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Rodney: "Algumas questões sobre desenvolvimento e subdesenvolvimento"

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info


O que é desenvolvimento?


Desenvolvimento na sociedade humana é um processo multifacetado. No plano puramente individual implica maior perícia e capacidade, maior liberdade, criatividade, autodisci­plina, responsabilidade e bem-estar material. Alguns desses pontos são categorias morais difíceis de avaliar – dependendo do momento histórico em que se vive, da origem de classe de cada um, da sua maneira de entender o que é certo e errado. Contudo é absolutamente indiscutível que a prossecução de qualquer um desses aspectos de desenvolvimento pessoal es­tá completamente interligado com o estado da sociedade co­mo um todo. Desde os primeiros tempos nos quais o homem descobriu que seria conveniente e necessário agrupar-se para pro­curar os meios de sobrevivência. As relações que se de­senvolvem dentro de cada grupo social são essenciais para a compreensão da sociedade como um todo. A liberdade, a res­pon­sabilidade, a capacidade etc. só adquirem real significado se entendida como relações do homem em sociedade.

É evidente que todo o grupo social mantém contatos com outros. As relações individuais são reguladas pelas soci­edades. As suas respectivas estruturas políticas são importan­tes, pois os elementos reguladores dentro de cada grupo são os que determinam o diálogo, o comércio ou a luta conforme o caso. A nível de grupo social, desenvolvimento implica uma capacidade cada vez maior de regular as relações quer inter­nas quer externas. A história tem sido na sua maior parte uma luta pela sobrevivência, contra os fenômenos naturais e ini­migos humanos reais e imaginados. No passado, desenvolvi­mento sempre significou o fortalecimento da aptidão de con­servar a independência do grupo social, e na realidade, para infringir a liberdade dos outros – algo que muitas vezes não correspondia à vontade individual dos elementos que compu­nham as sociedades envolvidas.


O homem não é o único ser que atua em grupo, mas a espécie humana desenvolveu uma linha ímpar de evolução, pois o homem tem capacidade para fabricar e utilizar instru­mentos. O próprio ato de fabricação de utensílios é mais um estímulo para o desenvolvimento da razão, que a consequên­cia de um intelecto aperfeiçoadamente amadurecido. Em ter­mos históricos a importância do trabalhador manual tem si­do, em todos os aspectos, tão grande como a do pensador, visto que o trabalho com instrumentos, libertando o homem da necessidade de fora bruta, possibilitou-lhe o domínio so­bre espécies mais poderosas e sobre a própria natureza. A qualidade dos instrumentos e a forma de organização de tra­balho são ambos importantes índices de desenvolvimento so­cial. É frequente utilizar-se o termo “desenvolvimento” num sentido exclusivamente econômico – argumenta-se dizendo que a estrutura econômica é por si mesmo um índice dos ou­tros fatores sociais. Que é então o desenvolvimento econômi­co? Uma sociedade desenvolve-se economicamente à medida que os seus membros incrementam em conjunto a sua capa­cidade de dominar o ambiente. Essa capacidade de dominar o ambiente depende da medida em que ele compreende as leis da natureza (ciência) e da medida em que põe essa compre­ensão em prática projetando utensílios (tecnologia) e do mo­do pelo qual organiza o seu trabalho. Em termos históricos pode afirmar-se que tem havido constante desenvolvimento econômico desde as origens do homem, porque a humanida­de multiplicou enormemente a sua aptidão para conquistar da natureza os seus meios de subsistência. A magnitude da obra levada a cabo pelo homem será melhor entendida se, recu­ando-nos aos primórdios da sociedade humana, anotarmos o seguinte: em primeiro lugar, o salto da pedra lascada ao uso dos metais; depois, a ultrapassagem dos tempos da simples caça e apropriação direta dos frutos silvestres para a cria de animais domésticos e agricultura; e terceiro, o melhoramento da organização do trabalho, que deixa de ser mera atividade individual para assumir um caráter social pela participação de muitos.


