentado expor neste estudo, será o que denominamos “o perfil intelectual e científico de Mao Tsé-Tung”. Trataremos de mostrar especialmente seu estilo de trabalho teórico e método de investigação. Porque a realidade é que Mao sabia como fazer Ciência empírica, e com isso quer dizer um estudo concreto da realidade concreta. E ele o fez com tamanha paixão pela verdade, com espirito revolucionário, com atitude de estudioso e com rigor analítico, que seus hábitos de trabalho, sua vocação científica e método de investigação constituem, em seu conjunto, um modelo de trabalho intelectual digno de ser emulado.


A exposição será dividida em duas partes. A primeira tratará de expor seus hábitos e forma de estudo, sua atitude em relação ao Marxismo, a ciência e a cultura, e de comunicar, ao mesmo tempo, o rigor que realizava seus estudos teóricos. A segunda parte pretende dissecar alguns traços do método de investigação científico, explícito ou implícito, em suas investigações.


Como Mao estudava


Mao afirmou que todo conhecimento surge da prática. Mas ele sabia que “em palavras escritas” é como o homem se comunica aos demais seus conhecimentos. Por isso considerou que “os comunistas devem ser um exemplo nos estudos” e insistiu aos militantes que fossem aos livros, na busca da sabedoria, embora deviam ir com atitude crítica e não como meros leitores passivos.(2) De fato, Mao foi um ávido leitor de livros e diários. Todos os seus biógrafos testemunharam sua grande paixão pelos livros, ou os definem como um “leitor voraz e incessante”. Sua paixão pelos livros foi adquirida em sua adolescência e juventude.


O Mao pré-marxista e o Mao marxista foram ambos estudiosos


Em efeito, desde que se alfabetizou, aos 8 anos de idade, ele leu 4 novelas, e a partir de então jamais parou. A leitura o atraía a tal ponto que, anos depois, deixou de assistir às aulas para ter mais tempo para ler. “Aos 19 anos não era nada, nem soldado nem estudante. Não obstante, tinha liberdade para ler o que quiser e sempre que quisesse”, conta Jerome Chen. “Vivia de pão e água e passava todo o dia na biblioteca provincial” (3) e segundo o próprio Mao, a biblioteca era para ele como “o pasto era para o boi”. (4) Ali passava os dias inteiros lendo livros e diversos periódicos. (5) Ali estudou A Riqueza das Nações, de Adam Smith, A Origem das Espécies de Darwin, Evolução e Ética de Huxley, Lógica de Mill, Estudo da Sociologia de Spencer, O Espírito das Leis de Montesquieu, O Contrato Social de Rousseau, Mitologia grega, Geografia e História mundial, e ainda, os periódicos.


A paixão de Mao pelo estudo foi favorecida pelo fato de que, nos momentos de sua juventude, na China desenvolveu-se o movimento revolucionário chamado “4 de Maio”, no qual buscava “a introdução da ciência e da democracia”, formando os aspectos mais construtivos do movimento. Os novos pensadores esperavam restringir mediante a democracia, os poderes dos que então haviam abusado, e confiavam racionalizar, mediante a ciência, a atitude para o conhecimento e faziam grande parte dos problemas nos quais enfrentavam. Os intelectuais confiavam que a publicidade de suas ideias melhoraria as perspectivas do futuro chinês. Acreditavam na onipotência da democracia e da ciência; os mesmos fizeram, sob sua influência, todos os jovens, entre os quais estava Mao Tsé-tung.(6)


De modo quando Mao, na idade de 20 anos, viajou a Pequim decidido a cursar Magistério, encontrou um ambiente propício, cheio de ideias que estimulavam sua mente e o obrigaria a pensar e investigar. Até então, o marxismo já havia entrado na China.


Seus primeiros conhecimentos com o movimento marxista o levaram a ler “História do Socialismo” de Kapupp, “Manifesto do Partido Comunista” de Marx e Engels, “Luta de Classes” de Kautsky, e “Do Socialismo Utópico ao Socialismo Científico” de Engels. Essas leituras deram seu último toque de conversão para o comunismo.


Quando se tornou marxista e dirigente, este hábito não enfraqueceu, pelo contrário. Mao nunca viu seu trabalho de dirigente e seu estudo como algo contraditório, mas complementar. Naturalmente, já não podia “passar o dia inteiro na biblioteca”. Seu trabalho político lhe exigia ordenar de outro modo seu horário de estudo, e assim ele o tem feito.


