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"Sudão, muito longe da paz"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • 2 de abr.
  • 5 min de leitura

 

As consequências finais da guerra civil sudanesa, que em poucas semanas completará dois anos, ainda são imprevisíveis, pois seu desfecho parece tão incerto quanto distante.

 

Alguns números, no entanto, mostram a brutalidade dos combates entre as Forças Armadas do Sudão (FAS) e as Forças de Apoio Rápido (FAR), as antigas milícias Janjaweed (cavaleiros armados). Esse grupo paramilitar esteve incrustado na estrutura do poder por décadas e, como um tumor, quando se tentou erradicá-lo, percebeu-se que já era tarde demais.

 

Mais de quinze milhões de deslocados, dos quais cerca de três milhões e meio já fugiram do país; cidades demolidas; infraestrutura destruída, incluindo estradas, escolas, hospitais, usinas elétricas, estações de tratamento de água, redes elétricas, sistemas de esgoto, comunicações, mercados, aeroportos e todo o sistema produtivo, especialmente o alimentício.

 

O número de mortos é praticamente impossível de calcular. Nunca poderá ser inferior a setenta mil, pois batalhas e bombardeios estão sendo travados em bairros que já foram completamente destruídos inúmeras vezes, impossibilitando o resgate de vítimas.

 

O mesmo acontece em várias cidades e centros urbanos da região de Darfur, onde as FAR continuam o genocídio interrompido há vinte anos contra as etnias zurga (fur, masalit e zaghawa). Já foram descobertas valas clandestinas com centenas de corpos, nas quais os paramilitares tentam esconder os horrores cometidos.

 

A lista de sofrimentos dos 50 milhões de sudaneses cresce a cada dia, incluindo os milhões de crianças que tiveram sua infância roubada. No melhor dos casos, foram arrastadas pelos pais para caminhos incertos, fugindo da guerra, apenas para terminar amontoadas em campos de refugiados onde falta absolutamente tudo.

 

Isso sem contar aquelas que testemunharam a morte de seus familiares ou viram suas mães e irmãs sendo vítimas de estupros em massa – uma arma tão comum nesta guerra quanto os fuzis Kalashnikov ou os lançadores de foguetes RPG-7.

 

As divisões de ódio étnico, político e tribal parecem condenar o Sudão, senão a uma completa fragmentação, a uma divisão em pelo menos dois blocos claramente definidos: Darfur sob controle paramilitar e o que poderia ser chamado de “Sudão Oriental”.

 

No entanto, essa possibilidade não é uma certeza e muito menos algo definitivo ou imediato. Assim, os sofrimentos do povo sudanês continuarão por muito mais tempo, apesar da publicitada presença do general Abdel Fattah al-Burhan, chefe das FAS e presidente nominal do Sudão, em Cartum, na última quinta-feira, dia 27, ostentando um ar de triunfador em uma guerra ainda longe de acabar, mesmo após 23 meses.

 

Mais da metade da população está em estado de insegurança alimentar, segundo o Programa Mundial de Alimentos da ONU, enquanto outras 700 mil pessoas sofrem de fome severa. Mesmo que recebam assistência imediata, as sequelas dessa tragédia os acompanharão pelo resto da vida.

 

Os avanços recentes do exército, tanto em Cartum – onde recuperaram o palácio do governo, último bastião de resistência das FAR na cidade após meses de combates – quanto em Omdurman, cidade vizinha de Cartum, na confluência do Nilo Azul e do Nilo Branco, não indicam o fim do conflito.

 

Nessa ofensiva das FAS, também se destaca a retomada do principal aeroporto do país, há poucos dias. Esses avanços permitiram ao exército assumir o controle de uma importante faixa da fronteira com a Etiópia, ao sul, estendendo-se por cerca de mil quilômetros, e realizar ofensivas na costa do Mar Vermelho, onde já controlavam Porto Sudão. Além disso, reconquistaram áreas importantes das províncias do Nilo Branco e Gezira e romperam o cerco à cidade de El-Obeid, capital da província de Kordofan do Norte. Esses movimentos confirmam a preeminência do exército no centro e no leste do país, enquanto toda a região de Darfur – com uma área pouco menor que a da Espanha – continua sob domínio paramilitar.