Todos os povos provaram capacidade para livremente desenvolver a sua aptidão de viver uma vida cada vez mais satisfatória através de utilização dos recursos naturais. Todos os continentes participaram de forma independente nos pri­meiros passos do alargamento do controle humano sobre o seu meio ambiente – o que significa na prática que todos os continentes podem apontar um período de desenvolvimento econômico. A África, berço original do gomem, participou lar­gamente do professo pelo qual grupos humanos viram extra­ordinariamente multiplicada sua capacidade de extrair meios de subsistência do meio ambiente. Na verdade, em tem­pos re­motos, a África foi o foco de desenvolvimento físico do ho­mem, como ser diferente dos outros seres vivos.


Desenvolvi­mento é um fenômeno universal pois que as condições con­ducentes à expansão econômica são universais. Por toda par­te o homem foi obrigado a encarar o desejo da sobrevivência: a necessidade de satisfazer as carências fundamentais, e me­lhores utensílios são uma consequência do recontro homem-natureza, como parte da luta pela sobrevivência. É evidente que a história da humanidade não é um eterno relato de pro­gresso. Períodos houve em qualquer parte do globo em que se verificaram retrocessos temporários com real redução da capacidade de satisfazer as necessidades primárias e produzir outros serviços para a população. Mas a tendência geral foi um aumento da produção e, em momentos históricos deter­minados, o aumento quantitativo dos bens conduziu a uma mutação qualitativa no caráter da sociedade. Este fenômeno será mais tarde evidenciado no tocante à África, mas podemos desde já ir buscar o exemplo da China para provar a aplicação universal da lei da mudança (quantitativamente qualitativa).


Os primeiros homens na China viviam à mercê da na­tureza e paulatinamente foram descobrindo algumas coisas básicas co­mo o fato de que o fogo pode ser acesso pelo ho­mem e que certas sementes podem ser plantadas para a sa­tisfação de necessidade alimentares. Essas conquistas possi­bilitaram aos habitantes da China a constituição de comuni­dades agrícolas que utilizavam instrumentos de pedra e pro­duziam o necessário para a sua subsistência. Datam de vários milhares de anos antes do nascimento de Cristo ou da revela­ção do profeta Maomé. Os bens produzidos em tal estágio eram divididos, mais ou menos equitativamente, entre mem­bros da sociedade que vivia e trabalhava em famílias. Ao tem­po da dinastia T’Ang, século VII d.C., a China havia expandido a sua capacidade econômica de molde a não só produzir mais alimentos, mas também manufaturar uma extensa gama de serventias, sedas, porcelanas, barcos, investigações científi­cas. A esse aumento quantitativo na produção de bens corres­pondiam mutações qualitativas na sociedade chinesa. Com o decurso do tempo formou-se um estado, num lugar onde so­mente houvera unidades autogovernadas. Em vez de cada fa­mília ou cada indivíduo permanecer indiscriminadamente a trabalhar na agricultura, na construção de casas, na tecela­gem etc., desenvolveu-se a especialização de funções. A maior parte da população continua ainda adstrita à agricultura, mas aparecem artesãos, peritos no fabrico de sedas e porcelanas, burocratas que administram o Estado e religiosos e filósofos Budistas e Confucionistas que se especializam na tentativa de explicar as coisas que ultrapassam os limites da compreensão imediata.


Com a especialização e a divisão do trabalho não só aumenta a produção como torna desigual a distribuição. Uma pequena fracção da sociedade, precisamente a fracção que menos riqueza produz, passa a apossar-se de uma fatia des­proporcionalmente à grande do produto do trabalho humano. É-lhe possível fazer isso porque se geram desigualdades na propriedade do principal meio de produção que é a terra. A propriedade comum da terra começa a desaparecer à medida que uma minoria se apropria da maior parte dela. As muta­ções na propriedade da terra são parte integrante do desen­volvimento no seu sentido mais alto. É por isso que desenvol­vimento não pode ser visto como algo puramente econômico, mas como um processo global da sociedade, o qual depende de êxito dos esforços do homem para dominar o meio ambi­ente.

