Facó: "Um falso conceito sobre a Revolução Brasileira"

Anteriormente, C. P. J. se refere à expressão “feudalismo”, como a empregamos no Brasil considerando-a simples “forma de retórica”, um “rótulo”, que “poderia servir o simples aparecimento do comércio na economia feudal signifique o desaparecimento do feudalismo. O comércio já existia na economia feudal como outro qualquer”. Mas a verdade é que, abandonando essa expressão, C. P. J. apenas cria outra, sem que lhe dê conteúdo – “economia colonial”. Substitui uma fórmula consagrada, bastante expressiva e a única verdadeira por uma fórmula nova e inexpressiva. Nega assim a sobrevivência de restos feudais na maior parte dos países do mundo moderno, quando essa é a realidade. Inclusive num país como a Itália, considerado pelos fundadores do Marxismo como o berço do capitalismo. No entanto vemos o líder comunista italiano Licausi afirmar, há poucos dias: “Para o Partido Comunista da Sicília, não se trata de revolução mundial comunista ou socialista, mas de alimentar e democratizar o povo. Não planejamos nenhum Soviete aqui. Desejamos, por exemplo, que as grandes propriedades feudais sejam distribuídas, mas respeitamos todas as propriedades de menos de cem hectares – uma propriedade de bom tamanho”.
O artigo do camarada Caio Prado Júnior, no “Boletim de Discussão” nº 13 do IV Congresso, pode ser qualificado, sem exagero, de idealista. Nada ali se baseia na nossa realidade atual para apreciar a Revolução Brasileira. O que Caio Prado Júnior apresenta não são “fundamentos econômicos” da Revolução Brasileira: apenas dá asas à sua imaginação.
No entanto, por tratar de um dos pontos básicos da Revolução Brasileira, a questão agrária, o artigo de C. P. J. requer uma análise mais detalhada que a simples rejeição. É o que tentaremos fazer aqui.
Antes de tudo, C. P. J. nega que no Brasil existam restos feudais, “nem existiu nunca no Brasil” o feudalismo – afirma.
É claro que não se trata de uma tese original. Numerosos “sociólogos” da classe dominante afirmam isso diariamente. Quando Prestes pronunciou seu famoso discurso sobre os problemas do campo do Brasil, em junho de 1948, na Assembleia Constituinte, encontrou a mais rija “contestação” às suas palavras sobre os restos feudais em nosso país, justamente por parte de elementos representantes das classes dominantes, tanto no parlamento como na imprensa, que partiam da negação do próprio latifúndios.
Mas, em que se baseia C. P. J. para afirmar a não existência no Brasil de restos feudais e a não existência, em qualquer tempo, do feudalismo em nosso país? Eis a sua própria explicação: “… bastará lembrar que a economia brasileira, desde o seu início (isto é, desde que se organizou a colonização do Brasil), foi essencialmente mercantil, isto é, fundada na produção para o mercado; o que é mais, para o mercado internacional. É este o traço que precisamente caracteriza a economia colonial brasileira. É o reverso, portanto, do que ocorre na economia feudal, cuja decadência e desintegração começam justamente quando nela se insinua o comércio, precursor do futuro capitalismo”.
Vemos portanto que C. P. J., antes de tudo, para “sustentar” a sua “tese”, é obrigado a ser original: cira um novo tipo de economia – a colonial. A que forças produtivas e relações de produção corresponde esse novo tipo de economia? A que modo de produção? A que classes sociais? É o que o autor do artigo não esclarece, absolutamente. Mais ainda: ignora as classes em que se apoia “seu” novo tipo de economia, a “economia colonial”.
Não é certo tampouco que a economia brasileira tenha sido, “desde o seu início”, “essencialmente” mercantil. A imensa maioria da população camponesa do Brasil produziu, durante séculos, para o consumo local, restrito. Era a economia natural a que predominava, exportando-se apenas um ou outro produto, por ciclos.
Temos finalmente a última afirmativa da transcrição feita acima das palavras de C. P. J.: “É o reverso, portanto, do que ocorre na economia feudal, cuja decadência e desintegração começam justamente quando nela se insinua o comércio, precursor do futuro capitalismo”.
