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Mais um tratado desigual de pilhagem imperialista

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info

Na calada da noite, quando grande parte do país concentra suas atenções para a farsa eleitoral de 2018 – primeiras eleições gerais pós-Golpe de Estado de 2016 –, o entreguista Aloysio Nunes (à frente da chanceleria do governo golpista de Temer) anuncia para o “mundo” (com muitas aspas, sim!) que está por ser assinado mais um tratado de pilhagem dos países do MERCOSUL (Brasil, Paraguai, Uruguai e Argentina) pelo imperialismo estrangeiro, dessa vez encabeçado pelos países da União Europeia. Dadas as grandes assimetrias existentes neste próprio bloco, falar em “União Europeia” implica falarmos principalmente nas duas grandes potências imperialistas do Velho Mundo: Alemanha e França. Trata-se, portanto, da pilhagem dos países do MERCOSUL pela Alemanha e França. Mas no MERCOSUL, também, apenas o Brasil concentra 75% do PIB conjunto dos quatro países que compõem o bloco. Logo, certamente seria o Brasil a principal vítima da pilhagem imperialista promovida pela UE também contra a Argentina, Paraguai e Uruguai. [1]

Mas o que tem ocorrido? Há cerca de vinte anos, as classes dominantes dos quatro países-membro e seus representantes do MERCOSUL discutem com os imperialistas da União Europeia a assinatura de um “tratado de livre comércio” que, caso aplicado, consolidaria na prática uma aliança dos grandes senhores de terras, agronegocistas (comerciantes e atravessadores da produção agrícolas, estrangeiros e domésticos) e magnatas da mineração com os conglomerados industrial-financeiros da UE. [2] Por qual motivo? O tal “acordo de livre comércio” [3] implicaria em eliminar completamente as atuais tarifas de importação de, em média, 35% para os produtos manufaturados da União Europeia. Em troca da inundação dos mercados da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai por mercadorias europeias, fazendeiros, mineradoras e atravessadores/comerciantes do MERCOSUL teriam livre acesso (e, por conseguinte, maiores lucros para torrar no consumo de luxo) ao mercado consumidor europeu de matérias-primas, produtos agrícolas ou, na melhor das hipóteses, produtos intermediários como o aço semielaborado. Isso significaria uma verdadeira festeira não só das oligarquias agrárias como também das próprias corporações europeias que controlam parte significativa da comercialização da produção rural e mineral destes países. [4]

As consequências do ponto de vista do proletariado e da industrialização

A integração comercial do MERCOSUL com a União Europeia é um acordo de “livre integração” das sardinhas com o tubarão. O próprio senso comum nem tornaria tal ponto digno de maiores comentários, mas podemos pincelar alguns pontos. Após anos de pilhagem pelos centros financeiros do imperialismo como FMI e Banco Mundial, a economia argentina já se desindustrializou completamente e encontra-se em frangalhos particularmente após a ascensão do entreguista Macri. No caso do Paraguai, fora as maquiladoras e as incipientes fábricas alimentícias, têxteis e de tabaco, dedicadas ao beneficiamento de alguns produtos agrícolas locais para revende-los no mercado interno (e, evidentemente, de uma agroindústria completamente dominada pelo imperialismo estrangeiro e pelas classes dominantes brasileiras), não há como se falar na existência de uma indústria no sentido moderno, como hoje conhecemos. Para o Uruguai, que tem sua economia extremamente dependente da pecuária e também da cultura sojeira (sendo esta última um traço comum dos países do MERCOSUL), a situação segue na mesma linha. Para o Brasil, que mesmo após décadas de espoliação imperialista e neoliberal – agravadas pela brutal recessão econômica iniciada no ano de 2014, cujas causas fundamentais podem ser observadas nas quedas dos preços de seus produtos tradicionais de exportação a partir dessa época – ainda mantém o maior parque industrial para os padrões do MERCOSUL, podemos considerar claramente que será este o principal palco do sumiço do que sobrou de indústria, agravando ainda mais a enorme capacidade ociosa da indústria que já se encontra em 36%.