Um estudo cuidadoso torna possível a compreensão de alguns dos muito complicados elos entre a mutação da base econômica e a evolução da superestrutura da sociedade – que inclui a esfera da ideologia e das crenças da sociedade. A ul­trapassagem da comuna primitiva na Ásia e na Europa, por exemplo, produziu os códigos morais específicos do Feuda­lismo. O comportamento dos cavaleiros europeus tem muito em comum com o dos samurais e guerreiros japoneses. De­senvolveram noções da chamada cavalaria – em contrapar­tida, o camponês foi obrigado a aprender humildade extrema, deferência e obediência – simbolizada pelo dever de desco­brir-se e manter a cabeça baixa frente aos superiores. Tam­bém em África essa diferenciação em classes levou à prática de os populares se prostrarem perante os monarcas e aristo­cratas.


Entendido este ponto, fica bem claro que a tosca igual­dade familiar deu lugar a uma nova forma de sociedade.


Em ciências naturais é fato conhecido que em muitas situações a mudança meramente quantitativa se transforma em mudança qualitativa após certo período. Exemplo clássico é o da capacidade da água em absorver calor (processo quan­titativo) até 100°C e transformar-se depois em vapor de água (mudança qualitativa). Semelhantemente nas sociedades hu­manas a expansão quantitativa da economia conduz muitas vezes a uma mutação qualitativa na forma das relações soci­ais. Karl Marx, no século XIX, foi o primeiro escritor a analisar este fato, distinguindo na história da Europa vários estágios de desenvolvimento. O primeiro grande estágio que se seguiu aos bandos nômades coletores foi a comuna primitiva onde a propriedade era coletiva, o trabalho feito em comum e os bens distribuídos equitativamente. O segundo estágio foi o escra­vagista, provocado pela expansão dos elementos dominantes de dentro da família e pela submissão física de uns grupos por outros. Os escravos desempenharam uma grande variedade de tarefas, mas a sua principal função era produzir alimentos. No feudalismo, estágio seguinte, a a­gricultura continua a ser a principal forma de produção, mas a ter­ra, meio necessário, é açambarcada por um pequeno número que se apropria de parte do leão na distribuição da riqueza. Os trabalhadores da terra (agora denominados servos) não mais são propriedade pessoal dos senhores, mas estão adstritos à gleba de um (se­nhor) feudo particular. Quando o feudo muda de titular os servos permanecem ali, trabalhando para alimentar o senhor feudal, conservando estritamente o produto necessário à sua subsistência. Assim como eram escravos os filhos de escra­vos, assim os filhos de servos, servos são. A fase seguinte, o Capitalismo, caracteriza-se porque então a sociedade produz a maior parte da sua riqueza, não na agricultura, mas nas fá­bricas e minas. Caracteriza-se, tal co­mo a fase anterior, por uma concentração dos bens de produção e por uma desigual distribuição do produto do trabalho humano. Agora domina a burguesia, classe que teve a sua origem nos comerciantes e armadores da época feudal, e que se tornaram industriais e financeiros. Entretanto, os servos eram legalmente declara­dos livres para deixarem a terra e irem trabalhar nas empresas capitalistas. Dessa maneira, a sua força de trabalho é uma mera mercadoria – algo que pode ser comprado e vendido.


O estágio seguinte seria o Socialismo (defende-se que uma nova era havia de vir – a do Socialismo), no qual a lei de i­gualdade econômica seria reestabelecida como na comuna primitiva. Em termos econômicos cada uma dessas fases re­presentava desenvolvimento no estrito sentido de que a capa­cidade humana de dominar a natureza e, por tal motivo, pro­duzir uma quantidade maior de meios de subsistência para a comunidade ser continuamente incrementada. A maior pro­dução de bens e serviços era determinada pela maior perícia e criatividade do homem. A espécie humana se libertara na medida em que dispunha de maiores oportunidades para ma­nifestar e desenvolver as suas capacidades. Contudo, é indis­cutível que o homem se tenha elevado no sentido moral. O desenvolvimento da produção alargou o leque de poderes que uma classe tinha sobre outras e multiplicou a violência, parte integrante da competição pela sobrevivência e crescimento entre grupos sociais. Não se poderá peremptoriamente afir­mar que o soldado lacaio do capitalismo na última grande guerra era menos “primitivo” no sentido elementar da pala­vra, do que o soldado dos exércitos do Japão feudal do século XVI ou que o nômade caçador ainda na fase mais atrasada da organização humana, nas florestas do Brasil, não obstantes sabermos que, no decurso destas três épocas[1], melhorou ex­traordinariamente o nível de vida. A vida tornou-se menos ar­riscada e menos incerta e os membros da sociedade passaram a dispor de maior possibilidade potencial de determinar seus destinos. Desenvolvimento implica todos esses elementos.