 

Chade, uma fronteira cada vez mais tensa

A região de Darfur, juntamente com o eixo urbano Cartum-Omdurman, tem sido o epicentro da guerra mais violenta. Como resultado, das cinco províncias de Darfur, ondas de deslocados têm fugido para o Chade, país com o qual compartilham uma fronteira de 1.400 quilômetros. Entre 800 mil e 1,5 milhão de pessoas buscaram refúgio ali.

 

Essa chegada massiva de refugiados, que ultrapassou completamente a capacidade dos campos e os recursos da ONU, colocou o Chade em estado de alerta. Apesar de ser um dos países mais pobres do mundo, o Chade possui um dos exércitos mais poderosos do Sahel. Por décadas, foi o gendarme delegado pela França no coração da África colonial francesa – uma influência que está em total declínio, por decisão do governo do general Mahamat Déby. Isso tem gerado tensões internas significativas, algumas incentivadas por Paris e Washington, agravadas ainda mais pela crise dos refugiados sudaneses na fronteira leste.

 

Esse cenário levou N’Djamena a declarar, na segunda-feira, 24, que responderá de forma contundente caso se concretize a ameaça do vice-comandante do exército sudanês, o tenente-general Yasser al-Atta, que afirmou que os aeroportos de N’Djamena, capital do Chade, e o Internacional Maréchal Idriss Déby, na província de Ennedi Oriental, próxima à fronteira com o Sudão, são “alvos legítimos” para o exército sudanês.

 

Al-Atta também advertiu que o Sudão pode tomar represálias contra as autoridades dos Emirados Árabes Unidos e do Sudão do Sul, países acusados de apoiar os paramilitares. O governo chadiano respondeu afirmando que consideraria qualquer ataque como um ato de guerra.

 

A oposição no Chade acusa o Sudão de há mais de 60 anos tentar desestabilizar o país, apoiando rebeliões e até grupos terroristas como o Boko Haram.

 

As ameaças do exército sudanês se baseiam em suspeitas – até agora pouco comprovadas – de que os Emirados Árabes Unidos enviam ajuda militar para os aeroportos mencionados, de onde seria transportada até a fronteira e entregue aos paramilitares das FAR. Em resposta, no dia 24, o general al-Burhan denunciou os EAU na Corte Internacional de Justiça (CIJ). O Chade, por sua vez, negou qualquer envolvimento com os Emirados ou interferência na guerra civil sudanesa.

 

Os Emirados Árabes Unidos têm interesses geoestratégicos na África, incluindo o Sudão, e buscam garantir acesso a recursos naturais. O país é o principal comprador de ouro sudanês, um setor controlado pessoalmente pelo líder das FAR, Mohamed Hamdane Daglo, conhecido como Hemetti, que de simples criador de camelos se tornou um dos homens mais ricos do Sudão através da mineração ilegal de ouro.

 

Outro ponto de tensão entre Cartum e N’Djamena é a presença de grupos de autodefesa zaghawa em El-Fasher, capital de Darfur do Norte, que resistem há mais de um ano ao cerco paramilitar. O líder desses grupos é Ousman Dillo Djérou, irmão do opositor chadiano Yaya Dillo Djérou, assassinado pelos serviços de inteligência do Chade em março passado, durante a campanha presidencial que levou Mahamat Déby ao poder.

 

Com o Sudão prestes a completar dois anos de guerra civil, a escalada do conflito ameaça desestabilizar ainda mais a região, podendo arrastar o Chade e o Sudão do Sul para uma guerra ainda mais ampla, mantendo a paz cada vez mais distante.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

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