Rodney: "Algumas questões sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento"

O que é desenvolvimento?
Desenvolvimento na sociedade humana é um processo multifacetado. No plano puramente individual implica maior perícia e capacidade, maior liberdade, criatividade, autodisciplina, responsabilidade e bem-estar material. Alguns desses pontos são categorias morais difíceis de avaliar – dependendo do momento histórico em que se vive, da origem de classe de cada um, da sua maneira de entender o que é certo e errado. Contudo é absolutamente indiscutível que a prossecução de qualquer um desses aspectos de desenvolvimento pessoal está completamente interligado com o estado da sociedade como um todo. Desde os primeiros tempos nos quais o homem descobriu que seria conveniente e necessário agrupar-se para procurar os meios de sobrevivência. As relações que se desenvolvem dentro de cada grupo social são essenciais para a compreensão da sociedade como um todo. A liberdade, a responsabilidade, a capacidade etc. só adquirem real significado se entendida como relações do homem em sociedade.
É evidente que todo o grupo social mantém contatos com outros. As relações individuais são reguladas pelas sociedades. As suas respectivas estruturas políticas são importantes, pois os elementos reguladores dentro de cada grupo são os que determinam o diálogo, o comércio ou a luta conforme o caso. A nível de grupo social, desenvolvimento implica uma capacidade cada vez maior de regular as relações quer internas quer externas. A história tem sido na sua maior parte uma luta pela sobrevivência, contra os fenômenos naturais e inimigos humanos reais e imaginados. No passado, desenvolvimento sempre significou o fortalecimento da aptidão de conservar a independência do grupo social, e na realidade, para infringir a liberdade dos outros – algo que muitas vezes não correspondia à vontade individual dos elementos que compunham as sociedades envolvidas.
O homem não é o único ser que atua em grupo, mas a espécie humana desenvolveu uma linha ímpar de evolução, pois o homem tem capacidade para fabricar e utilizar instrumentos. O próprio ato de fabricação de utensílios é mais um estímulo para o desenvolvimento da razão, que a consequência de um intelecto aperfeiçoadamente amadurecido. Em termos históricos a importância do trabalhador manual tem sido, em todos os aspectos, tão grande como a do pensador, visto que o trabalho com instrumentos, libertando o homem da necessidade de fora bruta, possibilitou-lhe o domínio sobre espécies mais poderosas e sobre a própria natureza. A qualidade dos instrumentos e a forma de organização de trabalho são ambos importantes índices de desenvolvimento social. É frequente utilizar-se o termo “desenvolvimento” num sentido exclusivamente econômico – argumenta-se dizendo que a estrutura econômica é por si mesmo um índice dos outros fatores sociais. Que é então o desenvolvimento econômico? Uma sociedade desenvolve-se economicamente à medida que os seus membros incrementam em conjunto a sua capacidade de dominar o ambiente. Essa capacidade de dominar o ambiente depende da medida em que ele compreende as leis da natureza (ciência) e da medida em que põe essa compreensão em prática projetando utensílios (tecnologia) e do modo pelo qual organiza o seu trabalho. Em termos históricos pode afirmar-se que tem havido constante desenvolvimento econômico desde as origens do homem, porque a humanidade multiplicou enormemente a sua aptidão para conquistar da natureza os seus meios de subsistência. A magnitude da obra levada a cabo pelo homem será melhor entendida se, recuando-nos aos primórdios da sociedade humana, anotarmos o seguinte: em primeiro lugar, o salto da pedra lascada ao uso dos metais; depois, a ultrapassagem dos tempos da simples caça e apropriação direta dos frutos silvestres para a cria de animais domésticos e agricultura; e terceiro, o melhoramento da organização do trabalho, que deixa de ser mera atividade individual para assumir um caráter social pela participação de muitos.
Todos os povos provaram capacidade para livremente desenvolver a sua aptidão de viver uma vida cada vez mais satisfatória através de utilização dos recursos naturais. Todos os continentes participaram de forma independente nos primeiros passos do alargamento do controle humano sobre o seu meio ambiente – o que significa na prática que todos os continentes podem apontar um período de desenvolvimento econômico. A África, berço original do gomem, participou largamente do professo pelo qual grupos humanos viram extraordinariamente multiplicada sua capacidade de extrair meios de subsistência do meio ambiente. Na verdade, em tempos remotos, a África foi o foco de desenvolvimento físico do homem, como ser diferente dos outros seres vivos.