A história dessas sociedades que passaram por vários modos de produção oferece a oportunidade de verificar como as mudanças quantitativas acabam por dar lugar a sociedades inteiramente diferentes. O fator chave é que, em uma dada conjuntura, as relações sociais efetivamente existentes con­trariam o desenvolvimento histórico. Começam a atuar como travão sobre as forças produtivas devendo, por isso, ser eli­minadas. Tomemos, como exemplo, o Escravismo europeu. Conquanto moralmente indefensável, a escravidão conse­guiu abrir minas e desenvolver plantações agrícolas em gran­de parte da Europa, particularmente dentro das fronteiras do Im­pério Romano. Mas os camponeses, tornados livres, viram o seu trabalho subvalorizado e subutilizado por causa do tra­ba­lho-escravo. O escravo não era utilizado em nenhum tra­balho que requeria perícia e, assim a evolução tecnológica da soci­edade ameaçava estagnar-se. Além disso, os escravos re­vol­tavam-se e não era fácil nem pouco dispendioso pacificar seus levantamentos. Os proprietários das terras, percebendo o ruir da sua situação, decidiram que melhor seria garantir a liberdade legal reclamada pelos escravos e garantir a conti­nuidade da exploração do trabalho desses servos livres pela concentração da propriedade das terras de cultura nas suas próprias mãos. Em consequência disso, um novo esquema de relações sociais – senhor feudal, servo – substitui as velhas relações servo-escravo.


Algumas vezes, em momentos críticos, a instauração do novo modo de produção acompanhava-se de violência. Isso acontecia quando as classes dominantes envolvidas se sentem ameaçadas pelo processo de mudança. Os senhores feudais mantiveram o poder por séculos, durante os quais os interesses econômicos mercantis e manufatureiros se fortale­ciam e aspiravam apossar-se do poder político e hegemonia social. Quando existe tal polarização nas relações sociais é elevada a consciência das classes que alcança um alto nível. A classe feudal e a burguesa reconheciam o que estava em jogo. A primeira esforçava-se por conservar um sistema de re­lações sociais incompatível com a nova tecnologia e organi­zação de trabalho. A classe burguesa desencadeou revoluções na Europa nos séculos XVIII e XIX para destruir as antigas re­lações de produção. Os conceitos de revolução e consciência de classe devem estar sempre presentes quando se deseja e­xaminar a situação moderna do operário e do camponês em África. Entretanto, em África, em sua maior parte, as classes existentes aparecem incompletamente cristalizadas e as mu­tações têm sido mais graduais que revolucionárias. De grande relevância para a compreensão do desenvolvimento da África antiga é, provavelmente, a lei do desenvolvimento desigual das forças produtivas.


Se é verdade que, embora todas as formações sociais tenham experimentado o processo do desenvolvimento é i­gual­mente verdade que o grau de desenvolvimento das forças produtivas apresenta desigualmente de continente para con­tinen­te, ou de região para região do mesmo continente. Em África, há 25 séculos atrás, a sociedade egípcia demonstrou ser capaz de produzir riqueza em abundância, devido a pro­fundidade dos conhecimentos científicos que adquirira e da invenção de tecnologia adequada para irrigação, agricultura e mineração. Na mesma altura, de arcos e maças de madeira dependia a maior parte dos povos da África – e de várias ou­tras partes do mundo, como, por exemplo, as Ilhas Britânicas.