Vejamos, por exemplo, no caso da indústria automobilística local, dominada em grande pelo imperialismo europeu. Caso o Brasil viesse a derrubar as atuais tarifas de 35% para a entrada dos carros importados europeus no mercado local, tornar-se-ia mais barato para as grandes montadoras europeias retornarem as grandes fábricas para suas matrizes, jogando no olho da rua as dezenas de milhares de operários e operárias de nosso país que trabalham nas montadoras de veículos europeias. Ora, as montadoras estrangeiras europeias, que alçam lucros de monopólio no Brasil, vendendo seus veículos a preços caríssimos para o consumidor local, já são grandes vetores de transferência da mais-valia produzida pelos mal pagos operários brasileiros para as metrópoles pelos mais diversos meios (seja por meio de remessas de lucros, repatriação de capital, pagamento de royalties, todo tipo de isenções fiscais recebidas pelas diferentes gerências de turno, importações diretas de suas matrizes, etc.). Transferindo de volta suas indústrias para as matrizes, a pilhagem de riquezas que se dava por meio do “investimento direto externo” complementar-se-ia com a pilhagem via comércio exterior. Não apenas veríamos mais dezenas de milhares de trabalhadores na rua, com dezenas de famílias empobrecidas numa economia que produz e reproduz a pobreza em escala ampliada, como também seria quase impossível observarmos a recuperação destes postos de trabalho num setor altamente oligopolizado e refratário ao aparecimento de novas empresas (e, portanto, de novos investimentos que poderiam hipoteticamente levar à contratação de novos trabalhadores). Todavia, enganam-se aqueles que imaginavam que o estrago poderia se dar apenas sobre os postos de trabalho diretos das montadoras. Toda uma cadeia produtiva de autopeças, vidros, borrachas, motores e eletroeletrônicos – em que pese nos tempos atuais as montadoras imperialistas importarem a maior parte dos componentes de suas matrizes em virtude das medidas entreguistas tomadas pelas gerências de turno do Estado brasileiro para reduzir os graus de nacionalização –, que possui como principais clientes as montadoras, simplesmente deixaria de existir e procederia também no sentido da demissão de seus operários. E a tragédia prossegue em todos os setores em que o país ainda possua algum nível de industrialização. Naqueles setores em que não o possui, e não são poucos (principalmente em setores eletrointensivos, ou intensivos em tecnologia e capital), simplesmente permanece inviabilizado o aparecimento de quaisquer indústrias. Qual destino pior poderíamos esperar para uma nação que já possui cerca de 50 milhões de desempregados e semi-desempregados?

Afora a situação brasileira, podemos identificar alguns dos traços fundamentais que opera a dominação imperialista (intensificada pelos inúmeros “acordos bilaterais” ou mesmo “multilaterais”) na situação interna nos países semicoloniais e semifeudais: ao apropriarem-se dos mercados consumidores locais, elimina-se as possíveis concorrências de burguesias nacionais que possam prejudicar a manutenção de lucros monopolistas dos conglomerados do imperialismo. Na medida que tais lucros monopolistas são em sua esmagadora maior parte remetidos ao exterior pelas mais diversas formas já citadas – reinvestindo apenas pequena parte dos lucros e utilizando largas parcelas para galgar um controle monopolista sobre o restante da economia –, se entrava ou desacelera o desenvolvimento capitalista nos países semicoloniais, que permanecem num estado perpétuo de atraso econômico, social e cultural em relação às metrópoles imperialistas. A enorme massa do campesinato e demais pequenos produtores proletarizada, semiproletarizada ou simplesmente arruinada em razão não apenas das importações predatórias, dos golpes do capital estrangeiro como também do crescimento da economia agrícola exportadora – consumidora de largas extensões de terra por sua própria natureza – contrasta com o grau lento e desproporcional de crescimento da grande indústria capitalista, incapaz de absorver esses enormes contingentes populacionais “libertados” da pequena produção. Crescem as chagas da “favelização”, da miséria, da fome e do desemprego.