Jerome Chen conta que Mao “trabalhava e estudava bastante, e ia dormir de madrugada”. E Snow nos disse que normalmente Mao trabalhava de 13 a 14 horas. “Muitas vezes ia até a madrugada”. Conta também que em uma ocasião “já tinha passado duas da madrugada e eu estava exausto, mas não podia ver o menor sintoma de cansaço no rosto pálido de Mao, um rosto que parecia icterícia”.


Oito anos depois, no final de uma entrevista que durou das três da tarde até às três da madrugada, Gunther Stein escreveu: “Às três da madrugada, quando finalmente consegui me levantar para sair, com dor de cabeça, dor nos membros e nos olhos, ele (Mao) no entanto estava tão relaxado e animado, parecia tão lúcido em sua fala como na tarde do dia anterior”.


Snow supôs em 1936 que Mao trabalhava normalmente de 13 a 14 horas por dia, muitas vezes até a madrugada, se retirando frequentemente às 2 ou 3. Parece que tinha uma constituição de ferro. O guarda-costas de Mao, Chai Tsao-Chun, relata como foi escrito o famoso ensaio “Sobre a Guerra Prolongada”, em 1938. “Nos primeiros dias, Mao não dormiu absolutamente nada, trabalhando de forma contínua à luz de um par de velas e às vezes se esquecia até de comer. Quando estava cansado, refrescava seu rosto com um pedaço de flanela de algodão umedecido em água quente. No quinto dia, estava visivelmente mais magro, comia menos e estava com os olhos completamente vermelhos, porém continuava escrevendo. No sétimo dia estava tão submerso em seu trabalho que não se deu conta que o braseiro estava queimando seu sapato direito até que a chama fez um buraco e queimou um dedo de seu pé. Ele deu um pulo e começou a rir enquanto ele e sua escolta olhavam para o dedo: Como isso podia acontecer?, se perguntou. Beberam um pouco de vinho e continuou seu trabalho. Nada surpreendente podia ter sido feito no oitavo dia, pois sua cabeça doía terrivelmente e estava incapaz de comer ou dormir. Foi chamado um médico, no qual diagnosticou que a causa da indisposição de Mao era fatiga. Porém, o paciente seguiu trabalhando até o nono dia, no qual a obra finalmente foi finalizada. Ele a revisou antes de passá-la para Liu Shao-Chi, Chen Yun, Kang Sheng e Chen Wen-Tien para que ela fosse analisada”.


Lia com verdadeira voracidade. Snow recorda: “Em certa ocasião, quando minhas entrevistas noturnas com o propósito de documentar a história do comunismo, um visitante levou-lhe vários livros novos sobre filosofia. Mao me pediu para adiar nossas conversas. Consumiu aqueles livros em três ou quatro noites de intensa leitura durante as quais pareceu se esquecer de tudo o que acontecia ao seu redor. A leitura, um costume que se adquire na juventude, como no caso de Mao, lhe proporcionava uma excelente informação”.(8)


E Chen Shang Jeng, que era o seu tenente, disse que Mao começou a trabalhar depois de jantar rapidamente, e ele o fazia até altas horas da madrugada e logo se levantava tarde no outro dia para descansar. (9)


Este ritmo foi constante até em seu longo período de guerras, pois nunca deixou de levar consigo “documentos e livros em sua mochila”. (10) Só deixou o costume de deitar-se de madrugada em 1946, pois seu trabalho de estadista nas zonas liberadas exigia que estivesse acordado cedo.


Chen Chang Jeng relata que ao chegar em uma cidade ou vilarejo, a primeira coisa que Mao fazia era dirigir-se aos arquivos do inimigo, e conseguir jornais. Desde jovem Mao era aficionado pela leitura de jornais e tinha como prática colecionar artigos dos jornais. Mao tinha por hábito fazer anotações nas margens dos livros e fazer resumos, aos quais lhe agregava os pensamentos e raciocínios que lhe ocorrera como fruto dessa leitura. Lia participando, não como receptor passivo.