Uma das realidades mais difíceis de explicar é o desen­volvimento desigual das forças produtivas. Parte da resposta deve ser procurada no diferente condicionalismo natural que envolve a formação social considerada e outra parte na supe­restrutura dessa mesma sociedade. Isso significa que a luta pelos meios de subsistência cria formas de relações sociais, sistemas políticos, padrões de comportamento e crenças que em conjunto formam a superestrutura – que não é nunca exa­tamente a mesma em duas sociedades. Os elementos supe­restruturais integram-se entre si e com os da base material. Por exemplo, os padrões políticos e religiosos interligam-se e são muitas vezes indistinguíveis. A crença de que determinada floresta é sagrado, interfere com a base econômica visto que essa floresta não pode ser abatida e o terreno aproveitado para o cultivo. Não obstante, em última análise, a passagem para uma fase mais avançada de o desenvolvimento humano depender sobretudo da capacidade técnica do homem para dominar o ambiente, é preciso ter sempre presente que as pe­culiaridades superestruturais de qualquer sociedade têm uma considerável importância no processo de desenvolvimento.


Espantam-se os estudiosos pelo fato da China se não ter tornado nunca um país capitalista. A sua fase feudal data virtualmente de mil anos antes do nascimento de Cristo; de­senvolveu enormemente sua tecnologia; dispunha de um ele­vado número de marinheiros e artesãos. Apesar disso, o modo de produção nunca se transformou naquele em que as má­quinas são o principal meio de produção e os detentores do capital são a classe dominante. (A explicação é muito com­plexa, mas, em termos gerais, as principais diferenças entre a China feudal e a Europa feudal residem na superestrutura, isto é, no corpo de princípios, crenças e instituições sociopo­líticas que são determinadas pela base material, mas em con­trapartida agem sobre ela). Na China, valores religiosos, edu­cacionais e burocráticos eram da maior importância e o poder era controlado por uma capa de oficiais, mais do que o exer­cido por cada senhor feudal nos seus domínios. Além disso, a distribuição das terras era muito mais equitativa que na Eu­ropa e ao Estado pertencia a maior parte da terra. Em conse­quência disso, os senhores feudais dispunham de maior po­der como burocratas do que como latifundiários e serviam-se disso para manter as relações sociais nos mesmos moldes. É evidente que lhes seria impossível impedir indefinidamente o processo histórico, mas a verdade é que o conseguiram retar­dar. Na Europa o peso da capa de burocratas não podia ocul­tar as contradições.


A atitude dos primeiros capitalistas que apareceram na so­ciedade europeia atuou como um catalizador do desenvol­vimen­to. Nunca, em nenhum momento histórico, se viu um grupo social lutar tão conscientemente para a prossecução do lucro como fim último.

Tendo em vista tal objetivo, os capitalistas interessa­ram-se extraordinariamente pelo conhecimento das leis cien­tíficas que podia ser aplicado em maquinaria de modo que o trabalho produzisse maiores lucros em seu proveito. No plano político o capitalismo é também responsável por muitas das fórmulas hoje conhecidas como “Democracia Ocidental”. Ao abolir o feudalismo, os capitalistas passaram a defender o parlamentarismo, a constituição, a liberdade da Imprensa etc. Tam­bém não pode ser considerado desenvolvimento. Contu­do, para que isso se realizasse, os camponeses e operários da Europa (e eventualmente os habitantes do mundo inteiro) ti­veram que pagar um preço exorbitante visto que o trabalho humano é condição prévia de todas as máquinas. Isso põe em relevo outras facetas do desenvolvimento, principalmente se analisando pelo prisma dos que suportaram e ainda suportam o processo do sistema. Ora, tal grupo constitui a maioria da humanidade. Para progredir precisa derrubar o capitalismo. É por isso que, neste momento, o capitalismo impede o cami­nho ao progresso humano. Por outras palavras, as relações sociais do capitalismo estão agora ultrapassadas, assim como as escravagistas e as feudais se tornaram ultrapassadas no seu tempo.