Desenvolvimento é um fenômeno universal pois que as condições conducentes à expansão econômica são universais. Por toda parte o homem foi obrigado a encarar o desejo da sobrevivência: a necessidade de satisfazer as carências fundamentais, e melhores utensílios são uma consequência do recontro homem-natureza, como parte da luta pela sobrevivência. É evidente que a história da humanidade não é um eterno relato de progresso. Períodos houve em qualquer parte do globo em que se verificaram retrocessos temporários com real redução da capacidade de satisfazer as necessidades primárias e produzir outros serviços para a população. Mas a tendência geral foi um aumento da produção e, em momentos históricos determinados, o aumento quantitativo dos bens conduziu a uma mutação qualitativa no caráter da sociedade. Este fenômeno será mais tarde evidenciado no tocante à África, mas podemos desde já ir buscar o exemplo da China para provar a aplicação universal da lei da mudança (quantitativamente qualitativa).
Os primeiros homens na China viviam à mercê da natureza e paulatinamente foram descobrindo algumas coisas básicas como o fato de que o fogo pode ser acesso pelo homem e que certas sementes podem ser plantadas para a satisfação de necessidade alimentares. Essas conquistas possibilitaram aos habitantes da China a constituição de comunidades agrícolas que utilizavam instrumentos de pedra e produziam o necessário para a sua subsistência. Datam de vários milhares de anos antes do nascimento de Cristo ou da revelação do profeta Maomé. Os bens produzidos em tal estágio eram divididos, mais ou menos equitativamente, entre membros da sociedade que vivia e trabalhava em famílias. Ao tempo da dinastia T’Ang, século VII d.C., a China havia expandido a sua capacidade econômica de molde a não só produzir mais alimentos, mas também manufaturar uma extensa gama de serventias, sedas, porcelanas, barcos, investigações científicas. A esse aumento quantitativo na produção de bens correspondiam mutações qualitativas na sociedade chinesa. Com o decurso do tempo formou-se um estado, num lugar onde somente houvera unidades autogovernadas. Em vez de cada família ou cada indivíduo permanecer indiscriminadamente a trabalhar na agricultura, na construção de casas, na tecelagem etc., desenvolveu-se a especialização de funções. A maior parte da população continua ainda adstrita à agricultura, mas aparecem artesãos, peritos no fabrico de sedas e porcelanas, burocratas que administram o Estado e religiosos e filósofos Budistas e Confucionistas que se especializam na tentativa de explicar as coisas que ultrapassam os limites da compreensão imediata.
Com a especialização e a divisão do trabalho não só aumenta a produção como torna desigual a distribuição. Uma pequena fracção da sociedade, precisamente a fracção que menos riqueza produz, passa a apossar-se de uma fatia desproporcionalmente à grande do produto do trabalho humano. É-lhe possível fazer isso porque se geram desigualdades na propriedade do principal meio de produção que é a terra. A propriedade comum da terra começa a desaparecer à medida que uma minoria se apropria da maior parte dela. As mutações na propriedade da terra são parte integrante do desenvolvimento no seu sentido mais alto. É por isso que desenvolvimento não pode ser visto como algo puramente econômico, mas como um processo global da sociedade, o qual depende de êxito dos esforços do homem para dominar o meio ambiente.
Um estudo cuidadoso torna possível a compreensão de alguns dos muito complicados elos entre a mutação da base econômica e a evolução da superestrutura da sociedade – que inclui a esfera da ideologia e das crenças da sociedade. A ultrapassagem da comuna primitiva na Ásia e na Europa, por exemplo, produziu os códigos morais específicos do Feudalismo. O comportamento dos cavaleiros europeus tem muito em comum com o dos samurais e guerreiros japoneses. Desenvolveram noções da chamada cavalaria – em contrapartida, o camponês foi obrigado a aprender humildade extrema, deferência e obediência – simbolizada pelo dever de descobrir-se e manter a cabeça baixa frente aos superiores. Também em África essa diferenciação em classes levou à prática de os populares se prostrarem perante os monarcas e aristocratas.
