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"Marrocos, o reino em turbulência"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • 6 de out.
  • 5 min de leitura
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Seria praticamente impossível fazer um ranking sobre qual das oito monarquias árabes existentes na atualidade é a mais corrupta, já que todas — Arábia Saudita, Jordânia, Marrocos, Bahrein, Kuwait, Omã, Catar ou Emirados Árabes Unidos — têm méritos de sobra para ocupar o primeiro lugar.

 

Essas monarquias utilizam seu poder absoluto, baseado principalmente na exploração de seus recursos naturais, apenas para beneficiar suas elites, enquanto a seus povos compartilham esse benefício conforme o “termômetro social”.

 

Ao mesmo tempo, buscam a simpatia das potências ocidentais, em particular dos Estados Unidos, oferecendo-lhes lucrativos negócios de gás e petróleo, enquanto, em muitos casos, salvam suas indústrias, que as abastecem desde a água mineral até trens de alta velocidade — sem mencionar a constante aquisição de armamento de última geração, utilizado fundamentalmente para reprimir seus povos.

 

Seu posicionamento político também seguiu essa mesma direção desde o final da Segunda Guerra Mundial. Talvez o melhor exemplo seja seu estrondoso silêncio e suas posturas dóceis diante da causa palestina — ainda mais nestes dois últimos anos, depois da “Operação Inundação de al-Aqsa”, que deu carta branca ao regime sionista para executar a solução final em Gaza e na Cisjordânia.

 

Não é por acaso que, nesses regimes repressores, a tão propagada “Primavera Árabe” mal tenha se feito notar, enquanto golpeou em cheio as únicas duas nações hostis ao Ocidente: Líbia e Síria. Além disso, como dano colateral, caíram os governos pró-ocidentais de Hosni Mubarak, no Egito, e de Ali Abdala Saleh, no Iêmen — curiosamente, a única “república” da Península Arábica.

 

Ainda assim, a sorte dessas mudanças é bem conhecida. Depois de vários intrincados rearranjos, o governo do presidente Abdel Fattah al-Sisi voltou a alinhar o Egito com Washington. Enquanto isso, desde a queda do sucessor de Saleh, Abd Rabbuh Mansur, seu vice-presidente, o Iêmen mergulhou em guerras civis que levaram à invasão da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos (2015–2020), gerando uma guerra que, embora formalmente não tenha terminado, transformou a resistência houthi em um pesadelo para Riad e Abu Dhabi — o que os obrigou a se recolher em um vergonhoso silêncio.

 

Enquanto o mundo — inclusive o árabe, com exceção do Iêmen — observa impassível o genocídio palestino, especulando apenas agora sobre alguma medida tardia e, a esta altura, obscenamente hipócrita.

 

Nesse contexto, não surpreende que nenhuma das nações signatárias dos Acordos de Abraão de 2020 tenha normalizado suas relações diplomáticas com Israel sem a pressão de Donald Trump. Os Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos aceitaram. O Sudão também o fez em seu momento, mas, após a queda de Omar al-Bashir, que finalmente provocou a guerra civil em 2023, a assinatura daquele acordo praticamente perdeu todo o sentido.

 

Talvez o único país verdadeiramente beneficiado por se submeter à vontade de Trump, em dezembro de 2020 — poucas semanas antes do término de seu primeiro mandato — tenha sido o reino de Marrocos. Isso em troca do reconhecimento de sua soberania sobre os territórios disputados desde 1975 com a República Árabe Saarauí Democrática.

 

Com esse cheque em branco, somado ao fato de Rabat ser o maior comprador de armamento norte-americano do continente, a monarquia alauíta de Mohamed VI pôde repousar em paz, apesar da resistência do braço armado da República Saarauí, a Frente Polisário (Frente Popular de Libertação de Saguia el-Hamra e Rio de Ouro), e da sempre turbulenta fronteira argelina.

 

Além disso, Marrocos se converteu no “bom árabe”, destino onde turistas ocidentais, a um preço módico, podem dormir no deserto, montar em camelos e sentir-se, por um instante, imersos num conto de Sherazade.