Houve um período durante o qual o sistema capitalista conseguiu melhorar o bem-estar de muitos, como subproduto da corrida ao lucro de alguns povos. Mas hoje, essa cota do lucro entra em conflito aberto com as exigências do povo que clama pela satisfação das necessidades materiais e sociais. A classe burguesa já não é mais capaz de controlar o desenvol­vimento indisciplinado da ciência e da tecnologia – uma vez mais porque tais objetivos estão agora em contradição com a racionalidade do lucro. O capitalismo provou-se incapaz de resolver contradições banais, tais como a subutilização da ca­pacidade produtiva, a persistência de uma classe de desem­pregados, crises econômicas ligadas ao conceito de mer­cado – o que depende das possibilidades de o povo pagar o que pensa. O capitalismo criou também suas nacionalidades es­pecíficas, o racismo branco, ou seja, a que dispuser de menor capacidade econômica, é afetada nefastamente – e aumenta-se o fosso entre as duas sociedades em presença com as mais danosas consequências. Por exemplo, quando os capitalistas europeus entraram em contacto com os povos caçadores da América e das Caraíbas, os últimos foram virtualmente exter­minados. Em segundo lugar, se a sociedade mais fraca sobre­viver, ela só poderá reassumir o seu próprio desenvolvimento independente e se colocar em um plano mais avançado que o da economia que anteriormente a dominava. Encontram-se exemplos históricos concretos dessa segunda regra nas expe­riências da União Soviética, China e Coreia.


A China e a Coreia estavam ambas em um estágio mais ou menos feudal quando foram colonizadas pelas potências capitalistas da Europa e do Japão. A Rússia nunca foi real­mente colonizada, mas ainda, na era feudal e antes das suas instituições capitalistas ganharem forma e força, a economia russa foi subjugada pelo capitalismo, na época, mais avan­çado da Europa Ocidental. Nesses três casos a revolução so­cialista aboliu a dominação capitalista e unicamente o ritmo acelerado do desenvolvimento socialista podia preencher as brechas deixadas pelo período em que suas economias foram distorcidas e retardadas. Na verdade, a revolução socialista catapultou os dois maiores Estados socialistas a um estágio de desenvolvimento mais avançado do que o da Inglaterra e França, países que há séculos têm seguido a via capitalista.


Na década de 50 (no ponto em que termina este es­tudo), Rússia, China e Coreia e algumas nações da Europa Oriental, eram os únicos países que tinham cortado definiti­vamente laços com o capitalismo e o imperialismo. O imperi­alismo é uma fase do desenvolvimento capitalista no qual as potências capitalistas da Europa Ocidental, os Estados Unidos e o Japão estabelecem uma hegemonia política, econômica, militar e cultural sobre outras partes do mundo que, menos desenvolvidas, não conseguem impedir a dominação. O im­perialismo é, de fato, a extensão do sistema capitalista de mo­do a abarcar o mundo inteiro – uma parte explorada, outra exploradora, uma parte dominada, outra dominadora, uma dirigindo, ordenando, outra obedecendo às ordens.


O socialismo avançou pelos flancos mais fracos do im­perialismo - o setor dominado, explorado e reduzido à depen­dência. Na Ásia e na Europa Oriental o socialismo libertou as energias nacionalistas dos povos colonizados; substituiu a e­conomia de mercado por uma produção que tem em vista a satisfação das necessidades humanas, erradicou estrangula­men­tos tais como o desemprego permanente e as crises pe­riódicas; e realizou algumas das tarefas básicas da democra­cia burguesa conseguindo igualdade de condições econômi­cas, o que é fundamental para que a igualdade política e eco­nômica seja um fato.


O socialismo restaurou a igualdade econômica da co­muna primitiva, mas o comunismo não foi prosseguido de­vido à baixa produtividade econômica. O socialismo pretende e tem consideravelmente alcançado uma produção abundan­te de modo a ser possível concretizar a igualdade na distribui­ção com a satisfação das necessidades de todos mem­bros da sociedade.


Um dos principais fatores que possibilitaram a expan­são acelerada e racional da produção socialista foi o “desen­volvimento planificado”. O processo histórico atrás referido é o relato de um desenvolvimento involuntário e planificado. (Ninguém planejava que, a um determinado momento histó­rico, os seres humanos parassem de se servir de instrumentos de pedra e passassem a fabricá-los de ferro e figuras mais re­centes.) Quando um empresário capitalista individual planeja a sua própria expansão, não obedece a nenhum plano global de crescimento econômico e social. O Estado Capitalista in­tervém apenas esporádica e parcialmente para supervisar o desenvolvimento capitalista. O Estado Socialista tem por fun­ção prin­cipal o controle da expansão econômica em proveito das classes operárias. Os operários e camponeses tornaram-se hoje a força mais dinâmica da história do mundo e do de­senvolvimento humano.