As consequências do ponto de vista dos camponeses e da agricultura

O criminoso sigilo que se impõe sobre as negociações do dito acordo de “livre comércio” nos impedem de sabermos com exatidão para quais matérias-primas ou produtos agrícolas, até então, a União Europeia está disposta a abrir seus mercados em troca do “tremendo almoço grátis” de conquistar livre acesso aos mercados consumidores de produtos manufaturados da América Latina. Até então, falou-se em cotas para produtos como etanol e açúcar, carne de frango e outros, embora tudo ainda esteja sob negociação.

Falamos anteriormente sobre como a dominação imperialista – através de seus mais diversos métodos, entre eles os tratados comerciais desiguais apelidados pomposamente de “livre comércio” – entrava a industrialização no país dominado. A pilhagem, porém, tem um alcance muito maior que impedir a industrialização, pois esta não se limita a impedir a industrialização: impede até mesmo a diversificação agrícola do país dominado! A assinatura de um tratado de livre comércio com as metrópoles imperialistas da UE, como vimos, terminaria por liquidar as indústrias locais dos países do MERCOSUL, assim como inviabilizaria o aparecimento de novas indústrias. Consequentemente, sem indústrias, nossos países estarão constrangidos cada vez mais a importar quantidades crescentes de mercadorias manufaturadas – que poderiam muito bem ser produzidas localmente – com as receitas geradas pela agricultura e pelas mineradoras. Muito embora os setores pró-imperialistas e latifundiários clamem que isso poderia ser benéfico para a agricultura do MERCOSUL, nada mais longe da verdade. Possuindo padrões alimentares e produtivos completamente diferentes daqueles que predominam entre os países do MERCOSUL, a dependência sobre os mercados consumidores dos países da União Europeia forçaria a Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai a se especializarem ainda mais em algumas poucas culturas consumidas no mercado europeu ou que, por condições naturais, não têm condições de serem produzidas na Europa (alguém poderia pensar em produtos como açúcar, etanol, café ou soja?), para não falarmos também em indústrias extrativas altamente poluidoras como a mineração a céu aberto, que tendem a ser concentradas em países de Terceiro Mundo. Porém, o desenvolvimento do capitalismo, apoiado no comércio desigual, tende a deteriorar os termos de intercâmbio dos produtos agrícolas e matérias-primas de nossos países em benefício dos países ricos, exportadores de capitais e produtos manufaturados acabados (como no caso dos países da União Europeia). Em virtude da volatilidade dos preços das commodities agrícolas e minerais, que sempre tendem a ter sua cotação em queda no comércio internacional [5], os países do MERCOSUL são constrangidos a exportar volumes crescentes e crescentes de produtos agrícolas e matérias-primas para importarem quantidades iguais ou até mesmo muito menores de produtos manufaturados acabados. Forçosamente, pela necessidade crescente de tais produtos, a agricultura de exportação e as mineradoras acabam por avançar sobre as culturas de subsistência dos camponeses e/ou voltadas para o mercado interno – para o imperialismo e as classes dominantes entreguistas, produzir dólares é mais importante que produzir comida –, diminuindo-as. A pilhagem sobre os países do MERCOSUL não os constrange a importar do estrangeiro apenas produtos manufaturados, mas até mesmo os alimentos que a agricultura – em virtude das enormes distorções e assimetrias causadas pela dominação imperialista – não é mais capaz de produzir, ao menos não com suficiência. Isso explica a razão pela qual, ainda que nossos países sejam agrícolas e tenham dimensões continentais, com imensas extensões de terras, e ainda produzam enormes safras para atender o comércio mundial, não possuem capacidade para alimentar toda a sua população. Um país como o Paraguai cai como uma luva para ilustrar tal distorção gerada pela dominação imperialista: tendo um Estado completamente dominado por oligarquias agrárias, apoiadas no monopólio semifeudal da terra e sem quaisquer interesses num verdadeiro projeto de industrialização e emancipação nacionais, o Paraguai foi forçado e constrangido a ter seu destino atrelado às cotações da soja e do milho no comércio mundial, isto é, foi obrigado a seguir pelo caminho do “desenvolvimento pelo agronegócio” e da “Revolução Verde” comandados por interesses externos. As classes dominantes locais, então, encontraram no plantio de sementes transgênicas uma enorme oportunidade de enriquecer. Após muitos anos da aplicação desse modelo agroexportador, o Paraguai se tornou, na prática, nada mais que um imenso latifúndio sojeiro. Cerca de 70% da área semeada do país está coberta por soja transgênica, que junto com algodão e milho transgênicos transbordam para quase 90% da área semeada. O país tornou-se o quinto ou sexto maior produtor de soja do mundo, e com uma população diminuta de apenas 6,5 milhões de pessoas, suas safras de soja têm capacidade para alimentar cerca de 50 milhões de pessoas. Mesmo com o processo de “desenvolvimento pelo agronegócio”, o caráter semicolonial e semifeudal da sociedade paraguaia não se alterou. Ainda que consiga, com suas safras, alimentar uma população cerca de 8 vezes maior que seu número de habitantes, mais de 20% da população do país, miserável, segue desnutrida. A maior parte das imensas terras latifundiárias estão improdutivas, em virtude do enorme monopólio da terra no qual apenas 1% dos grandes fazendeiros abocanham mais de 80% das terras, enquanto que os camponeses pobres e assalariados rurais, que respondem mais de 80% das economias, possuem apenas 6% das terras. A grande maioria dos camponeses e indígenas paraguaios permanecem na condição de sem terras, como parceiros, meeiros, arrendatários, proletários rurais e sob extrema miséria, ou pelo menos com parcelas extremamente diminutas de terras incapazes de garantir rentabilidade à atividade agrícola, a ponto de no ano de 2015 cerca de 44% das economias agrícolas camponesas não haverem gerado lucro.

