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Formas equivocadas de compreender a relação entre teoria e prática


A enorme dispersão entre os círculos socialistas brasileiros se reflete na falta de unidade não apenas nas questões mais cruciais do movimento popular, como também em problemas teóricos que já estariam, aparentemente, bem conhecidos por todos e sem divergências tão facilmente observáveis. Não é assim que ocorre, todavia. Se verificarmos mais à fundo, veremos que não há unidade sequer em um problema tão básico no Marxismo, como a forma de compreender a relação entre teoria e prática, e o que é teoria e prática.

Em nosso entender, circulam frequentemente nos círculos socialistas noções equivocadas que expressam a forma metafísica, burguesa, sobre como compreender a relação entre teoria e prática. Não se trata de uma discussão livresca, mas de um problema teórico que, caso não seja bem compreendido, pode ter graves implicações para a prática.

Uma noção que se desdobra na separação errada entre “atividades teóricas” e “atividades práticas”, ou a máxima da “muita teoria e pouca prática”, e vice-versa

É usual que muitos grupos que se reivindicam socialistas ou comunistas já tenham se questionado se, no decorrer de suas atividades, estariam sendo “teóricos” demais, ou “práticos” demais, na tentativa de se buscar um equilíbrio entre teoria e prática. É frequente também que máximas como “muita teoria e pouca prática” ou “muita prática e pouca teoria” sejam utilizadas de forma pejorativa para atacar grupos ou organizações que, de acordo com diferentes critérios, seriam “intelectualistas” ou “praticistas” demais. No fim, não se tem uma noção clara se se está caindo em intelectualismo ou praticismo.

Geralmente, parte-se da premissa equivocada que separa atividades “teóricas” de “práticas”, considerando cada uma das quais como atividades específicas, sem compreendê-las em seu significado mais amplo. Atividades “teóricas”, de acordo com tal critério, consistiriam em rodas de estudos, estudos individuais, discussões sobre a situação política nacional, aulas, conferências, etc., ao passo que as atividades “práticas” seriam também reduzidas à organização e execução de manifestações, confrontos com as forças da reação, greves, ocupações urbanas e rurais e demais.

Tal noção seria correta apenas se partíssemos da perspectiva metafísica que cinde teoria e prática. Partindo da dialética, contudo, para quem a teoria e a prática caminham sempre de mãos dadas e não as soltam de jeito algum, compreenderemos que tanto rodas de estudos, estudos individuais, discussões sobre a situação nacional, quanto a organização e execução de greves, manifestações, etc., são ao mesmo tempo teóricas e práticas. Um grupo de estudos é tão prático quanto uma greve, e uma greve é tão teórica quanto um grupo de estudos. É importante pensar segundo esta noção, pois tanto em um quanto em outro, há uma concepção teórica por trás que orienta o desenvolvimento prático de um determinado trabalho. Tanto o “teórico” grupos de estudos quanto a “prática” greve, em seus respectivos desenvolvimentos, produzem teorias que enriquecem as formas de organizar ambos os trabalhos praticamente, não cabendo de forma alguma, portanto, a concepção que enrijece e tira a abrangência das noções de “teoria” e “prática”.

Se nos questionamos se estamos sendo “teóricos” ou “práticos” demais, portanto, cabe apenas a reflexão de que toda e qualquer atividade desenvolvida por um grupo nada mais são que formas diferentes de manifestação de uma determinada concepção política, seja ela correta ou equivocada, e que todas estas formas são necessárias e servem, a depender de seu manejo, ao entrave ou ao desenvolvimento de uma mesma concepção política. Qual atividade será priorizada dependerá da etapa e das perspectivas de curto, médio e longo prazo de determinado grupo, levando-se em conta que excluir completamente uma em detrimento da outra resultará em uma prática limitada e, por conseguinte, em uma teoria limitada.

Esta reflexão nos serve para evitarmos erros práticos muito recorrentes em nossos meios. Dado que a concepção equivocada coloca “teoria” e “prática” como atividades específicas, por exemplo, há uma distorção até mesmo de clássicos Marxistas para justificar estes mesmos erros. Lenin dizia que “a prática é superior ao conhecimento (teórico), pois ela tem não somente a dignidade do universal, mas também a da realidade imediata.” Distorcendo esta noção, conclui-se, dada a “prática” ser superior à “teoria”, que o valor de uma organização, grupo, ou mesmo indivíduo, seu nível de compromisso com a causa do povo brasileiro, medir-se-ia pela presença dele no maior número possível de ocupações, greves, manifestações, petições, piquetes, “ações diretas”, independentemente da perspectiva por ela adotada ou por seu nível de influência nestas ações em virtude da capacidade organizativa e ideológica de seus membros. Cai-se inevitavelmente no desvio “movimentista”, em uma prática anárquica que não serve às complexas tarefas históricas que se colocavam diante da classe operária brasileira.

Até mesmo a famosa frase de Lenin segundo a qual “sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário” é profundamente distorcida para se justificar o outro comum desvio de natureza “intelectualista”. Mais uma vez, aqui, compreende-se “teoria” estritamente como um trabalho livresco e de abstração, chegando-se à conclusão de que somente após uma quantidade imensurável de desenvolvimentos “teóricos”, seria possível atingir um movimento revolucionário “ideal”, passando-se então para a nova etapa “prática”. Consequência deste desvio não pode ser senão o divórcio completo dos socialistas e comunistas da luta das massas brasileiras, o imobilismo político e a redução de nossos círculos socialistas à condição de seitas, incapazes de se tornarem forças políticas reais capazes de jogar um papel relevante na luta contra a reação brasileira, lacaia do imperialismo.

A separação falsa entre os “bons teóricos” e “maus práticos”, e vice-versa

Na esteira da cisão entre a teoria e a prática, chega-se também à noção nociva segundo a qual é possível conceber um indivíduo ou organização que seja um “bom teórico”, mas um “mau prático”, e vice-versa, novamente a partir da outra noção errada segundo a qual o aspecto “teórico” se reduziria à carga de conhecimentos obtida por meio da leitura de livros e jornais, rejeitando a amplíssima carga de conhecimento capaz de se obter não somente por meio da leitura – algo, sem sombra de dúvidas, de importância crucial –, como por meio da experiência obtida nas lutas de massas, contra a polícia e pelas próprias situações vividas por determinado indivíduo de acordo com sua origem de classe ou outros fatores.

Para justificar a noção do “bom teórico e mau prático”, e vice-versa, recorre-se frequentemente à caricatura de intelectuais que, embora sejam pretensos “especialistas” em Marxismo, nenhuma capacidade teria em termos práticos. “Muita teoria e pouca prática”, já diria a máxima. Semelhante indivíduo, se é um bom teórico, é, por conseguinte, um bom prático. Mas se é um mau prático, significa que é também um mau teórico, de visão limitada e incapaz dar respostas para os problemas práticos, imediatos e futuros, dos movimentos das massas trabalhadoras brasileiras. Vejamos. O Marxismo estabelece que o conhecimento o humano se desenvolve nos três âmbitos da luta pela produção, luta de classes e experimentação científica, todos eles interdependentes e indissociáveis. Caso alguém se limite ao terceiro aspecto da experimentação científica, apenas produzirá uma teoria extremamente limitada que se traduzirá em uma prática limitada. Ademais, a caricatura do intelectual pedante não é menos prática que nenhum de nós! Limitar-se ao conhecimento livresco às quatro paredes é também uma prática, ainda que uma prática reformista.

Pelo mesmo raciocínio, não é possível conceber um bom prático que não seja, igualmente, um bom teórico.

Por mais nociva que seja esta noção, ela se encontra amplamente difundida entre os círculos e partidos que se reivindicam socialistas ou comunistas em nosso país, e encontra sua expressão danosa para a prática sob diversas formas. Uma delas, a mais recorrente, é o burocratismo. Dado que, em um grupo ou organização, há os “bons teóricos e maus práticos” e os “maus teóricos e bons práticos”, forma-se frações “teóricas” e “práticas”. As frações “teóricas”, geralmente organizadas nas direções e altos cargos, se limitam a pensar, a produzir teorias, ao passo que as frações “práticas”, frequentemente organizadas nas bases de menor escalão, se limitam a executar e por em “prática” as “teorias” produzidas pelos grupos “teóricos”, o que acaba por gerar enormes confusões e limitações na prática geral destes grupos.