Para manter-se acordado, Mao usava diversos procedimentos: tomava chá, lavava o rosto com água quente, colocava os pés na água, e se sentava em uma cadeira dura. Desta maneira combatia o sono e o cansaço. (11)


Mao baseou seu estudo do marxismo nos clássicos


Apesar de que Mao se iniciou no marxismo através da leitura de periódicos e revistas, sua conversão ao comunismo e a obtenção de seus primeiros conhecimentos sólidos foram obtidos através do estudo das obras de Marx e Engels. (12)


Certamente a partir de então, nunca deixou de estudá-los, o mesmo com Lênin e Stálin. Foi a ele que precisamente pudera compreender tão profundamente o marxismo leninismo. Através de uma revisão da bibliografia que Mao cita no final de algumas de suas obras (13) e seguindo a pista do grande número de livros e artigos dos clássicos que cita, é evidente que não havia obra importante de filosofia, política e economia marxista leninista que não havia estudado. Até se tem referência de que pelo menos o Volume I de “O Capital” ele o leu cedo, e de que conhecia as fontes russas e alemãs que nutriram posteriormente o marxismo, como foram Kaulspas, Plekhanov, Dimitrov, etc. (14)


Porém, Mao não se contentava apenas com o estudo dos clássicos, mas seguia de perto o desenvolvimento do marxismo e não tinha obra importante que não conhecia. Se interessava continuamente pelas novas abordagens dos autores contemporâneos e do debate contínuo entre os marxistas. Estudava e conhecia Plekhanov, Kautsky, Bukharin, etc.; e inclusive, sua obra filosófica fundamental: “Sobre a contradição”, surge para esclarecer após uma abordagem própria, baseado nas notas de Lenin e Engels, este tema que estava sendo debatido entre os filósofos marxistas após as apreciações da chamada escola de Deborin. (15)


Mao e a avaliação da cultura geral


Não se pode ser marxista sem cultura geral, sem um conhecimento elemental. Mao sabia disso perfeitamente, pois como vimos, ele mesmo pode compreender o marxismo e chegou a ele após estudos inquietos das ciências sociais, da filosofia e da história. Mao estava tão convencido disto que fez o Comitê Central de seu Partido adotar uma resolução neste sentido: “O Comitê Central de nosso Partido exige agora especialmente que nossos quadros com um passado obreiro ou campesino adquiram uma instrução fundamental, pois assim poderão logo aprender qualquer matéria: política, ciência militar ou economia. Se não, por mais rica que seja sua experiência, nunca serão capazes de estudar a teoria”.(16)


Mao compreendia cabalmente que não se podia estudar o marxismo e chegar a dominá-lo, aprendendo apenas citações soltas, sem uma compreensão sistemática. Que assim como o marxismo havia surgido como uma síntese do pensamento de toda a produção intelectual acumulada, não podia ser entendido se não se tinha uma cultura elemental. Como Lenin e Marx, pensa que que não se pode haver teoria se não se compreende e estuda as ciências modernas. Por isso, nunca existiu para ele a contraposição entre o estudo de Marx e o estudo das ciências. (17)


Mao praticamente viveu 30 anos em luta armada pela revolução chinesa, a maior parte como dirigente. Mao também viveu na China, tradicionalmente de cultura atrasada e isolada; e apesar das limitações que estas duas circunstâncias impostas, é sabido que tinha conhecimentos de literatura chinesa e ocidental. Frequentemente em seus escritos se leem citações ou referências a Shakespeare, Tolstoi, Fedoseyev, As Fábulas de Esopo, Aristóteles, etc. Mao realmente não era muito bom em História Natural, Matemática e Física como muitos outros jovens de sua geração, pois ele se desenvolveu “em uma época que a agricultura, a medicina e às artes mecânicas estavam fora dos estudos acadêmicos, a indústria moderna ainda não tinha se desenvolvido e a investigação científica era particularmente impossível na China”. (18) Mas é sabido que Mao conhecia e lia pelo menos os representantes mais destacados das fontes burguesas da sociologia, da filosofia alemã e da economia clássica. Tinha estudado, como se sabe, Adam Smith e Spencer, Ricardo, Stuart Mill, Rousseau, Montesquieu, Hegel, Kant, Poulsen, Darwin, entre outros; a pesar de que não podia se afirmar que foi algum erudito, nem que seu conhecimento tinha a precisão de um acadêmico.