Apesar destas já imensas mazelas, a assinatura de um tratado de “livre comércio” com a União Europeia apenas faria com que as lavouras sojeiras abocanhassem ainda mais terras dos camponeses paraguaios, prosseguindo-se os massacres contra a população rural para engordar o bolso já gordo de meia dúzia de oligarcas.

No Brasil, apenas duas culturas, soja e cana de açúcar, respondem por mais de metade da área cultivada. Tal como no Paraguai, a grande maioria dos camponeses brasileiros não possui terra, ou apenas possui parcelas diminutas. Em nosso país, também, ainda que o processo de monopolização da terra não tenha ainda atingido os níveis estratosféricos atingidos no Paraguai, apenas 1% dos fazendeiros abocanham metade das terras. Segundo o Censo Agropecuário mais recente de 2018, apenas 2 mil latifúndios controlam uma quantidade de terras superior a mais de 4 milhões de economias camponesas. Os rumores pela assinatura de um novo acordo de “livre comércio” (não tendemos a acreditar que seja por mera coincidência) se dão em meio a um período de intensificação da crise política que se arrasta desde o golpe de Estado de 2016, desde o ano também em que políticos latifundiários, sob pretexto de conseguirem mais facilidades para contraírem empréstimos junto ao Banco Mundial, buscam impor goela abaixo das massas trabalhadoras uma lei das mais entreguistas que permitirá a estrangeiros controlarem (via aquisições e arrendamentos) até 200 mil hectares de terras. Que estímulo ao “desenvolvimento da agricultura” daria um acordo de livre comércio senão a conversão de nosso país numa colônia, num apêndice agrário completo das metrópoles imperialistas? A grilagem de terras que se intensificou no Brasil desde o ano de 2014 já executou num contexto de conflitos agrários, desde então, mais de 200 lideranças e militantes dos movimentos das massas trabalhadoras rurais e das minorias nacionais. Na área que hoje se convencionou conhecer como MATOPIBA (os interiores dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), os imperialistas estrangeiros, latifundiários e agronegocistas estão grilando parcelas imensas de terras pertencentes por direito às comunidades camponesas, indígenas e quilombolas locais, assassinando lideranças e moradores e deixando a região com desastres ambientais possivelmente irreversíveis. Também fora dos limites do MATOPIBA, no estado narcotraficante, agrarista e paramilitarista do Mato Grosso do Sul, as plantações de soja e cana de açúcar (particularmente no Cone Sul do estado) vêm grilado terras das minorias nacionais Guarani-Kaiowá e Terena, jogando-as nas condições de trabalhos semi-escravos nas plantações e reduzindo-as à mais lamentável miséria.

Os camponeses e minorias nacionais do MERCOSUL, portanto, nada têm a ganhar com esse acordo neocolonial, mas tudo a perder.

As experiências de alguns dos países que embarcaram pela via do “livre comércio” da pilhagem colonial

Foram vários os países do mundo que embarcaram pelo caminho do “livre comércio”. Apesar das diferenças econômicas, políticas e sociais existentes entre os mesmos, há uma série de características comuns. A primeira delas, sem sombra de dúvidas, é que todos se tratavam de países débeis do ponto de vista econômico, sem uma unidade política entre as classes dominantes locais (ou, quando existente, uma unidade política em favor de entregar ao deus-dará das potências estrangeiras) – conjuntura muito favorável para as potências estrangeiras se aproveitarem das disputas fratricidas e dos diferentes “bairrismos” em benefício próprio. A segunda característica, e possivelmente a mais candente, é que todos os países que seguiram por tal via e mantiveram-na, sem rupturas estruturais ou revoluções de cunho anti-imperialista e anti-feudal, jamais lograram superar o atraso econômico, a miséria do povo e a dependência externa. Vejamos, pois.

Portugal: Durante o século XVII, Portugal foi uma das principais “potências mercantilistas” do Velho Mundo, posto este facilitado pela precoce centralização política e monárquica (pioneira na Europa, numa época em que todos os países europeus tinham seu desenvolvimento achincalhado pelas guerras interfeudais) que já vinha operando desde o século X. As classes dominantes portuguesas, todavia, tinham condições de enriquecer com a pilhagem das colônias sem a necessidade de uma visão de industrialização, falta de clareza essa acentuada pelas condições feudais locais. Os ganhos com o comércio colonial não eram acumulados para o investimento em empresas capitalistas, mas para desperdiçar no consumo de luxo. Toda a conjuntura local portuguesa abria um prato cheio para que os capitalistas ingleses – que já seguiam no caminho da industrialização – aumentassem seus lucros. Portugal, que já vinha sendo submetida às investidas e assédios da Coroa inglesa desde o século XVII, é convertida, na prática, num apêndice da Inglaterra após a assinatura do Tratado de Methuen durante o século XVIII, mais especificamente no ano de 1703. Tal tratado, também chamado de “tratado dos panos e dos vinhos” ou “tratado da paridade tarifária”, que só teve condições de ser assinado graças à imensa corrupção dos funcionários públicos portugueses, estabeleceu uma “paridade tarifária” comercial entre Inglaterra e Portugal, nos seguintes termos: o mercado inglês daria para Portugal tarifas privilegiadas (em relação a outros países com quem praticava comércio) para a entrada do vinho português e, em troca, Portugal daria as mesmas tarifas privilegiadas para a entrada do pano inglês no mercado português. O que parecia ser uma mera paridade tarifária foi, na verdade, um dos fatores que mais bloqueou o desenvolvimento capitalista português por mais de século. Os incipientes artesanatos e manufaturas portugueses, que mal tiveram oportunidade de nascer e desenvolver, são arruinados pelos panos ingleses produzidos sob condições técnicas muito superiores e, portanto, com preços muito inferiores aos panos portugueses, empobrecendo não apenas os artesãos como também a burguesia local e a incipiente classe operária portuguesa. Fora o entrave à industrialização (como vieram a ocorrer em outras experiências de aplicação de tratados de livre comércio pelo mundo), o Tratado de Methuen forçou Portugal a importar até mesmo os alimentos que até então tinha condições de produzir localmente, dado que, influenciados pela oportunidade de ganhos maiores no mercado inglês em razão das tarifas privilegiadas, a maioria dos latifundiários e camponeses procederam no sentido de converter suas lavouras de trigo, cevada, etc. em vinícolas, reduzindo pois a produção de alimentos para a subsistência e o mercado interno.