 

Sem hospitais, mas com estádios

 

Há praticamente uma semana, em todas as cidades do Marrocos — incluindo a próspera Casablanca, capital econômica do reino — até as aldeias mais remotas do Sul, estourou a maior onda de protestos em anos contra o regime do autocrata Mohamed VI.

 

Os movimentos, ao menos na superfície, lembram as recentes manifestações no Nepal, Madagascar e Quênia, ou mesmo a onda que derrubou o governo da primeira-ministra de Bangladesh, Sheikh Hasina, em agosto do ano passado — já que foram os setores juvenis que assumiram a dianteira do descontentamento social. Segundo estudos recentes, mais da metade dos jovens entre 18 e 29 anos pensam em emigrar por razões econômicas e políticas e pela falta de oportunidades.

 

Por isso, as reivindicações se concentraram no desfinanciamento da educação. As escolas públicas estão saturadas, com poucos recursos e programas obsoletos, que não correspondem às exigências do mercado de trabalho. Isso abriu espaço para o surgimento de escolas privadas que, embora pouco qualificadas, proliferam nas grandes cidades para atender à classe média alta.

 

A saúde pública também é um dos principais eixos das queixas, já que os hospitais sofrem abandono crônico, com escassez de medicamentos, falta de médicos, enfermeiros e pessoal administrativo. Isso obriga os setores populares a recorrer a curandeiros, bruxos e adivinhos, ou então à assistência privada — proibitiva para a maioria.

 

Os muros das cidades estão cobertos de reivindicações, enquanto se multiplicam os saques a comércios e os ataques a patrulhas policiais — o que o governo e seus meios cúmplices definem como “vandalismo”.

 

As manifestações, que já deixaram ao menos sete mortos — três deles por balas policiais —, mais de trezentos feridos e cerca de quinhentos detidos, são impulsionadas por um grupo conhecido como GenZ 212, que, através das redes sociais, convoca o povo a acompanhá-los nas ruas para transformar a realidade dos setores mais marginalizados da sociedade, especialmente das zonas rurais e dos subúrbios das grandes cidades. Enquanto isso, os fundos destinados a essas necessidades estão sendo desviados para a construção de um estádio para a Copa do Mundo de 2030.

 

A indignação atingiu seu ponto máximo no início do ano passado, quando veio a público um vídeo gravado no Centro Hospitalar Regional de Souss-Massa (CHR), na cidade costeira de Agadir, a 550 quilômetros ao sul de Rabat, mostrando o corpo de um paciente falecido algumas horas antes, abandonado sobre uma maca em um corredor deserto, ainda conectado ao soro e cercado de lixo.

 

Apesar de algumas medidas pontuais tomadas pelo Ministério da Saúde — com sanções a alguns dos responsáveis —, em diversos hospitais de Agadir registraram-se, por negligência, mortes de dezenas de pacientes, entre eles sete recém-nascidos, que morreram asfixiados devido a uma falha técnica na distribuição de oxigênio para as incubadoras.

 

Nesse grave contexto, volta à tona a frágil saúde do próprio Mohamed VI, tratada como segredo de Estado. Aos 62 anos, recém-completando 25 anos no trono, sua morte poderia precipitar o reino em territórios desconhecidos. Já começaram, em sua corte, os rearranjos visando que seja sucedido por seu filho Moulay Rachid, de 22 anos, que, apesar de ter sido preparado desde sempre para ocupar o cargo, pode ver-se superado pelas tensões do reino e forçado a deixar o governo nas mãos das segundas linhas de seu pai.

 

Formalmente, Marrocos é regido por uma “monarquia constitucional”, embora se saiba que essa arquitetura institucional é manipulada pelo Ministério do Interior, que organiza o parlamento através da compra de votos e da colocação, em postos-chave da “oposição”, de figuras ligadas ao regime. Assim, o regime, até agora, não viveu uma crise total — embora tudo pareça pronto para naufragar.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

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