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"Etiópia sob a adaga egípcia"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • 24 de jul.
  • 5 min de leitura
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O eixo da tensão internacional parece estar se deslocando para o quadrante que compõe o Chifre da África — ao qual devemos somar o Sudão, a bacia do mar Vermelho, onde os mísseis houthis controlam o tráfego de entrada e saída do golfo de Áden e do sul da península Arábica. Nesse tabuleiro, também movem suas peças: China, Rússia, Estados Unidos, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos (EAU), Egito, Israel, Irã, Turquia e até a Índia.

 

Esse complexo mosaico de tensões, que se retroalimentam, é agravado pela perigosa aproximação de dois inimigos históricos: a Eritreia e um setor importante da Frente de Libertação Popular do Tigray (TPLF), que, pressionados pela realpolitik, parecem estar forjando uma aliança contra a Etiópia, incentivada pelo Egito.

 

A TPLF, organização separatista que travou, entre 2020 e 2022, uma guerra civil que deixou cerca de um milhão de mortos — além de vastas áreas da região rebelde devastadas e muitas contas a acertar com Adis Abeba e o primeiro-ministro Abiy Ahmed.

 

A ingerência egípcia neste contexto baseia-se fundamentalmente na entrada em operação da Grande Represa do Renascimento Etíope (GERD, na sigla em inglês), que provocou uma redução significativa no fluxo hídrico do rio Nilo — o que, como qualquer um pode entender, é uma adaga cravada no coração da exausta economia egípcia.

 

Desde então, o objetivo do Cairo tem sido balcanizar a Etiópia — tarefa não tão difícil, dado o caráter federal da milenar Abissínia, dividida em uma dúzia de regiões (ou kilil), cada uma com forte identidade cultural e forças militares próprias.

 

Esse fenômeno foi o que permitiu ao Tigray, por exemplo, manter à distância, por quase um ano e meio, o exército federal — ao qual se haviam somado forças do exército eritreu, segundo se informa, responsáveis pelos episódios mais sangrentos daquela guerra.

 

Com cerca de 130 milhões de habitantes — o que a torna o segundo país mais populoso do continente — a Etiópia também possui uma das economias mais dinâmicas da África, em parte graças aos investimentos chineses e aos benefícios proporcionados pela GERD, uma entre tantas iniciativas financiadas por Pequim, que também construiu milhares de quilômetros de rodovias e ferrovias no país.

 

Para a China, a Etiópia é peça fundamental no desenvolvimento da Nova Rota da Seda, que, em sua versão africana, está presente em 52 dos 54 países do continente.

 

Além disso, Adis Abeba tem conseguido manter um equilíbrio proveitoso nas relações com tanto Moscou quanto Washington — com quem projeta, junto ao governo de Donald Trump, a chegada iminente de investimentos no setor da mineração.

 

Embora a Etiópia ainda não tenha alcançado o poderio militar do Egito — beneficiado desde os tempos de Anwar el-Sadat, após trair o ideário nasserista em troca de créditos de Washington para um suprimento constante de armamentos —, o país tenta ocupar o espaço deixado pelo Sudão, distraído com sua guerra civil, como potência regional.

 

Sua reaproximação com Mogadíscio, após anos de tensões — com quem colabora na guerra contra o grupo fundamentalista al-Shabaab — permitirá à Etiópia pôr fim ao seu estado mediterrânico e finalmente ter acesso a um porto no golfo de Áden, vital para sua expansão econômica.

 

Se a Etiópia concretizar seus planos de desenvolvimento — em particular a aliança mineradora com os Estados Unidos — afastará definitivamente a ingerência egípcia da região. Enquanto isso, a crise econômica que assola o Egito restringe o poder de ação do presidente Abdel-Fattah al-Sissi, que desde sua ostentosa ascensão ao poder, em 2013, se ajoelhou perante Riad e Abu Dhabi — que também têm fortes interesses econômicos e políticos, por vezes conflitantes, em todo esse quadrante.