Para concluir esta breve introdução a um problema tão complexo como o desenvolvimento social é necessário subli­nhar quão inadequadas são as análises do fenômeno apre­sentadas pelos teóricos burgueses. A maioria concentra-se ta­canhamente na análise do desenvolvimento econômico em vez de tentar abarcar o fenômeno na sua riqueza global. Raras vezes o tenta abarcar na sua globalidade, mas, em vez disso, na análise do desenvolvimento econômico. Na definição do economista burguês, o desenvolvimento aparece como sim­ples problema de combinação de fatores de produção: nome­adamente teria população, capital, tecnologia, especialização e organização de empresa. Esses fatores são realente relevan­tes e nessa medida são citados na análise apresentada; mas os intelectuais burgueses orientam fatores realmente deter­minantes. Sonegam a exploração da maioria, a qual tem si­do uma constante de todas as fases anterior ao socialismo. Não se referem às relações sociais de produção ou à luta de clas­ses. Não fazem referência à sucessão das fases históricas re­sultantes das diferentes combinações de fatores e meios de produção. Não mencionam o imperialismo, fase lógica do Ca­pitalismo.


Em contrapartida, qualquer análise que se quiser ba­sear nos princípios socialistas e revolucionários deve adotar como conceitos básicos os de classe, do imperialismo, do so­cialismo e sublinhar o papel histórico dos povos oprimidos e dos operários. Cada conceito novo tem os seus próprios espi­nhos e não deve pensar que o mero recurso a uma certa ter­minologia bastaria para resolver problemas. Contudo, é abso­lutamente necessário dominar as dimensões histórica, sociais e humanas do desenvolvimento (antes de) para que seja pos­sível analisar o subdesenvolvimento e delinear estratégias pa­ra o ultrapassar.


O que é o subdesenvolvimento?


Depois de analisarmos o “desenvolvimento” torna-se mais fácil perceber o conceito de subdesenvolvimento. É evi­dente que subdesenvolvimento não quer significar ausência de desenvolvimento, porque todos os povos se desenvolve­ram de uma maneira ou de outra, em maior ou menor medida. Subdesenvolvimento só tem sentido se encarado como um modo de comparar diversos níveis de desenvolvimento. Está particularmente ligado ao fato de a evolução das forças pro­dutivas ter sido historicamente desigual e, de um ponto de vista estritamente econômico, alguns grupos humanos terem avançado mais depressa que outros, a ponto de produzirem mais e serem mais ricos.


Quando determinada formação social começa a se so­bressair como a mais rica de entre outras surge a necessidade de inquirir, pesquisar, estudar as razões dessa proeminência. Quando no século XVIII a Inglaterra começa a evidenciar-se do resto da Europa, Adam Smith, conhecido economista, es­tudou as causas do fenômeno em A Riqueza das Nações. Na mesma altura, muitos escritores russos preocupavam-se pelo fato de seu país se mostrar atrasado em comparação com a Inglaterra, França e Alemanha dos séculos XVIII e XIX. Hoje a maior preocupação é a grande disparidade na riqueza da Eu­ropa Ocidental e América do Norte, por um lado, África, Ásia e América Latina por outro. Comparando-o com o primeiro, o segundo bloco apresenta-se como atrasado ou subdesenvol­vido. Uma das ideias básicas do conceito de subdesenvolvi­mento é a comparação de padrões. É possível comparar con­dições, as economias de dois países em períodos diferentes e determinar se evoluiu ou não. Também é possível comparar a economia de dois países ou grupos de países em qualquer dado período.