É verdade ser o comércio um dos elementos precursores do capitalismo. Mas ninguém pode aceitar que dal (*) europeia do século XVI, e nem por isso o próprio capitalismo já havia se estabelecido na Europa. Muito antes, séculos antes dos feudalismos, os fenícios já comerciavam pelos principais portos da Europa, e não eram um povo capitalista. Sabemos que durante séculos podem coexistir as duas formas de economia, sem que a mais adiantada consiga destruir totalmente a mais atrasada. É o que nos mostra Karl Kautsky, estudando a questão agrária da Europa do século XVI. Diz ele:
“A nobreza vitoriosa começou a produzir mercadorias de uma maneira que representa um misto singular do capitalismo e feudalismo. Começou a extorquir mais valia nas grandes explorações, mas empregando ordinariamente não o trabalho assalariado mas o trabalho de natureza feudal”. (K. Kautsky – “A questão agrária”).
Anteriormente, C. P. J. se refere à expressão “feudalismo”, como a empregamos no Brasil considerando-a simples “forma de retórica”, um “rótulo”, que “poderia servir o simples aparecimento do comércio na economia feudal signifique o desaparecimento do feudalismo. O comércio já existia na economia feudal como outro qualquer”. Mas a verdade é que, abandonando essa expressão, C. P. J. apenas cria outra, sem que lhe dê conteúdo – “economia colonial”. Substitui uma fórmula consagrada, bastante expressiva e a única verdadeira por uma fórmula nova e inexpressiva. Nega assim a sobrevivência de restos feudais na maior parte dos países do mundo moderno, quando essa é a realidade. Inclusive num país como a Itália, considerado pelos fundadores do Marxismo como o berço do capitalismo. No entanto vemos o líder comunista italiano Licausi afirmar, há poucos dias: “Para o Partido Comunista da Sicília, não se trata de revolução mundial comunista ou socialista, mas de alimentar e democratizar o povo. Não planejamos nenhum Soviet aqui. Desejamos, por exemplo, que as grandes propriedades feudais sejam distribuídas, mas respeitamos todas as propriedades de menos de cem hectares – uma propriedade de bom tamanho”.
Quando Marx e Engels escreveram suas obras fundamentais, o capitalismo já estava em pleno desenvolvimento, mas os restos feudais permaneciam em quase todos os países da Europa. E quando Lenin aplicou os princípios marxistas à Rússia, estudando a sua economia, havia um misto extraordinário de formas econômicas em seu país, indo desde o feudalismo, a servidão pura e simples, até o imperialismo. A Rússia não era um país “nitidamente” feudal, e, não o sendo, sua economia também deveria ser “colonial”, segundo a maneira de ver de C. P. J.
C. P. J. pretende, como se vê, que cada etapa de desenvolvimento econômico-social seja estritamente delimitada, tenha suas características definidas, sem qualquer mescla com a etapa anterior ou a futura.
Depois, C. P. J. escreve: “E não são similitudes aparentes e superficiais que farão confundir certos elementos retrógrados e primitivos da economia brasileira com ‘relações feudais de produção'”.
Esta citação das palavras de C. P. J. é imprescindível, pois justamente aqui ele aborda o problema da revolução democrático-burguesa, que, acha, “não tem cabimento na evolução histórica do Brasil”. Pelas suas considerações anteriores, tal afirmação só seria possível se vivêssemos ainda sob um regime tipicamente feudal, sem qualquer sombra de capitalismo, o que é um erro, pois a revolução democrático-burguesa implica no desenvolvimento de relações capitalistas dentro da economia feudal.
No entanto, quando Lenin – que C. P. J. cita com apreço, para nele se apoiar – quando Lenin proclamava a necessidade de levar avante a revolução democrático-burguesa na Rússia, como uma etapa necessária na revolução socialista, a Rússia não possuía apenas “similitudes aparentes e superficiais” de regime feudal no campo. Eis o que escrevia Lenin em 1903, tratando do programa agrário e da social-democracia na Rússia, abordando as questões operária e camponesa: