"Lumumba: uma vida dedicada ao povo"
- NOVACULTURA.info
- 4 de jul.
- 11 min de leitura

“Não há compromisso entre liberdade e escravidão”, disse Patrice Emery Lumumba, que sacrificou sua vida para trazer liberdade real ao seu povo. Aqueles que consideram a liberdade como sua prerrogativa exclusiva o assassinaram na tentativa de sufocar o nacionalismo congolês.
“A África escreverá sua própria história, e tanto no Norte como no Sul será uma história de glória e dignidade”, escreveu Lumumba poucos dias antes de sua morte. O Congo já possui sua própria história, mas, até agora, é apenas uma história de luta, uma história de um período de transição. A história de glória e dignidade da qual Lumumba falou ainda virá.
Lumumba personificava o povo congolês. Escolheu o caminho do sofrimento, da tortura e, por fim, da morte, em vez de se tornar escravo dos imperialistas. Ele estava firme e profundamente convencido de que, mais cedo ou mais tarde, seu país seria completamente independente. Como seu líder, o povo congolês prefere suportar todo tipo de sofrimento a ver sua liberdade mutilada e pisoteada por aqueles que, por mais de 80 anos de domínio colonial, os mantiveram em tal pobreza e servidão que eles mesmos se envergonham disso.
O povo congolês continua sua luta por verdadeira independência.
LUMUMBA E O POVO CONGOLÊS
O movimento de libertação do Congo teve características próprias. No início, quando verdadeiros nacionalistas liderados por Lumumba exigiram independência completa, alguns líderes políticos, em conluio com círculos colonialistas, clamaram pela criação de uma comunidade com a Bélgica. Sem rodeios, isso significava a manutenção pura e simples do domínio colonial no Congo. Um homem compreendeu antes e melhor do que qualquer outro líder político o que precisava ser feito para levar o movimento de libertação nacional à vitória. Seu nome era Patrice Emery Lumumba, e sua principal preocupação era tornar seu povo consciente de si mesmo enquanto nação.
Ele foi o primeiro líder congolês a entrar em contato com o povo, discutir com ele os problemas do país e levar em conta sua vontade. Em 1958, quando retornou de Accra, organizou um comício na Praça da Vitória, em Leopoldville. Mais de 15 mil homens, mulheres, jovens e idosos acorreram para ouvi-lo. Foi a primeira vez na história do Congo que o povo respondeu a um chamado de um compatriota. Até então, haviam sido ensinados a obedecer apenas às ordens do homem branco.
O sucesso do comício superou todas as expectativas. Eu estava lá. Com outros líderes políticos congoleses ao seu lado, Lumumba falou sobre a Conferência de Accra de maneira clara e simples. O povo o ouviu em silêncio e com atenção.
Confiante em si mesmo e falando espontaneamente, ele contou ao povo sobre as dificuldades no caminho da independência. Enfatizou repetidamente a necessidade de unidade e consciência nacional. “Não somos diferentes de nenhum outro habitante do mundo. O Congo é nosso país. Devemos ser os senhores em nossa própria casa. Então, comecemos hoje a luta por nossos direitos. Vamos nos unir e avançar rumo à independência”, disse ele.
A palavra “independência” tocou fundo no coração das pessoas. Naquele momento, Lumumba estabeleceu contato direto com seus ouvintes. Ele havia tocado seus anseios mais profundos. O povo viu que ele era o homem que poderia levá-los à liberdade. Por sua vez, Lumumba sentiu a resposta de seu público.
Ele continuou: “Os colonialistas procuram nos dividir para continuar a nos dominar. Vamos provar nossa maturidade. Vamos viver como irmãos. A independência é nosso direito de nascimento. Não precisamos que ninguém a nos conceda, pois este país nos pertence. Se os colonialistas optarem por ignorar nossas justas demandas, faremos de tudo para arrancar deles nossa independência.” A multidão respondeu com gritos de “Independência! Viva Lumumba! Independência!”
Enquanto o povo expressava seu apoio sincero às palavras de Lumumba, os poucos belgas presentes na praça se contorciam de raiva. Um funcionário belga ao meu lado ficou roxo de fúria. Enquanto isso, Lumumba continuava falando sobre a independência nacional e a luta para alcançá-la. Seguindo o costume congolês, o orador e seus ouvintes iniciaram um diálogo. “Vocês querem ser os donos de seu país?”, perguntou Lumumba. “Sim”, responderam em coro. “E o que é necessário para isso?”, continuou. “Independência!”, responderam novamente. Essa reunião, convocada por congoleses para congoleses, terminou em clima de júbilo. Lumumba foi o primeiro homem a despertar a consciência nacional do povo, o que mudaria o futuro dessa velha colônia belga.
LUMUMBA E A VIDA POLÍTICA DO CONGO
Naturalmente, o sucesso desse comício organizado por Lumumba exigia a continuidade do trabalho político entre o povo. Lumumba não pretendia enfrentar essa tarefa sozinho. Ele apelou aos líderes políticos congoleses para que se unissem em um único bloco político com a independência como objetivo comum. Deu à sua organização política o significativo nome de Movimento Nacional Congolês (MNC), sublinhando assim a aspiração à unidade. A maioria dos líderes políticos respondeu favoravelmente ao apelo de Lumumba.
Os colonialistas acompanharam atentamente os acontecimentos. Sentindo a ameaça à sua política, recorreram imediatamente à corrupção. Grandes somas de dinheiro passaram às mãos de alguns líderes políticos com o entendimento de que se separariam de Lumumba e se oporiam aos seus esforços.
A partir de seus próprios e modestos recursos, Lumumba percorreu o país e fundou seções do Movimento Nacional Congolês, que crescia em popularidade. A influência crescente do MNC, em grande parte graças aos esforços de Lumumba, impulsionou o desenvolvimento do movimento de libertação nacional no Congo.
Na Província Oriental, o apoio ao MNC era tão esmagador que seções foram criadas até mesmo em aldeias com apenas vinte habitantes. Lumumba percorreu pessoalmente essas aldeias, conversando com o povo. Conhecia diversos dialetos congoleses e não tinha dificuldade em se comunicar. Tornou-se a figura mais popular do país.
Nos jovens Estados africanos, a atividade política exige dotes excepcionais, sobretudo qualidades espirituais elevadas. O povo amava Lumumba porque sabia que ele compartilhava de seus anseios. Lumumba compreendia que fazer política significava trabalhar com e entre o povo. Abandonou um emprego bem remunerado e se dedicou inteiramente à política. Suas viagens pelo país o levaram aos recantos mais remotos. Ele apelava ao povo e o povo respondia. Compartilhava o destino infeliz da nação congolesa e compreendia seus sofrimentos; o apoio que recebia do povo o incentivava a lutar por mudanças radicais.
Durante toda sua trajetória como líder político, Lumumba pregou o amor fraterno entre todos os congoleses. E praticava o que pregava. Quando Kasavubu foi preso após os acontecimentos de 4 de janeiro de 1959, em Leopoldville, Lumumba tomou providências para conseguir sua libertação.
Ele buscava formas de formar uma aliança com todos os líderes congoleses para dar início a uma ofensiva geral contra os colonialistas. Apesar das dificuldades, dirigia-se ao povo e dizia: “Vamos continuar a luta. Vamos estar solidamente ao lado de nossos irmãos que foram presos pelos colonialistas na tentativa de nos dividir.”
LUMUMBA DIRIGE A LUTA NACIONAL PELA INDEPENDÊNCIA IMEDIATA
A situação política do país se agravou após as prisões decorrentes da manifestação em Leopoldville, em 4 de janeiro de 1959. Os acontecimentos no Congo forçaram o governo belga a realizar uma reforma política e administrativa.
Essa reforma foi anunciada em uma declaração do rei e do governo da Bélgica em 13 de janeiro de 1959. Ela mencionava a independência.
A publicação dessa declaração provocou uma nova onda de luta pela independência nacional. O desenvolvimento da luta de libertação dependia da posição adotada pelos líderes congoleses. Nessa conjuntura, a posição de Lumumba atraiu atenção em todo o país — e, em particular, dos líderes políticos belgas.
Lumumba propôs a convocação de uma mesa-redonda entre líderes belgas e congoleses para definir os caminhos rumo à independência imediata do Congo. Os colonialistas rejeitaram seu plano, recusando-se a dialogar com os líderes congoleses que consideravam “não representativos”.
A proposta de mesa-redonda teve apoio amplo em Leopoldville e outras grandes cidades do Congo. As propostas de Lumumba foram aprovadas por todos os líderes nacionalistas. Nesse momento decisivo da luta pela independência, Lumumba fez todo o possível para unir os esforços dos líderes políticos. Por sua iniciativa, representantes dos partidos políticos congoleses se reuniram diversas vezes para elaborar uma política comum. Lumumba, naturalmente, desempenhou um papel importante nesses encontros e influenciou significativamente as decisões tomadas.
Quando as autoridades belgas se recusaram terminantemente a se reunir com os líderes congoleses, que ainda consideravam “não representativos”, Lumumba convocou o povo às ruas para demonstrar pacificamente sua aspiração à liberdade.