Entendido este ponto, fica bem claro que a tosca igualdade familiar deu lugar a uma nova forma de sociedade.
Em ciências naturais é fato conhecido que em muitas situações a mudança meramente quantitativa se transforma em mudança qualitativa após certo período. Exemplo clássico é o da capacidade da água em absorver calor (processo quantitativo) até 100°C e transformar-se depois em vapor de água (mudança qualitativa). Semelhantemente nas sociedades humanas a expansão quantitativa da economia conduz muitas vezes a uma mutação qualitativa na forma das relações sociais. Karl Marx, no século XIX, foi o primeiro escritor a analisar este fato, distinguindo na história da Europa vários estágios de desenvolvimento. O primeiro grande estágio que se seguiu aos bandos nômades coletores foi a comuna primitiva onde a propriedade era coletiva, o trabalho feito em comum e os bens distribuídos equitativamente. O segundo estágio foi o escravagista, provocado pela expansão dos elementos dominantes de dentro da família e pela submissão física de uns grupos por outros. Os escravos desempenharam uma grande variedade de tarefas, mas a sua principal função era produzir alimentos. No feudalismo, estágio seguinte, a agricultura continua a ser a principal forma de produção, mas a terra, meio necessário, é açambarcada por um pequeno número que se apropria de parte do leão na distribuição da riqueza. Os trabalhadores da terra (agora denominados servos) não mais são propriedade pessoal dos senhores, mas estão adstritos à gleba de um (senhor) feudo particular. Quando o feudo muda de titular os servos permanecem ali, trabalhando para alimentar o senhor feudal, conservando estritamente o produto necessário à sua subsistência. Assim como eram escravos os filhos de escravos, assim os filhos de servos, servos são. A fase seguinte, o Capitalismo, caracteriza-se porque então a sociedade produz a maior parte da sua riqueza, não na agricultura, mas nas fábricas e minas. Caracteriza-se, tal como a fase anterior, por uma concentração dos bens de produção e por uma desigual distribuição do produto do trabalho humano. Agora domina a burguesia, classe que teve a sua origem nos comerciantes e armadores da época feudal, e que se tornaram industriais e financeiros. Entretanto, os servos eram legalmente declarados livres para deixarem a terra e irem trabalhar nas empresas capitalistas. Dessa maneira, a sua força de trabalho é uma mera mercadoria – algo que pode ser comprado e vendido.
O estágio seguinte seria o Socialismo (defende-se que uma nova era havia de vir – a do Socialismo), no qual a lei de igualdade econômica seria reestabelecida como na comuna primitiva. Em termos econômicos cada uma dessas fases representava desenvolvimento no estrito sentido de que a capacidade humana de dominar a natureza e, por tal motivo, produzir uma quantidade maior de meios de subsistência para a comunidade ser continuamente incrementada. A maior produção de bens e serviços era determinada pela maior perícia e criatividade do homem. A espécie humana se libertara na medida em que dispunha de maiores oportunidades para manifestar e desenvolver as suas capacidades. Contudo, é indiscutível que o homem se tenha elevado no sentido moral. O desenvolvimento da produção alargou o leque de poderes que uma classe tinha sobre outras e multiplicou a violência, parte integrante da competição pela sobrevivência e crescimento entre grupos sociais. Não se poderá peremptoriamente afirmar que o soldado lacaio do capitalismo na última grande guerra era menos “primitivo” no sentido elementar da palavra, do que o soldado dos exércitos do Japão feudal do século XVI ou que o nômade caçador ainda na fase mais atrasada da organização humana, nas florestas do Brasil, não obstantes sabermos que, no decurso destas três épocas[1], melhorou extraordinariamente o nível de vida. A vida tornou-se menos arriscada e menos incerta e os membros da sociedade passaram a dispor de maior possibilidade potencial de determinar seus destinos. Desenvolvimento implica todos esses elementos.