As direções e bases dos coletivos e partidos são igualmente teóricas e práticas, e devem expressar a teoria e a prática da concepção política, programa, etc. que os guiam, diferenciando-se “apenas” por suas funções, atribuições, e pelo escalão que cumprem na hierarquia de uma organização em termos de autoridade. É desta forma que tal questão deveria se manifestar, em nosso entender, em um grupo ou partido que se pretenda realmente comunista. Militantes das bases que se encontram no dia-a-dia com as massas, em seus respectivos locais de trabalho, estudo e moradia, investigando seus problemas e aspirações, possuem uma responsabilidade imensa de serem teóricos de primeiro calibre, para produzirem as teorias a partir de suas respectivas vivências, explicarem às massas claramente a política partidária, serem ousados e convincentes nos discursos e debates, e traduzirem tal política partidária na ação coletiva das massas em seus diferentes âmbitos. São teóricos e práticos, conforme já exaustivamente falamos. Todo partido ou grupo que concentre intelectuais de primeiro calibre apenas nas direções, e possua militantes de base pouco esclarecidos, frequentemente formados a partir de manuais que não vão além do “beabá” teórico, jamais conseguirá que as ideias revolucionárias sejam apropriadas pelas massas trabalhadoras em suas lutas. É evidente que as altas direções, por terem acesso a relatórios e informações amplíssimas, que abrangem frequentemente muitos municípios, locais de trabalho, células partidárias, etc., e por serem geralmente formadas por militantes mais antigos e maior experiência, devem ter o compromisso de conformar as diferentes teorias produzidas a partir dos organismos de base na teoria de todo o partido (rejeitando, evidentemente, as teorias erradas que possam aparecer), difundir as boas experiências, disseminar as formas corretas com as quais foram combatidos determinados erros, conformar perspectivas de abrangência nacional em curto, médio e longo prazo, em um trabalho tão prático e teórico quanto dos militantes de base. Mas mesmo o trabalho das altas direções apenas cairá em erros graves caso as bases não estejam suficientemente capacitadas.

Se assim agirmos, capacitando teórica e praticamente, ao mesmo tempo, as direções e bases partidárias e dos círculos socialistas, certamente estaremos de guarda muito mais levantada para os males do burocratismo, subjetivismo e demais.

Esforcemo-nos em compreender corretamente a noção de “teoria” e “prática”

Colocamos acento na unidade entre teoria e prática, unidade frequentemente negligenciada pelos que se reivindicam socialistas e comunistas em nosso país. Mas é necessário que, em termos conceituais, diferenciemos também o significado de teoria e prática, ao mesmo tempo em que as compreendemos como duas etapas unificadas, interdependentes, na luta dos seres humanos pela conformação do conhecimento.

Citamos novamente Lenin – desta vez, sem distorcê-lo – para sustentar que “a prática é superior ao conhecimento (teórico), pois ela tem não somente a dignidade do universal, mas também a da realidade imediata.” Isto é, a prática antecede a teoria. A prática social constitui a ação humana para a transformação da realidade. Mas os seres humanos não transformam a realidade a partir do nada, e sim a partir das necessidades que têm nas diferentes etapas de seu desenvolvimento histórico. É por esta razão que a noção de prática social abrange uma amplíssima gama de atividades, que pode ir desde a mera observação à realização de uma revolução social. A prática, desde a mera observação ao auge da revolução social, produz em nós determinadas sensações que nos levam à reflexão sobre a realidade, à formação de conhecimentos e conceitos sobre os mais diferentes fenômenos, conhecimentos e conceitos estes cujas verdades podem ser confirmadas apenas, novamente, pela prática. Se, por um lado, a prática constitui exatamente o processo de contato de nossos sentidos com a realidade material, por outro, a teoria conforma todo este conjunto de conhecimentos, reflexões, etc. que se conformam no cérebro humano, a partir do qual, por sua vez, pode-se produzir uma prática qualitativamente superior.

Evidentemente, esta diferença conceitual entre teoria e prática acentua, ao invés de amenizar, a firme unidade entre ambas.

O Presidente Mao Tsé-Tung assim comenta, em seu “Sobre a Prática”: “Pela prática, descobrir as verdades e, igualmente pela prática, confirmá-las e desenvolvê-las. Passar ativamente do conhecimento sensível ao conhecimento racional; depois, passar do conhecimento racional à direção ativa da prática revolucionária, para transformar o mundo subjetivo e objetivo. A prática, o conhecimento, e novamente a prática e o conhecimento, essa forma, na sua repetição cíclica, é infinita. Além disso, o conteúdo de cada um desses ciclos de prática e de conhecimento vai-se elevando a um plano cada vez mais alto. Tal é, no seu conjunto, a teoria materialista-dialética do conhecimento, tal é a concepção materialista-dialética da unidade do conhecimento e da ação.”

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