Cuba: Após a Guerra Hispano-Americana de 1898, que marcou definitivamente a ascensão dos Estados Unidos como potência imperialista, Cuba teve sua sorte lançada no colo do imperialismo ianque após séculos de espoliação pelo colonialismo espanhol. Para pilhar a ilha e garantir superlucros para os conglomerados ianques, o governo norte-americano teve de impor – com a ajuda de políticos e altos dirigentes cubanos corruptos até as cuecas – sobre Cuba uma série de tratados desiguais, e dentre eles, uma série de “tratados de livre comércio” que beneficiavam, na prática, tão somente os monopólios ianques e os agentes nativos do imperialismo norte-americano em Cuba. Os termos dos tratados de livre comércio, que abriam o mercado norte-americano para o açúcar e o tabaco cubanos, em troca de abrir o mercado cubano para a inundação por quinquilharias manufaturadas produzidas nos Estados Unidos, transformou Cuba num dos mais pobres países latino-americanos, com uma economia que crescia ou regredia em ressonância com as cotações do açúcar no comércio mundial. Em virtude de os latifundiários haverem transformado as regiões rurais de Cuba num grande canavial para que pudessem enriquecer, o país não mais produzia a comida para alimentar seu povo, levando a frequentes crises de fome e choques inflacionários à medida que as cotações do açúcar caíam e não sobravam divisas para importar em suficiência os alimentos necessários para o povo. Somente a vitória da Revolução Cubana de 1959, dirigida pelo grande comandante Fidel Castro, pôs fim a tal situação humilhante ao expulsar o imperialismo ianque e realizar a reforma agrária.

Filipinas: Tal como Cuba, também as Filipinas saíram do domínio do colonialismo espanhol e foram jogadas sob o quintal de outra potência imperialista ainda mais agressiva – os Estados Unidos – no contexto da Guerra Hispano-Americana de 1898. Após martirizar 1,5 milhão de filipinos durante a guerra de 1899-1902, o imperialismo norte-americano subornou o quanto pôde de políticos filipinos para reforçar seu controle econômico sobre o arquipélago e monopolizar o mercado local. A ideologia do livre comércio foi sacramentada sob o Ato Payne-Aldrich de 1909, o Ato Tarifário Underwood de 1913 e a Lei Tyding-McDuffie, que abriram completamente o mercado americano para a produção agrícola e as matérias-primas filipinas, em contrapartida abrindo o mercado filipino para que fosse submetido à inundação por mercadorias norte-americanas, inviabilizando até os dias de hoje a industrialização filipina e mantendo-o na condição de dependente de exportações agrícolas e de matérias-primas, até os tempos atuais.