A história dessas sociedades que passaram por vários modos de produção oferece a oportunidade de verificar como as mudanças quantitativas acabam por dar lugar a sociedades inteiramente diferentes. O fator chave é que, em uma dada conjuntura, as relações sociais efetivamente existentes contrariam o desenvolvimento histórico. Começam a atuar como travão sobre as forças produtivas devendo, por isso, ser eliminadas. Tomemos, como exemplo, o Escravismo europeu. Conquanto moralmente indefensável, a escravidão conseguiu abrir minas e desenvolver plantações agrícolas em grande parte da Europa, particularmente dentro das fronteiras do Império Romano. Mas os camponeses, tornados livres, viram o seu trabalho subvalorizado e subutilizado por causa do trabalho-escravo. O escravo não era utilizado em nenhum trabalho que requeria perícia e, assim a evolução tecnológica da sociedade ameaçava estagnar-se. Além disso, os escravos revoltavam-se e não era fácil nem pouco dispendioso pacificar seus levantamentos. Os proprietários das terras, percebendo o ruir da sua situação, decidiram que melhor seria garantir a liberdade legal reclamada pelos escravos e garantir a continuidade da exploração do trabalho desses servos livres pela concentração da propriedade das terras de cultura nas suas próprias mãos. Em consequência disso, um novo esquema de relações sociais – senhor feudal, servo – substitui as velhas relações servo-escravo.
Algumas vezes, em momentos críticos, a instauração do novo modo de produção acompanhava-se de violência. Isso acontecia quando as classes dominantes envolvidas se sentem ameaçadas pelo processo de mudança. Os senhores feudais mantiveram o poder por séculos, durante os quais os interesses econômicos mercantis e manufatureiros se fortaleciam e aspiravam apossar-se do poder político e hegemonia social. Quando existe tal polarização nas relações sociais é elevada a consciência das classes que alcança um alto nível. A classe feudal e a burguesa reconheciam o que estava em jogo. A primeira esforçava-se por conservar um sistema de relações sociais incompatível com a nova tecnologia e organização de trabalho. A classe burguesa desencadeou revoluções na Europa nos séculos XVIII e XIX para destruir as antigas relações de produção. Os conceitos de revolução e consciência de classe devem estar sempre presentes quando se deseja examinar a situação moderna do operário e do camponês em África. Entretanto, em África, em sua maior parte, as classes existentes aparecem incompletamente cristalizadas e as mutações têm sido mais graduais que revolucionárias. De grande relevância para a compreensão do desenvolvimento da África antiga é, provavelmente, a lei do desenvolvimento desigual das forças produtivas.
Se é verdade que, embora todas as formações sociais tenham experimentado o processo do desenvolvimento é igualmente verdade que o grau de desenvolvimento das forças produtivas apresenta desigualmente de continente para continente, ou de região para região do mesmo continente. Em África, há 25 séculos atrás, a sociedade egípcia demonstrou ser capaz de produzir riqueza em abundância, devido a profundidade dos conhecimentos científicos que adquirira e da invenção de tecnologia adequada para irrigação, agricultura e mineração. Na mesma altura, de arcos e maças de madeira dependia a maior parte dos povos da África – e de várias outras partes do mundo, como, por exemplo, as Ilhas Britânicas.
Uma das realidades mais difíceis de explicar é o desenvolvimento desigual das forças produtivas. Parte da resposta deve ser procurada no diferente condicionalismo natural que envolve a formação social considerada e outra parte na superestrutura dessa mesma sociedade. Isso significa que a luta pelos meios de subsistência cria formas de relações sociais, sistemas políticos, padrões de comportamento e crenças que em conjunto formam a superestrutura – que não é nunca exatamente a mesma em duas sociedades. Os elementos superestruturais integram-se entre si e com os da base material. Por exemplo, os padrões políticos e religiosos interligam-se e são muitas vezes indistinguíveis. A crença de que determinada floresta é sagrado, interfere com a base econômica visto que essa floresta não pode ser abatida e o terreno aproveitado para o cultivo. Não obstante, em última análise, a passagem para uma fase mais avançada de o desenvolvimento humano depender sobretudo da capacidade técnica do homem para dominar o ambiente, é preciso ter sempre presente que as peculiaridades superestruturais de qualquer sociedade têm uma considerável importância no processo de desenvolvimento.
