"O elo mais fraco do capitalismo no Panamá"
- NOVACULTURA.info
- 14 de jul.
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O presidente José Raúl Mulino e seu ministro da Segurança, Frank Ábrego, desferiram sua fúria contra a população da província de Bocas del Toro, especialmente contra o distrito de Changuinola. Praticando o pior terrorismo de Estado, à semelhança de qualquer ditadura, cortaram as comunicações telefônicas e a internet, enquanto desencadearam uma repressão brutal, utilizando inclusive armas letais, como demonstram as poucas imagens que conseguiram sair da província. Além do bloqueio das estradas, impossível de ser desfeito pelas forças antimotim, houve nos últimos dias saques a instalações públicas e privadas, que serviram de pretexto para lançar uma repressão ainda mais dura.
Dezenas de jovens foram presos, algemados e transportados apenas de cueca em aviões de sua província para a de Chiriquí, no pior “estilo Bukele”. O governo afirma que esses detidos “têm seus direitos constitucionais suspensos” e, como faz Bukele, os acusa de fazer parte de uma suposta gangue juvenil (“mara”). No dia 20 de junho, o Executivo emitiu um polêmico decreto de gabinete suspendendo as garantias constitucionais em Bocas del Toro. Contudo, essas garantias seguem em vigor no restante da República, onde os detidos foram levados, o que torna absurda a argumentação utilizada contra o direito ao habeas corpus.
Esses fatos fazem parte de uma escalada repressiva iniciada por Mulino e seu governo desde abril passado, quando começaram os protestos. Houve prisões e processos judiciais contra estudantes e operários da construção civil, invasão das sedes do Suntracs e de sua cooperativa, acusações contra seus principais dirigentes com ordens de prisão — forçando o secretário-geral Saúl Méndez a buscar asilo na embaixada da Bolívia —, prisão de Jaime Caballero e prisão domiciliar do histórico dirigente Genaro López.
No mesmo sentido, o que inflamou ainda mais os ânimos e fortaleceu os bloqueios em Bocas del Toro foi a prisão do secretário-geral do sindicato dos trabalhadores bananeiros SITRAIBANA, Francisco Smith, e de outros dirigentes — inclusive após terem assinado um acordo com a presidente da Assembleia Legislativa para suspenderem a greve que já durava mais de um mês, e os bloqueios, em troca do reconhecimento da lei especial de aposentadoria dos trabalhadores bananeiros. A prisão de Smith, somada à ordem do presidente para que as forças repressivas reabrissem a estrada bloqueada em mais de 20 pontos “a qualquer custo”, levou os protestos a um paroxismo.
Na província de Bocas del Toro, assim como anteriormente em Arimae (Darién), a vanguarda da luta e dos bloqueios foi assumida por jovens das comunidades locais, muitos deles pertencentes ao povo indígena Ngäbe-Buglé, de onde provém a maior parte da força de trabalho agrícola do país e das empresas bananeiras como a Chiquita Brands.
As imagens dos bloqueios e dos confrontos com a polícia evidenciam a clara compreensão, por parte desses jovens, de que o governo de Mulino representa uma casta empresarial corrupta, e de que eles são as principais vítimas das reformas do sistema de aposentadorias e pensões impostas pela Lei 462.
A juventude de Bocas del Toro, que luta contra a ditadura de Mulino, é herdeira, por sangue e tradição cultural, da experiência de décadas de greves e lutas do movimento operário bananeiro — desde aquela de 1960, em que o sindicato conseguiu pela primeira vez um aumento salarial da Mamita Yunai, até a de 2010 contra a chamada “Lei Chorizo”, do então presidente Ricardo Martinelli e do então ministro da Segurança, José R. Mulino. Naquela ocasião, por ordem dessas autoridades, a polícia atirou balas de borracha no rosto dos manifestantes, deixando mais de 70 pessoas com sequelas permanentes.