Em 1959, ele organizou dois congressos. No primeiro, reuniram-se os dirigentes do MNC; no segundo, todos os partidos nacionalistas chegaram a um plano de ação conjunto.
O congresso do MNC ocorreu num momento em que era evidente que os colonialistas tentariam provocar distúrbios. Enquanto o congresso se realizava no grande salão da Comuna Mangobo, em Stanleyville, soldados e gendarmes comandados por oficiais belgas patrulhavam as ruas ao redor. A presença dos soldados em nada esfriou os ânimos, mas Lumumba conseguiu evitar o agravamento da situação. Apelava constantemente à calma da população e a advertia contra os provocadores. O congresso aprovou resoluções exigindo independência imediata, africanização dos quadros e uma reunião urgente entre líderes congoleses e belgas.
Lumumba mal dormia durante os dias do congresso. Após as sessões, podia ser visto nos escritórios da secretaria, datilografando e ajudando em diversas tarefas. Recebia delegações, discutia problemas com os delegados e visitantes, redigia declarações para a imprensa e realizava coletivas.
Naquele período, havia tensão entre a população civil e as tropas comandadas por oficiais belgas. Essa tensão chegou ao ponto máximo quando teve início o congresso dos partidos nacionalistas. Lumumba foi até Leroy, governador da Província Oriental, e o advertiu de que o comportamento do exército, pronto a atirar na multidão, poderia ter consequências graves.
Por sugestão de Lumumba, o congresso enviou um telegrama ao governo belga exigindo que as autoridades coloniais organizassem imediatamente um encontro com os líderes congoleses. O governo belga respondeu dizendo que não tinha qualquer intenção de discutir o futuro do Congo com os líderes congoleses. A resposta chegou à noite. O congresso esperava algo mais favorável. Após a leitura do telegrama, Lumumba disse: “Proponho romper com a Bélgica”, e os delegados aprovaram a proposta unanimemente.
Os oficiais belgas, que observavam o congresso pelas janelas, invadiram o local e lançaram bombas de gás lacrimogêneo. Lumumba, com coragem, foi até eles e ordenou que saíssem do salão. Foi a primeira vez na história da colônia belga que oficiais brancos foram obrigados a obedecer a um africano.
O comportamento corajoso de Lumumba conquistou a calorosa aprovação da multidão do lado de fora. Mais e mais pessoas se aglomeravam nas ruas. Diante das ações provocadoras das tropas, o povo de Stanleyville se armou com lanças, arcos, flechas, facas e outras armas. A situação tornava-se crítica. Os oficiais belgas perderam totalmente o controle e começaram a atirar na multidão, depois que os soldados congoleses se recusaram a atirar em seus irmãos. Quando o primeiro congolês caiu, atingido por balas dos oficiais, Lumumba correu até ele, o levantou nos braços e chorou. A cena de Lumumba chorando sob o fogo das balas comoveu o povo, que respondeu ao ataque dos belgas. Alguns oficiais tombaram, com o coração atravessado por flechas. Lumumba desejava evitar mais derramamento de sangue e, no meio da confusão, pediu calma ao povo. Eles obedeceram e se dispersaram, deixando a rua para os soldados.
Distúrbios voltaram a eclodir naquela noite. Lumumba estava em outra parte da cidade e, quando chegou ao local dos conflitos, já era tarde demais. Havia corpos de soldados e civis, negros e brancos, espalhados pela estrada. As autoridades decretaram repressão implacável. No dia seguinte, foi emitido um mandado de prisão contra Lumumba.
A notícia da prisão de Lumumba se espalhou como fogo em Leopoldville, capital do Congo. Os colonialistas procuravam desesperadamente apoio entre os líderes congoleses, mas encontravam muito pouco. Os comícios organizados pelo MNC reuniam grandes multidões. Resoluções em apoio a Lumumba eram enviadas a Bruxelas. Delegações de vários setores da população foram às autoridades belgas exigir a libertação imediata de Lumumba.
A situação política piorava a cada dia. Aproximavam-se as eleições para os órgãos locais de poder, marcadas para o fim de 1959. Os partidos nacionalistas decidiram boicotar essas eleições. Mesmo na prisão, Lumumba continuava a dirigir os trabalhos de seus partidários, e suas cartas chegavam aos destinos apesar da vigilância. Naturalmente, ele contava com a ajuda das tropas congolesas. Curiosamente, apesar das medidas rígidas tomadas pelas autoridades coloniais, quase todos esses soldados eram membros do MNC e tinham carteiras do partido.