Espantam-se os estudiosos pelo fato da China se não ter tornado nunca um país capitalista. A sua fase feudal data virtualmente de mil anos antes do nascimento de Cristo; desenvolveu enormemente sua tecnologia; dispunha de um elevado número de marinheiros e artesãos. Apesar disso, o modo de produção nunca se transformou naquele em que as máquinas são o principal meio de produção e os detentores do capital são a classe dominante. (A explicação é muito complexa, mas, em termos gerais, as principais diferenças entre a China feudal e a Europa feudal residem na superestrutura, isto é, no corpo de princípios, crenças e instituições sociopolíticas que são determinadas pela base material, mas em contrapartida agem sobre ela). Na China, valores religiosos, educacionais e burocráticos eram da maior importância e o poder era controlado por uma capa de oficiais, mais do que o exercido por cada senhor feudal nos seus domínios. Além disso, a distribuição das terras era muito mais equitativa que na Europa e ao Estado pertencia a maior parte da terra. Em consequência disso, os senhores feudais dispunham de maior poder como burocratas do que como latifundiários e serviam-se disso para manter as relações sociais nos mesmos moldes. É evidente que lhes seria impossível impedir indefinidamente o processo histórico, mas a verdade é que o conseguiram retardar. Na Europa o peso da capa de burocratas não podia ocultar as contradições.
A atitude dos primeiros capitalistas que apareceram na sociedade europeia atuou como um catalizador do desenvolvimento. Nunca, em nenhum momento histórico, se viu um grupo social lutar tão conscientemente para a prossecução do lucro como fim último.
Tendo em vista tal objetivo, os capitalistas interessaram-se extraordinariamente pelo conhecimento das leis científicas que podia ser aplicado em maquinaria de modo que o trabalho produzisse maiores lucros em seu proveito. No plano político o capitalismo é também responsável por muitas das fórmulas hoje conhecidas como “Democracia Ocidental”. Ao abolir o feudalismo, os capitalistas passaram a defender o parlamentarismo, a constituição, a liberdade da Imprensa etc. Também não pode ser considerado desenvolvimento. Contudo, para que isso se realizasse, os camponeses e operários da Europa (e eventualmente os habitantes do mundo inteiro) tiveram que pagar um preço exorbitante visto que o trabalho humano é condição prévia de todas as máquinas. Isso põe em relevo outras facetas do desenvolvimento, principalmente se analisando pelo prisma dos que suportaram e ainda suportam o processo do sistema. Ora, tal grupo constitui a maioria da humanidade. Para progredir precisa derrubar o capitalismo. É por isso que, neste momento, o capitalismo impede o caminho ao progresso humano. Por outras palavras, as relações sociais do capitalismo estão agora ultrapassadas, assim como as escravagistas e as feudais se tornaram ultrapassadas no seu tempo.
Houve um período durante o qual o sistema capitalista conseguiu melhorar o bem-estar de muitos, como subproduto da corrida ao lucro de alguns povos. Mas hoje, essa cota do lucro entra em conflito aberto com as exigências do povo que clama pela satisfação das necessidades materiais e sociais. A classe burguesa já não é mais capaz de controlar o desenvolvimento indisciplinado da ciência e da tecnologia – uma vez mais porque tais objetivos estão agora em contradição com a racionalidade do lucro. O capitalismo provou-se incapaz de resolver contradições banais, tais como a subutilização da capacidade produtiva, a persistência de uma classe de desempregados, crises econômicas ligadas ao conceito de mercado – o que depende das possibilidades de o povo pagar o que pensa. O capitalismo criou também suas nacionalidades específicas, o racismo branco, ou seja, a que dispuser de menor capacidade econômica, é afetada nefastamente – e aumenta-se o fosso entre as duas sociedades em presença com as mais danosas consequências. Por exemplo, quando os capitalistas europeus entraram em contacto com os povos caçadores da América e das Caraíbas, os últimos foram virtualmente exterminados. Em segundo lugar, se a sociedade mais fraca sobreviver, ela só poderá reassumir o seu próprio desenvolvimento independente e se colocar em um plano mais avançado que o da economia que anteriormente a dominava. Encontram-se exemplos históricos concretos dessa segunda regra nas experiências da União Soviética, China e Coreia.