México: Talvez seja o México o exemplo mais negativo dentre todos os citados. Mais de vinte anos após a assinatura do famigerado NAFTA (Acordo Norte-Americano de Livre Comércio) com os Estados Unidos e Canadá, o México é reduzido à condição de humilhação e quase não-país, com milhares de seus compatriotas arriscando as próprias vidas para sofrerem uma vida de humilhação e pobreza nos Estados Unidos. O NAFTA impôs sobre o México uma situação colonial ainda mais profunda que a troca desigual de matérias-primas e produtos agrícolas por produtos manufaturados acabados, pois abarcou a totalidade do comércio multilateral entre os três países (o país mais fraco, no caso o México, foi evidentemente o mais massacrado) e promoveu uma verdadeira desregulamentação em diversos aspectos da legislação mexicana em prol da religiosa “atração de investimentos” do imperialismo norte-americano. A dita “atração de investimentos” foi, na verdade, uma enorme saída de investimentos e descapitalização da sociedade mexicana. De 1998 a 2000, o México recebeu 36 bilhões de dólares de investimento direto externo, a maior parte dos Estados Unidos, e no mesmo período saíram do país 48 bilhões de dólares em forma de remessa de lucros, repatriação de capital, pagamento de royalties e obrigações, importações de matrizes de empresas transnacionais, etc. Impondo a “livre” competição do tubarão com a sardinha, isto é, entre o capitalista agrário norte-americano altamente subsidiado e tecnificado com o camponês mexicano empobrecido, sem-terra e trabalhando com instrumentos agrícolas medievais, o mercado mexicano foi inundado por excedentes agrícolas norte-americanos (preferencialmente transgênicos) e mais de 6 milhões de camponeses foram reduzidos à fome e à ruína. Para um país como o México que ostenta o orgulhoso título de um dos berços alimentares da humanidade, tendo sido o primeiro país do mundo a domesticar o milho, ser nos dias de hoje um país que depende da importação de mais de metade dos alimentos que consome e ter mais de 15% de seu povo submetido à chaga da desnutrição é realmente o pior dos mundos. O NAFTA não se resumiu a destruir a agricultura mexicana, mas evaporou completamente a indústria nacional e substituiu-a pelas chamadas maquiladoras, isto é, empresas transnacionais montadoras de componentes importados dos Estados Unidos que se instalam na fronteira para reexportar tais produtos para o mercado norte-americano, aproveitando-se no processo de montagem da força de trabalho barata mexicana e dos afrouxamentos da legislação trabalhista. Também no já mencionado esforço de atração de “investimentos”, procede-se no sentido de “flexibilizar” a legislação trabalhista mexicana a ponto de obrigar mulheres grávidas a trabalharem sob condições insalubres nas maquiladoras, ao ponto de em cidades como Tijuana e outras (tradicionais sedes das maquiladoras) nascerem todos os anos cerca de 900 bebês deformados. Por fim, o saldo da dependência do México sobre o imperialismo ianque após mais de vinte anos da assinatura do NAFTA pode-se ver no fato de quase 90% das exportações mexicanas terem os USA como destino, bem como no fato de depender deste para mais de 70% de suas importações.

Notas

[1] No início dos anos 2000, o imperialismo norte-americano tentou impor sobre os povos de toda a América Latina a ALCA (Acordo de Livre Comércio das Américas) colonialista, que representava na prática uma anexação dos países ao sul dos Estados Unidos à sua economia, em prol também da ideologia do “livre comércio”.

[2] Até então, as “negociações” entre os entreguistas do MERCOSUL e os imperialistas da UE permanecem sob criminoso sigilo, com apenas algumas informações sobre as negociações disponíveis ao público. Portanto, para desenvolvermos as opiniões deste artigo, baseamo-nos na experiência internacional e nacional da adesão ao livre comércio (particularmente o NAFTA e a ALCA, esta que não chegou a ser aplicada), nos modelos teóricos de integração econômicas das economias mais fortes com as mais fracas, e na realidade econômica de nosso país.

[3] Este não se trata exatamente de um acordo de “livre comércio” puro e simples, não apenas por ter implicações muito mais que comerciais – especializando ainda mais os países da União Europeia na especialização tradicional, a indústria, e os países do MERCOSUL nas atividades rurais e mineração – como também por não promover uma abertura plena dos mercados, abrindo-os seletivamente apenas nos setores que favorecem o aumento dos lucros dos grandes monopólios industrial-financeiros da Europa.

[4] Utilizando um exemplo de nosso país: no caso do Mato Grosso, tido como “berço do agronegócio”, os conglomerados imperialistas ADM, Bunge, Cargill e Louis Dreyfus Commodities (sendo o segundo e o quarto europeus) controlam mais de 50% das exportações do estado, e mais de 90% do esmagamento da soja (o grupo Amaggi do imperador Blairo, que se tornou multibilionário com o plantio e comercialização de soja e milho transgênicos, grilagem de terras e infraestrutura, também compõe o seleto cartel), principal cultura mato-grossense. Não é coincidência que boa parte dos imensos lucros gerados com a produção soja venham a parar no bolso de ricaços das metrópoles de Amsterdã, Paris ou Berlim.

[5] De 2014 para 2015, o preço da soja no mercado internacional caiu em 23,9%; o café, 11,7%; o minério de ferro, 60,2%; açúcar bruto, 16,1%; petróleo bruto, 46,3%.

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