Mas, também, estudou com um interesse especial o idioma. “Por que devemos aprender o idioma e mais ainda estudá-lo com empenho?”, se perguntava, e em seguida respondia: “Porque o idioma não se domina facilmente, para dominá-lo tem de ser esforçado e persistente. Só assim pode-se chegar a dominar plenamente, e só assim poderá ser usada na propaganda, e expressar com clareza nossos juízos”. (19)


Mao estudava também e com um entusiasmo particular a arte e a literatura. Suas conversas com os artistas e escritores no fórum de Yenan mostram seu profundo domínio da teoria literária e, em especial, da crítica da arte, a qual é particularmente difícil, pois “requer muitos conhecimentos especiais”. (20)


Mao tinha um talento natural próprio e uma sensibilidade requintada como artista. Se revelou pela primeira vez como um escritor promissor sendo ainda um estudante (21), quando seus ensaios e composições eram colocadas em lugares visíveis para que os demais apreciassem a beleza de suas prosas, incluindo alguns críticos, que afirmavam que “sua força poética tinha garantido o triunfo da literatura chinesa contemporânea, com independência de sua proeminente situação na vida política”. (22-a)


Mao certamente não era um teórico de gabinete, nem um acadêmico de profissão, mas considerava que quem não tinha cultura era um ignorante, e um ignorante não pode ser um marxista, muito menos um dirigente. No máximo, seria o que ele define como “um revolucionário míope e limitado”. É o tipo de gente que Mao disse que “se entregam ao trabalho prático, porém não prestam atenção ao estudo da realidade objetiva, com frequência atuam levados somente pelo entusiasmo e substituem a política do Partido por sua própria posição”. “Há dois tipos -nos disse- que retratam o tipo de pessoa que ele mencionou”. Dizem assim:


-“Juncos na parede: cobertura abundante, caule débil, raiz superficial”.


-“Caule de bambu entre as pedras: língua afiada, casca grossa, interior oco...”


Por isso, ainda no meio da luta e da guerra, -sem entrar em contradição com sua vocação de dirigente proletário- Mao sabia como combinar sem dificuldades o estudo da mitologia grega com suas indagações da ciência militar, ou suas leituras de filosofia marxista.


Porém, Mao nunca se esqueceu que este estudo era apenas um quadro, no qual no centro dele colocava primeiramente sua função como teórico marxista e dirigente político; que estudava e obtinha conhecimentos universais para poder enquadrar o conhecimento de seu país e dirigir a luta revolucionária de seu povo. Por isso, Mao estudou especialmente na China, sua história, seu folclore, a idiossincrasia de seu povo, sua língua, suas fábulas, sua geografia e seus provérbios.


Mao estudava seu próprio país apaixonadamente


Como todo homem que alcança uma estatura universal, Mao concentrou seus esforços teóricos e práticos para compreender as dimensões culturais, históricas e sociais de seu próprio país. E ele conseguiu. O grande valor das teorias de Mao é precisamente por ele ter compreendido empiricamente as circunstâncias de sua luta, seu meio. Se estudou o marxismo e a cultura universal, foi porque só ali encontraria o conhecimento sólido e o método adequado para obter seu maior objetivo: conhecer a China, em todos os seus ângulos; conhecê-la para transformá-la.


“Integrar a verdade universal do marxismo-leninismo à prática concreta da revolução chinesa”. Nesta sua frase pode-se sintetizar o núcleo de sua atividade intelectual. E “quem tem essa atitude -nos disse- aplica a teoria e o método marxistas, ao estudo de seu próprio país”. (22-b)


Mao foi consistente com esse pensamento. Foi um profundo conhecedor da história e da geografia.


Mas ainda mais, Mao se interessou em conhecer de maneira detalhada e concreta a economia e a sociedade chinesas. Conhecia o pensamento confuciano e taoísta, e frequentemente expunha suas ideias através de citações, provérbios e fábulas populares chinesas. E assim como estudava a literatura universal, conhecia também as novelas populares de seu próprio país. Entre as novelas populares chinesas, cita frequentemente: “A Margem da Água”, “O Macaco”, “O Sonho da Câmara Vermelha”, “O Romance dos Três Reinos”, etc. É particularmente amante dos ensaios e contos satíricos de Lu Hein, aos quais os elogiava em numerosas ocasiões. (23)


Foi a partir deste estudo de seu país e de um esquema de revolução próprios, sobre tais pilares Mao alcançou a estatura de personalidade madura, que lhe permitiram enfrentar com êxito as influências estrangeiras e dogmáticas que a internacional começou a manifestar em sua política para a China e guiar, finalmente, com êxito crescente, a Revolução Chinesa. E se este era seu maior ideal, sua tarefa primordial teria de ser compreender e lutar para transformar a realidade. Para Mao, marxismo e prática revolucionária eram as duas faces da mesma moeda: a revolução.