A China e a Coreia estavam ambas em um estágio mais ou menos feudal quando foram colonizadas pelas potências capitalistas da Europa e do Japão. A Rússia nunca foi realmente colonizada, mas ainda, na era feudal e antes das suas instituições capitalistas ganharem forma e força, a economia russa foi subjugada pelo capitalismo, na época, mais avançado da Europa Ocidental. Nesses três casos a revolução socialista aboliu a dominação capitalista e unicamente o ritmo acelerado do desenvolvimento socialista podia preencher as brechas deixadas pelo período em que suas economias foram distorcidas e retardadas. Na verdade, a revolução socialista catapultou os dois maiores Estados socialistas a um estágio de desenvolvimento mais avançado do que o da Inglaterra e França, países que há séculos têm seguido a via capitalista.
Na década de 50 (no ponto em que termina este estudo), Rússia, China e Coreia e algumas nações da Europa Oriental, eram os únicos países que tinham cortado definitivamente laços com o capitalismo e o imperialismo. O imperialismo é uma fase do desenvolvimento capitalista no qual as potências capitalistas da Europa Ocidental, os Estados Unidos e o Japão estabelecem uma hegemonia política, econômica, militar e cultural sobre outras partes do mundo que, menos desenvolvidas, não conseguem impedir a dominação. O imperialismo é, de fato, a extensão do sistema capitalista de modo a abarcar o mundo inteiro – uma parte explorada, outra exploradora, uma parte dominada, outra dominadora, uma dirigindo, ordenando, outra obedecendo às ordens.
O socialismo avançou pelos flancos mais fracos do imperialismo - o setor dominado, explorado e reduzido à dependência. Na Ásia e na Europa Oriental o socialismo libertou as energias nacionalistas dos povos colonizados; substituiu a economia de mercado por uma produção que tem em vista a satisfação das necessidades humanas, erradicou estrangulamentos tais como o desemprego permanente e as crises periódicas; e realizou algumas das tarefas básicas da democracia burguesa conseguindo igualdade de condições econômicas, o que é fundamental para que a igualdade política e econômica seja um fato.
O socialismo restaurou a igualdade econômica da comuna primitiva, mas o comunismo não foi prosseguido devido à baixa produtividade econômica. O socialismo pretende e tem consideravelmente alcançado uma produção abundante de modo a ser possível concretizar a igualdade na distribuição com a satisfação das necessidades de todos membros da sociedade.
Um dos principais fatores que possibilitaram a expansão acelerada e racional da produção socialista foi o “desenvolvimento planificado”. O processo histórico atrás referido é o relato de um desenvolvimento involuntário e planificado. (Ninguém planejava que, a um determinado momento histórico, os seres humanos parassem de se servir de instrumentos de pedra e passassem a fabricá-los de ferro e figuras mais recentes.) Quando um empresário capitalista individual planeja a sua própria expansão, não obedece a nenhum plano global de crescimento econômico e social. O Estado Capitalista intervém apenas esporádica e parcialmente para supervisar o desenvolvimento capitalista. O Estado Socialista tem por função principal o controle da expansão econômica em proveito das classes operárias. Os operários e camponeses tornaram-se hoje a força mais dinâmica da história do mundo e do desenvolvimento humano.
Para concluir esta breve introdução a um problema tão complexo como o desenvolvimento social é necessário sublinhar quão inadequadas são as análises do fenômeno apresentadas pelos teóricos burgueses. A maioria concentra-se tacanhamente na análise do desenvolvimento econômico em vez de tentar abarcar o fenômeno na sua riqueza global. Raras vezes o tenta abarcar na sua globalidade, mas, em vez disso, na análise do desenvolvimento econômico. Na definição do economista burguês, o desenvolvimento aparece como simples problema de combinação de fatores de produção: nomeadamente teria população, capital, tecnologia, especialização e organização de empresa. Esses fatores são realente relevantes e nessa medida são citados na análise apresentada; mas os intelectuais burgueses orientam fatores realmente determinantes. Sonegam a exploração da maioria, a qual tem sido uma constante de todas as fases anterior ao socialismo. Não se referem às relações sociais de produção ou à luta de classes. Não fazem referência à sucessão das fases históricas resultantes das diferentes combinações de fatores e meios de produção. Não mencionam o imperialismo, fase lógica do Capitalismo.