LUMUMBA E A CONFERÊNCIA DE MESA-REDONDA EM BRUXELAS
Em janeiro de 1960, o governo belga convocou uma conferência de mesa-redonda em Bruxelas. Participaram líderes congoleses e representantes belgas. No momento em que a conferência foi aberta, Lumumba foi transferido de Stanleyville para uma prisão em Jadotville, notória como câmara de tortura. Estava descalço, algemado e com marcas de espancamentos. Havia sido maltratado durante o trajeto.
A conferência foi aberta sem Lumumba, mas seus representantes estavam presentes. As sessões se arrastaram por vários dias sem que se chegasse a qualquer acordo. Os líderes congoleses deixaram claro às autoridades belgas que a conferência fracassaria se as repressões contra os congoleses não fossem suspensas e Lumumba não fosse autorizado a comparecer. Essa exigência foi finalmente atendida.
Em Bruxelas, Lumumba foi recebido pela maioria dos líderes congoleses e por jornalistas. Mostrou-lhes seus ferimentos. Em declaração à imprensa, apelou a belgas e congoleses para que chegassem a um acordo sobre a conquista da independência o mais rapidamente possível.
Sua presença clareou a atmosfera da conferência. Teve papel particularmente marcante na definição da data de proclamação da independência. Na conferência, expôs publicamente as manobras de alguns grupos financeiros belgas que procuravam dividir os congoleses e, assim, fragmentar o país. Chegou a se retirar da conferência, retornando apenas quando o advogado de Tshombe, um belga chamado Humblet, foi excluído das sessões. Ele percebeu que o objetivo era legalizar a secessão de Katanga e chamou a atenção para esse perigo. Os demais líderes congoleses apoiaram sua posição e condenaram as atividades de Tshombe, que, diante do descontentamento geral, foi forçado a assegurar que nunca havia defendido a secessão de Katanga. Mas os acontecimentos posteriores mostraram que isso era mentira.
Durante a conferência de mesa-redonda, por sugestão de Lumumba, foi criado um Conselho Executivo, com membros congoleses, ligado ao governador-geral do Congo. Em princípio, esse conselho tinha como missão auxiliar nos preparativos para a proclamação da independência e para as eleições parlamentares.
No retorno ao Congo, os líderes nacionais foram recebidos com entusiasmo pelo povo. Os congoleses estavam orgulhosos do êxito de seus representantes. A campanha eleitoral começou. Lumumba venceu a eleição em abril de 1960. Os colonialistas não aceitaram bem esse resultado e fizeram todo o possível para impedi-lo de chegar ao poder. Mas se depararam com a determinação do povo e com a realidade do Congo. Apesar de todas as intrigas, Lumumba tornou-se primeiro-ministro da República do Congo. Seu vice foi Antoine Gizenga, que mais tarde continuaria sua luta.
LUMUMBA E A INDEPENDÊNCIA DO CONGO
As conspirações dos colonialistas, que visavam conceder ao país apenas uma independência formal, haviam sido denunciadas por Lumumba muito antes do dia 30 de junho de 1960 — data da proclamação da independência da República do Congo. Ele dirigiu-se ao povo, explicando a situação política e promovendo a unidade. Comícios foram realizados em todo o país. Lumumba obteve um acordo básico entre os partidos nacionalistas quanto à unidade de ação. Esses partidos posteriormente formaram o bloco de Lumumba, ou bloco nacionalista.
No dia 30 de junho de 1960, enquanto o povo congolês celebrava sua independência, os belgas já sonhavam com a retomada do controle do país. Mas, apesar de todas as suas intrigas contra Lumumba, ele permaneceu no poder até o momento mais sombrio de sua carreira política.
Seis dias após a proclamação da independência, o povo do Congo foi lançado numa crise provocada pelos colonialistas. Todos sabem que crise foi essa. Naqueles dias — e até o último minuto de sua vida — Lumumba demonstrou ser um grande líder, guiando o destino de seu povo, a quem sempre serviu com devoção.
A vida de Lumumba foi uma luta contínua pelos interesses do Congo. Com o apoio do povo, tornou-se chefe de governo e líder do movimento de libertação nacional no país. Hoje, mesmo após sua morte, seu povo lembra dele, de sua causa e de sua vida.
Temos confiança de que a causa justa pela qual tantos filhos do Congo deram suas vidas triunfará, em definitivo.
por Jean Bulabemba, jornalista congolês
Patrice Lumumba: Fighter for Africa’s Freedom, Moscow, Progress Publishers, 1961, pp 80-90.
Comments