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"Moçambique, a resiliência do terror"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • há 7 dias
  • 5 min de leitura
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O norte de Moçambique, particularmente a província de Cabo Delgado, suporta desde 2017 uma guerra intermitente conduzida pelo grupo Ahlu Sunna wal-Jama’a (“Os Seguidores do Caminho do Profeta”). A partir da baya’t (juramento de lealdade) em 2019, eles se tornaram a franquia do Daesh nessa região e uma das mais ativas da África Oriental. Comumente chamados de al-Shabaab, devido à semelhança com o grupo insurgente somali, compartilham apenas o fundamentalismo e as táticas militares, já que o al-Shabaab somali continua fiel às diretrizes globais da Al-Qaeda.

 

Após as operações terroristas de 2021, nas quais o grupo tomou o controle da cidade de Mocímboa da Praia, com mais de trinta mil habitantes — fato que obrigou a empresa francesa TotalEnergies a suspender seus projetos de exploração de gás natural, avaliados em cerca de vinte bilhões de dólares —, a economia do país sofreu um golpe devastador.

 

A partir de então, graças à chegada, em apoio ao exército moçambicano, da Missão da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral em Moçambique (SAMIM), além de tropas do exército de Ruanda, instrutores militares dos Estados Unidos, agências privadas de segurança como o Grupo Wagner (Rússia) e o Grupo de Assessoria Dyck (África do Sul), somados ao apoio logístico da União Europeia (UE), foi possível conter a onda terrorista que ameaçava incendiar todo o norte do país, estendendo-se não apenas por todos os distritos de Cabo Delgado, mas também pelas províncias vizinhas de Nampula e Niassa.

 

Desde julho do ano passado, a ofensiva terrorista havia entrado em um de seus frequentes períodos de retração, a ponto de permitir que o novo governo do presidente Daniel Chapo anunciasse, em julho passado, que “todas as condições estão sendo criadas para que os investidores possam retomar suas atividades o mais rapidamente possível”, referindo-se particularmente à empresa francesa.

 

A insurgência moçambicana em Cabo Delgado, que já provocou cerca de seis mil e quinhentas mortes e forçou o deslocamento de mais de um milhão de pessoas — quase metade da população total da província —, baseia-se em fatores concretos como a exclusão social e o adiamento permanente de políticas públicas por parte dos governos nacionais sucessivos, em uma região de maioria muçulmana. Embora também haja importante presença de evangélicos e pentecostais, além de religiões locais, esse quadro, somado a questões étnicas e tribais, conforma um amplo mosaico de conflitos.

 

Somente a partir de 2020, depois que os insurgentes começaram a atacar e ocupar capitais distritais, derrubar administrações locais, saquear propriedades e até hastear a bandeira do Daesh, o governo federal deixou de considerar os “problemas” de segurança em Cabo Delgado como mera atuação de bandos criminosos, reconhecendo-os como uma grave ameaça à segurança nacional e declarando que o país estava sendo agredido por um grupo terrorista de alcance mundial.

 

Após a retirada da SAMIM, em julho do ano passado — sob o argumento de que sua missão havia sido concluída com sucesso —, Ruanda foi obrigada a aumentar sua presença militar no país, elevando o contingente para cinco mil soldados. Já a Tanzânia, que integrou a SAMIM, manteve após a retirada uma força de cerca de trezentos homens para cobrir exclusivamente o distrito de Nangade, na fronteira entre os dois países.

 

A presença internacional, no entanto, não conseguiu derrotar os mujahidins, já que, a partir de meados de 2024, de forma imperceptível mas constante, Cabo Delgado voltou a se reativar.

 

Em setembro último, cerca de trinta aldeias de Cabo Delgado sofreram incursões terroristas, que resultaram na morte de pelo menos quarenta pessoas — das quais apenas uma era policial —, sendo o restante composto por moradores locais. Essa nova crise de segurança forçou o deslocamento de cerca de vinte e duas mil pessoas, o número mais alto do ano, e provocou uma crise humanitária de grandes proporções, que se intensifica a cada momento. No total, já foram registradas quase quinhentas ações violentas contra civis neste ano, superando as taxas de 2022, até então considerado o mais violento desde o início da crise em 2017.

 

A insurgência em Cabo Delgado, assentada em fatores reais como a exclusão social e o abandono histórico de políticas voltadas à população de maioria muçulmana por sucessivos governos nacionais, tem agora diante de si um agravante: o deterioramento da segurança nacional, amplificado pelo desgastante processo eleitoral de outubro do ano passado, no qual saiu vitorioso o atual presidente Daniel Chapo, do Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO), partido que governa o país desde 1975.

 

A FRELIMO voltou a enfrentar o movimento de ultradireita RENAMO (Resistência Nacional Moçambicana), agora reciclado como Partido Otimista pelo Desenvolvimento de Moçambique (PODEMOS), liderado pelo empresário e pastor midiático Venâncio Mondlane. O processo eleitoral foi marcado por mortos, desaparecidos e confrontos de rua, levando o país à beira de uma nova guerra civil, semelhante à travada entre os mesmos contendores entre 1977 e 1992.

 

Os elementos do naufrágio

 

A ofensiva terrorista de setembro, que atingiu seis distritos de Cabo Delgado — de Balama, no extremo sudoeste da província, até a cidade de Mocímboa da Praia, no noroeste —, deixou evidente que o problema de segurança é muito mais profundo e complexo do que o que se pode resolver com operações tímidas promovidas tanto por Maputo quanto pela União Africana e pela Comunidade de Desenvolvimento da África Austral.

 

O ataque de 7 de setembro contra a cidade de Mocímboa da Praia foi o segundo desde setembro de 2021, consolidando-se, segundo especialistas, como um dos pontos mais vulneráveis da província.

 

Neste ano, cem mil pessoas já tiveram de fugir das zonas de conflito, colocando sobre o presidente Chapo a obrigação de resolver, de maneira urgente, não apenas a crise de segurança — que, claramente, exige um plano integral baseado mais no social do que no militar —, mas também atender às novas e prementes necessidades da população civil vítima dessa escalada.

 

Com o passar dos dias, surgem novos casos de assassinatos, execuções sumárias, sequestros e violência sexual, enquanto o recrutamento forçado por parte dos terroristas continua sendo a principal forma de incorporação de combatentes.

 

As últimas ações do Ahlu Sunna — que incluem execuções rituais, casamentos forçados, saques e recrutamento compulsório — acabaram por privar os mujahideens de sua base de apoio, deixando novamente a população civil presa no fogo cruzado entre ambos os lados. Em julho passado, pelo menos trinta cristãos foram decapitados pelos wahabitas na cidade de Mocímboa da Praia e nas aldeias de Nacocha, Nacussa, Minhanha e Nakioto, onde, além de saquearem casas, incendiaram igrejas e sequestraram e violentaram mulheres.

 

As mulheres continuam sendo um alvo militar dos terroristas, embora também existam denúncias de que tropas governamentais as atacam e violentam quando são surpreendidas sozinhas buscando água ou lenha nas imediações das aldeias e acampamentos.

 

À crise de segurança enfrentada pelos moçambicanos — semelhante à de outras regiões do continente, como o Sahel e o Chifre da África —, somam-se os efeitos cada vez mais evidentes das mudanças climáticas, que obrigam milhares de famílias a enfrentar sozinhas ciclones, secas cada vez mais prolongadas e inundações que destroem seu sistema produtivo, condenando-as à fome ou ao deslocamento forçado, em uma tentativa desesperada de escapar de um naufrágio inevitável.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

 

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