Em contrapartida, qualquer análise que se quiser basear nos princípios socialistas e revolucionários deve adotar como conceitos básicos os de classe, do imperialismo, do socialismo e sublinhar o papel histórico dos povos oprimidos e dos operários. Cada conceito novo tem os seus próprios espinhos e não deve pensar que o mero recurso a uma certa terminologia bastaria para resolver problemas. Contudo, é absolutamente necessário dominar as dimensões histórica, sociais e humanas do desenvolvimento (antes de) para que seja possível analisar o subdesenvolvimento e delinear estratégias para o ultrapassar.
O que é o subdesenvolvimento?
Depois de analisarmos o “desenvolvimento” torna-se mais fácil perceber o conceito de subdesenvolvimento. É evidente que subdesenvolvimento não quer significar ausência de desenvolvimento, porque todos os povos se desenvolveram de uma maneira ou de outra, em maior ou menor medida. Subdesenvolvimento só tem sentido se encarado como um modo de comparar diversos níveis de desenvolvimento. Está particularmente ligado ao fato de a evolução das forças produtivas ter sido historicamente desigual e, de um ponto de vista estritamente econômico, alguns grupos humanos terem avançado mais depressa que outros, a ponto de produzirem mais e serem mais ricos.
Quando determinada formação social começa a se sobressair como a mais rica de entre outras surge a necessidade de inquirir, pesquisar, estudar as razões dessa proeminência. Quando no século XVIII a Inglaterra começa a evidenciar-se do resto da Europa, Adam Smith, conhecido economista, estudou as causas do fenômeno em A Riqueza das Nações. Na mesma altura, muitos escritores russos preocupavam-se pelo fato de seu país se mostrar atrasado em comparação com a Inglaterra, França e Alemanha dos séculos XVIII e XIX. Hoje a maior preocupação é a grande disparidade na riqueza da Europa Ocidental e América do Norte, por um lado, África, Ásia e América Latina por outro. Comparando-o com o primeiro, o segundo bloco apresenta-se como atrasado ou subdesenvolvido. Uma das ideias básicas do conceito de subdesenvolvimento é a comparação de padrões. É possível comparar condições, as economias de dois países em períodos diferentes e determinar se evoluiu ou não. Também é possível comparar a economia de dois países ou grupos de países em qualquer dado período.
A segunda ideia básica do moderno conceito de subdesenvolvimento é que o conceito exprime uma relação particular de exploração, nomeadamente a exploração de um país por outro. Todo os países do mundo ditos subdesenvolvidos são explorados por outros; e o subdesenvolvimento que hoje escandaliza o mundo é produto exploração capitalista, imperialista e colonialista. As sociedades africanas e asiáticas seguiam o seu próprio desenvolvimento quando foram direta e indiretamente dominadas por países capitalistas. A partir desse momento a exploração cresceu desenfreadamente e a exportação do sobre trabalho dessas sociedades contrariou benefícios do seu trabalho e das suas riquezas naturais. Esses são elementos integrantes do subdesenvolvimento no sentido moderno da palavra.
Alguns círculos tentaram substituir o adjetivo “subdesenvolvimento” pela expressão “em vias de desenvolvimento”, um dos objetivos dessa troca seria dissimular os corolários desagradáveis do primeiro termo, ao qual podem ser atribuídos sentidos vários, como subdesenvolvimento mental, físico, moral, etc. Nos nossos dias, se subdesenvolvimento significasse mais do que mera comparação de economia, o país mais subdesenvolvido seria os EUA, pois não só externamente pratica a opressão em uma escala monstruosa como no plano interno apresenta uma fusão de exploração, brutalidade e desordem psíquica. Contudo, se nos mantivermos em um plano estritamente econômico, será melhor conservar a expressão “subdesenvolvimento”, pois “em desenvolvimento” criaria a impressão de que os países da África, da Ásia e da América Latina estão a atravessar um período de relativo atraso econômico em relação às nações industrializadas, emancipando-se assim das relações de exploração. É manifesto que isso não é verdade e que muitos dos países da África e de outras regiões do mundo vêm cada vez mais aumentando o seu subdesenvolvimento porque a exploração levada a cabo pelas metrópoles se tem intensificado progressivamente e adotado novas formas.