 

Assim, se o Cairo não quiser perder completamente sua autonomia e se tornar um país de segunda categoria na região, precisará conter o avanço da Etiópia e da GERD — e inverter a posição dessa adaga.

 

Para isso, restam poucas opções diplomáticas — motivo pelo qual cresce o interesse em avançar com a opção oferecida pela insurgência separatista da TPLF e sua nova aliança com a Eritreia, com o objetivo de redirecionar a adaga.

 

A parte do leão

 

Os planos de balcanização da Etiópia pelo rais al-Sissi poderiam atrair Donald Trump, já que perturbariam a presença da China — já afetada pela guerra sudanesa e pela complicada situação no Sahel, onde seus principais aliados (Níger, Mali e Burkina Faso) enfrentam as consequências de suas políticas antiocidentais, com o aumento do “misterioso” apoio às khatibas da al-Qaeda e do Daesh, que, há mais de um ano, ressurgiram com mais força do que nunca, golpeando indistintamente, como se seus recursos fossem infinitos.

 

Trump, sem dúvida, deve estar considerando a opção oferecida pelo Egito, já que um conflito entre Cairo e Adis Abeba repercutiria no interior dos BRICS — grupo ao qual ambos os países acabaram de se juntar, junto com os Emirados Árabes Unidos e os sauditas.

 

Os BRICS – Trump compreende – podem se tornar um pesadelo econômico para os Estados Unidos e, caso não possam ser controlados, poderiam destronar o dólar como moeda universal.

 

Enquanto esses acordos e desacordos de recursos financeiros movimentam milhares e milhares de milhões de dólares, yuans ou rublos de um lugar a outro, nas miseráveis periferias de Mekelle, capital do Tigray, a situação é insustentável.

 

A crise deixada pela guerra gerou uma cisão interna na Frente de Libertação Popular do Tigray (TPLF) — fenômeno que não se manifestou de forma tão evidente nem mesmo nos momentos mais violentos da guerra civil.

 

De um lado, está a antiga direção política da TPLF, liderada por Gebremichael Debretsion; de outro, o governo de transição, a Administração Regional Provisória do Tigray (TIRA), liderada por seu presidente (governador) Getachew Reda — antigo vice-presidente da TPLF e líder da delegação nas conversas de paz com o governo etíope, realizadas em Pretória.

 

A desordem política soma ainda mais confusão à população: as disputas internas na TPLF fizeram com que cada setor considerasse o outro ilegítimo. Em setembro passado, o setor da TPLF liderado por Reda — de certa forma alinhado com Adis Abeba — expulsou Getachew e mais de uma dúzia de dirigentes.

 

Isso coloca em risco a continuidade da TPLF, já que a comissão eleitoral regional exige que a organização realize um congresso para se reorganizar até fevereiro do próximo ano — sob pena de perder seu status legal. O que, imediatamente, desencadearia um conflito ainda maior.

 

Enquanto isso, o governo central adia a retirada das milícias armadas que permanecem no Tigray — tanto da região de Amhara quanto do exército eritreu —, assim como o retorno de um milhão de deslocados pela guerra.

 

No Tigray, dois anos e meio após o fim da guerra civil, o constante aumento dos preços tem forçado famílias a esvaziar suas contas bancárias para comprar alimentos e garantir ao menos a subsistência. Enquanto o custo do transporte público e dos serviços disparou, muitos postos de gasolina foram obrigados a fechar por falta de combustível — que, mesmo após ter seu preço aumentado em 200%, é desviado para o mercado negro, onde os lucros são ainda maiores.

 

Para muitos moradores, a inflação descontrolada no Tigray só pode levar a um destino: o estouro de uma nova guerra. Ainda mais quando, em diversas áreas da região, já ocorreram confrontos armados entre diferentes facções da TPLF.

 

A fome e o medo de uma nova escalada voltam a assombrar os cerca de dez milhões de tigrinianos que, durante os dois anos de guerra, viram suas vidas serem devastadas. Pouco — muito pouco — da engenharia financeira destinada à região é revertida em benefício dos famintos. Quem leva a parte do leão, como sempre, é outro.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

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