Mao era, então, do princípio ao fim, um homem da ciência, que deslocou com uma clara posição revolucionária, seu objeto de estudo das condições específicas da revolução chinesa, e sua força intelectual que ele dedicou à prática política. Nele, então, ambas as coisas se convergiam: científico-político. E, em seu conjunto, talvez pode ser aí a chave de sua vitória; porque com seu estudo e investigação, adquiriu assim um profundo significado prático e revolucionário.


O método e estilo de exposição de Mao


Para Mao, o rigor e o cuidado que coloca nos detalhes para o conhecimento de algo, se extrapola também no processo de exposição. Mao possuía um estilo literário transparente, uma prosa particularmente clara, concisa, lógica e didática. Porém nunca pensou nisso, era um “simples dom natural”. Pelo contrário, na margem de suas possíveis condições específicas, ele considerou sempre que a preocupação de escrever de forma clara era uma preocupação ligada ao mesmo processo de conhecimento. Sempre se opôs ao que chamou de “o estilo clichê”, quer dizer dogmático, de exposição.


Considerava que ao expor um problema ou a solução do mesmo que chegamos, devemos fazê-lo de tal forma que transmita não apenas um conhecimento preciso sobre o tema, como também que exponha as bases objetivas, os feitos em que baseamos nossas conclusões e, se possível, o processo de raciocínio que nos induziu a rejeitar as demais opções possíveis; e como, finalmente, chegamos na solução proposta. Esta forma de proceder é, em si mesma, um mecanismo de auto verificação de nosso conhecimento. Incluindo, como já foi dito, Karl Marx utilizava as “monografias” para tratar de expor um problema e dar conta das coisas que não dominava bem e dos lugares nos quais encontrava dificuldades para expor, o qual lhe obrigava a continuar estudando.


A exposição é por assim dizer a parte final de uma investigação, onde, portanto, é preciso manter o mesmo rigor e o máximo de cuidado. Neste sentido, expor um problema ou sua solução, requer um conhecimento sobre o assunto previamente investigado. Por isso, Mao disse que “é irresponsável tomar uma pena e 'se forçar a escrever', sem investigação e estudo prévios”, pois não se deve “se forçar a escrever se não tem nada a dizer”. Porém, não se pode também proceder um problema, sua solução, se apenas investigamos ou observamos pouco. Ele nos disse que “os artigos refletem a realidade objetiva, mas como a realidade é intrincada e complexa, devemos estudá-la uma e outra vez antes que possamos refletir com propriedade, atuar com negligência sobre isso é ignorar as noções mais elementares da arte de escrever”. (24)


Em segundo lugar, é preciso ao expor um problema nos esforçar ao máximo para utilizar os termos e conceitos num sentido preciso. Mao nos disse que é necessário ter, para ele, um claro domínio da linguagem (o idioma), e os conceitos fundamentais da ciência marxista.


Nos recomenda que “não invente qualificativos ou outras coisas parecidas que ninguém entende”. Expor com clareza e precisão é um reflexo direto do que conhecemos com precisão e especificamente o problema proposto. Não há nada que reflete mais o desconhecimento que esse acúmulo de palavras vagas, gerais e imprecisas, cheias de qualificativos em que muitas vezes esconde a falta de conhecimento verdadeiro.


Mas se conhecemos um problema, não apenas é possível expô-lo clara e precisamente, senão também concisamente. Para Mao é imperdoável a “faladeira vazia” (25) que se encontra nos artigos muito grandes e insubstanciais. Por isso, recomenda que: “Leia seu escrito pelo menos duas vezes depois de ter terminado, e tente suprimir o máximo possível sem nenhuma piedade as palavras, frases e parágrafos supérfluos. É preferível condensar em um relato o material para uma novela a esticar o material de um relato para escrever uma novela”; e ainda mais “em minha opinião, se tratando de um artigo importante, é conveniente lê-lo mais de dez vezes, revisando-o conscientemente antes que o publique”. (26)


Porque a ciência não apenas exige traçar normas e métodos para garantir a objetividade e eliminar a maior fonte possível de erro no processo de investigação, mas ao mesmo tempo exige dos chamados “requisitos formais” na exposição das teorias e teses que chegaram; requisitos que podem sintetizar na utilização de uma linguagem precisa, conceitos idênticos a si mesmos e ausência de contradições lógicas.