Para comparações econômicas podem utilizar-se quadros estatísticos, índices dos bens e serviços produzidos e consumidos nas sociedades em confronto. Os economistas profissionais falam de Produto Nacional Bruto e Rendimento per capita. Tais expressões, divulgadas por jornais, passaram a fazer parte da linguagem laica sem que fosse apresentada uma explicação unívoca. Será suficiente tomarmos nota que, enquanto o Produto Nacional Bruto é a medida da riqueza total da sociedade, o rendimento per capita obtêm-se dividindo o Rendimento Nacional pelo número de habitantes para dar ideia do rendimento médio de cada habitante. Tal média pode ser mistificada especialmente quando existem grandes desigualdades na distribuição dos rendimentos. Um jovem ugandês sintetizou esta verdade de uma maneira extremamente pessoal ao dizer que o rendimento per capita do seu país dissimulava a extraordinária diferença entre o salário de fome do seu pobre pai, camponês, e os lucros de Madhiani, maior proprietário da região. Ao considerarmos o subdesenvolvimento, torna-se fundamental sublinhar que o processo de desenvolvimento exige o nivelamento das grandes desigualdades na distribuição das terras, das propriedades e dos rendimentos, desigualdades que são camufladas pelos índices de Rendimento Nacional. Houve um tempo em que avançar era entrincheirar grupos privilegiados. Em nossos dias, desenvolvimento tem que significar o processo que elimina os grupos privilegiados e correlativos desprivilegiados.
Não há dúvida de que o rendimento per capita seja um dado útil para comparação de países; e é um fato que os países desenvolvidos têm índices de rendimento per capita várias vezes mais altos que qualquer dos países recentemente independentes da África. O quadro seguinte fornece-nos uma ideia clara do fosso que separa a África e certas nações quanto a rendimento per capita. É esse fosso que permite que a uns se chame desenvolvidos e a outros subdesenvolvidos. Os dados referentes, apresentados ao ano de 1968, são retirados de estatísticas publicadas pela ONU.

Esse hiato não é só enorme, como se pode ver, como também se mostra em constante crescimento. É do conhecimento geral que os países industrializados crescem rapidamente, enquanto os outros, na sua maioria, revelam estagnação ou rasteiros índices de crescimento. O índice de crescimento de cada país pode ser calculado e representado em gráficos. É mais elevado nos países socialistas, mais baixo nas colônias e ex-colônias e nos grandes países capitalistas. A proporção de comércio internacional desenvolvido pelos países subdesenvolvidos tem decrescido progressivamente. Atingia os 30% em 1938, mas em 1960 descera abaixo dos 30%. Esse é um indicador importante, pois o comércio reflete não somente a quantidade de bens produzidos no país, mas também a maneira como se obtêm os bens que não são produzidos internamente.
As economias desenvolvidas manifestam certas características que as distinguem das subdesenvolvidas. Em primeiro lugar são todas industrializadas, ou seja, a maior parte da sua população ativa trabalha na indústria e a maior parte da sua riqueza provém das fábricas, minas, etc., e não da agricultura. Têm uma enorme intensidade de capital na indústria por causa da sua avançada tecnologia. Não é preciso sublinhar que os países desenvolvidos possuem agricultura muito mais avançada que o resto do mundo. A sua agricultura transformou-se em uma grande indústria e, apesar do seu peso relativamente pequeno na economia, a sua produção é grande. Os países de África, da Ásia e da América Latina são conhecidos por países agrícolas porque apoiam a sua economia em uma base agrária e têm pouca ou nenhuma indústria, mas a sua estrutura agrária é científica e as safras são menores que a dos países desenvolvidos. Depois de 1960 tem-se verificado uma estagnação e baixa da produção agrícola na maioria dos países subdesenvolvidos. Na África o índice de alimentos por pessoa tem diminuído nos anos recentes. Visto que os países desenvolvidos dispõem de uma estrutura econômica, industrial e agrícola mais poderosa que a do resto do mundo, produzem mais bens do que os países pobres. Não só os necessários, mas também os supérfluos. É possível traçar quadros estatísticos que comparem as produções de cereais, leite, eletricidade, papel e de uma vasta gama de outros bens; e mostrar simultaneamente que quantidade de bens é, em média, utilizada por cada cidadão. Mais uma vez os quadros mostrar-se-iam extraordinariamente favoráveis a uns poucos países privilegiados.