A juventude indígena de Bocas del Toro também é herdeira das lutas históricas em defesa de suas terras e rios contra projetos de mineração — como o de Barro Colorado nos anos 1970 e 1980 —, contra a represa do rio Tabasará, há 10 anos, e contra a tentativa de reforma do Código de Mineração por parte de Martinelli em 2011. A essas experiências somam-se as vitórias das mobilizações contra o alto custo de vida em julho de 2022 e contra o contrato minerador da First Quantum M., em 2023.
A disposição de luta e resistência dos habitantes e da juventude de Bocas del Toro é impulsionada por uma das piores situações sociais do país. Segundo dados do Ministério da Economia e Finanças (MEF, 2024), a soma da pobreza geral com a pobreza extrema atinge 53,8% da população bocatoreña. Se considerarmos também a comarca Ngäbe-Buglé, vizinha à província e de onde vêm muitos de seus habitantes, a catástrofe social chega a 87% de pobreza geral, dos quais 61% em extrema pobreza.
O desemprego é uma das piores mazelas que afetam a juventude panamenha (informalidade em 48,2%, desemprego aberto em 9,5%). Em Bocas del Toro, os dados não são melhores: apenas 39% da força de trabalho tem emprego formal, enquanto a informalidade chega a 48,5% e o desemprego aberto a 7%, totalizando 55,5% das pessoas em idade ativa em situação de precariedade laboral (INEC, 2024).
As razões acima — tanto as experiências próprias quanto as tradições culturais herdadas e a terrível situação social — explicam por que a população, e especialmente a juventude de Bocas del Toro, assumiu a vanguarda da luta de 2025 contra a Lei 462, contra a reabertura da mina de Donoso, contra o Memorando de Entendimento que reativa as bases militares dos EUA e contra o projeto de barragem no rio Indio.
Como em muitos outros processos revolucionários de massas, a experiência panamenha de 2025 se desenvolve sob a dialética da “lei do desenvolvimento desigual e combinado”; ou seja, a luta nacional se expressa com ritmos desiguais. Como em 2022 e 2023, a luta é muito mais massiva e radical nas províncias do que na capital, e muito mais combativa nas comunidades originárias.
Isso se deve às tradições de resistência herdadas, como já mencionado, assim como à pior situação social em um país que está entre os mais desiguais do mundo. É preciso reconhecer que, na capital, a vanguarda tem se limitado principalmente aos sindicatos de professores e ao sindicato da construção Suntracs. Os moradores dos bairros populares ainda não se somaram à luta, como acontece em Bocas del Toro.
Esses desníveis na mobilização explicam por que, apesar da combatividade e persistência por quase dois meses das manifestações e da greve dos professores, o governo ultradireitista de Mulino — mesmo diante de sua impopularidade e do repúdio massivo — continua sustentando sua política repressiva e recusando-se de forma absoluta a qualquer tentativa de diálogo com as lideranças sindicais e do magistério.
Contudo, mesmo que Mulino consiga impor suas medidas pela repressão, ele não conseguirá uma estabilização de longo prazo, pois a crise do país é estrutural e só será resolvida politicamente, retirando do poder a elite oligárquica financeira que governa.
Evidentemente, trata-se de uma crise cujos elos estão também conectados à crise que assola o sistema capitalista mundial. Ambas as crises estão interligadas. A derrota do projeto mundial da ultradireita reacionária representaria uma derrota para a ditadura de Mulino em nível nacional. Por outro lado, a permanência de Donald Trump e de seu projeto regressivo, junto com as novas bases militares, constitui o alicerce das medidas antipopulares em curso no Panamá.
Por Olmedo Beluche, professor, sociólogo e coordenador do Centro de Investigações da Faculdade de Humanidades (CIFHU) da Universidade do Panamá.
Nota dos editores: nem todas as posições expressas neste texto ou pelo autor condizem necessariamente e/ou integralmente com a linha política de nosso site ou da União Reconstrução Comunista.
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