Porém Mao esclarece: “o que nós nos opomos é o estilo de clichê que se manifesta nos artigos longos e vazios, mas isso não quer dizer que tudo deve ser curto para ser bom.” “Se os artigos longos e vazios não são bons, o que dizer dos curtos e insubstanciais? Também não são bons. Devemos terminar com toda verbosidade”. “Os artigos sem conteúdo são os menos justificáveis e os mais condenáveis. O mesmo pode ser dito dos discursos; devemos acabar com toda classe de retórica difusa e sem substância”. (27)


Talvez se deva ao fato desse rigoroso método de expor que Mao tenha esse dom incomum de escrever de maneira tridimensional, em que convergem clareza, precisão e concisão, que refletem em seus ensaios.


Essa precisão, concisão, nitidez e clareza que exige Mao é imprescindível para poder expor com rigor conceitual e sem contradições lógicas os achados do verdadeiro conhecimento. O método de exposição, neste sentido, é um complemento indispensável, uma parte do método de investigação.


Extraído do livro “Como estudavam e investigavam Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao” de M. Glasser e Ismael Ortiz Venet


NOTAS


(1) - Essa frase da Mao se encontra em vários trabalhos e conferências.

(2) - Cfs. Mao. “Corrijamos o estilo de trabalho no partido”. O.E. volume III, pág. 36 Edições em línguas estrangeiras, Pequim, 1971.

(3) - Cfs. Jerone Chen “Mao e a revolução chinesa”. Oikos - Tau S.A edições, Espanha, 1967, pág 50.

(4) - Idem.

(5) - Essa fascinação pela leitura de jornais e revistas foi uma paixão em Mao desde jovem. É sabido que chegou a ser, inclusive, presidente da Associação de Leitores de Jornais, que fundaram um grupo de jovens na China. Ver J. Chen. Obra. Ver também o livro de Chong Feng.

(6) - Cfs. Jerone Chen.

(7) - Idem.

(8) - E. Snow “Red Star Over China”, 1937, Cit em Idem. Pág 335-336.

(9) - Chen Chong Feng “Na grande marcha com o presidente Mao”. Edições em línguas estrangeiras. Pequim, 1960, pág 10.

(10) - Idem.

(11) - Idem.

(12) - Já fizemos menção mais acima sobre este contato cedo e direto de Mao com os clássicos marxista-leninistas.

(13) - Ainda que esta bibliografia citada por Mao não dá o registro exato de suas leituras, pelo menos é o único indicador que dá uma ideia de seu nível de formação.

(14) - Ver Jerone Chen “Mao e a Revolução Chinesa”.

(15) - Cfs. “Sobre a contradição”. Obras escolhidas, volume 1. Pág 33. Edição citada.

(16) - Cfs. Mao “Corrijamos o estilo de trabalho do partido”. O. E. volume 111, pág 38.

(17) - Acima é evidente o reconhecimento de não contrapor a estes conhecimentos. Ao respeito de Chen expressa de Mao que “é plenamente consciente do valor da ciência ainda quando seja pouco conhecedor delas”.

(18) - Jerome Chen. “Mao”.

(19) - Mao Tsé-Tung. O. E. volume 111.

(20) - Cfs. Mao. “Intervenções no fórum de Yenan sobre arte e literatura”. Pág 82, volume 111. Obras Escolhidas.

(21) - Ver Jerome Chen, pág 40.

(22).a - Michael Bullock e Jerome Chen, pág 350.

(22).b - Esta foi sua preparação constante. Já quando estudava na escola secundária na escola de professores, Mao “ocupou o posto de diretor e chefe adjunto de investigações”. (Ver Jerome Chen, pág 68). Essa tendência é visível em grande parte de suas principais obras. “Análise de classes da sociedade chinesa”, volume 1, prólogo e epílogo das investigações rurais. Volume 3, pág 7, “Reformemos nosso estúdio”, volume 3, etc.

(23) - Jerome Chen, O. C.

(24) - Mao. “Contra o estilo clichê no Partido”.

(25) - Idem.

(26) - Idem.

(27) - Idem.

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