A segunda ideia básica do moderno conceito de sub­desenvolvimento é que o conceito exprime uma relação par­ticular de exploração, nomeadamente a exploração de um país por outro. Todo os países do mundo ditos subdesenvol­vidos são explorados por outros; e o subdesenvolvimento que hoje escandaliza o mundo é produto exploração capitalista, imperialista e colonialista. As sociedades africanas e asiáticas seguiam o seu próprio desenvolvimento quando foram direta e indiretamente dominadas por países capitalistas. A partir desse momento a exploração cresceu desenfreadamente e a exportação do sobre trabalho dessas sociedades contrariou benefícios do seu trabalho e das suas riquezas naturais. Esses são elementos integrantes do subdesenvolvimento no sentido moderno da palavra.


Alguns círculos tentaram substituir o adjetivo “subde­senvolvimento” pela expressão “em vias de desenvolvimen­to”, um dos objetivos dessa troca seria dissimular os corolá­rios desagradáveis do primeiro termo, ao qual podem ser atri­buídos sentidos vários, como subdesenvolvimento mental, fí­sico, moral, etc. Nos nossos dias, se subdesenvolvimento sig­nificasse mais do que mera comparação de economia, o país mais subdesenvolvido seria os EUA, pois não só externamente pratica a opressão em uma escala monstruosa como no plano interno apresenta uma fusão de exploração, brutalidade e de­sordem psíquica. Contudo, se nos mantivermos em um plano estritamente econômico, será melhor conservar a expressão “subdesenvolvimento”, pois “em desenvolvimento” criaria a impressão de que os países da África, da Ásia e da América Latina estão a atravessar um período de relativo atraso eco­nômico em relação às nações industrializadas, emancipando-se assim das relações de exploração. É manifesto que isso não é verdade e que muitos dos países da África e de outras regi­ões do mundo vêm cada vez mais aumentando o seu subde­senvolvimento porque a exploração levada a cabo pelas me­trópoles se tem intensificado progressivamente e adotado no­vas formas.


Para comparações econômicas podem utilizar-se qua­dros estatísticos, índices dos bens e serviços produzidos e consumidos nas sociedades em confronto. Os economistas profissionais falam de Produto Nacional Bruto e Rendimento per capita. Tais expressões, divulgadas por jornais, passaram a fazer parte da linguagem laica sem que fosse apresentada uma explicação unívoca. Será suficiente tomarmos nota que, enquanto o Produto Nacional Bruto é a medida da riqueza to­tal da sociedade, o rendimento per capita obtêm-se dividindo o Rendimento Nacional pelo número de habitantes para dar ideia do rendimento médio de cada habitante. Tal média pode ser mistificada especialmente quando existem grandes desi­gualdades na distribuição dos rendimentos. Um jovem ugan­dês sintetizou esta verdade de uma maneira extremamente pessoal ao dizer que o rendimento per capita do seu país dis­simulava a extraordinária diferença entre o salário de fome do seu pobre pai, camponês, e os lucros de Madhiani, maior pro­prietário da região. Ao considerarmos o subdesenvolvimento, torna-se fundamental sublinhar que o processo de desenvol­vimento exige o nivelamento das grandes desigualdades na distribuição das terras, das propriedades e dos rendimentos, desigualdades que são camufladas pelos índices de Ren­di­mento Nacional. Houve um tempo em que avançar era entrin­chei­rar grupos privilegiados. Em nossos dias, desenvolvimen­to tem que significar o processo que elimina os grupos privi­legiados e correlativos desprivilegiados.


Não há dúvida de que o rendimento per capita seja um dado útil para comparação de países; e é um fato que os paí­ses desenvolvidos têm índices de rendimento per capita várias vezes mais altos que qualquer dos países recentemente inde­pendentes da África. O quadro seguinte fornece-nos uma ideia clara do fosso que separa a África e certas nações quanto a rendimento per capita. É esse fosso que permite que a uns se chame desenvolvidos e a outros subdesenvolvidos. Os dados referentes, apresentados ao ano de 1968, são retirados de es­tatísticas publicadas pela ONU.



Esse hiato não é só enorme, como se pode ver, como também se mostra em constante crescimento. É do conheci­mento geral que os países industrializados crescem rapida­mente, enquanto os outros, na sua maioria, revelam estagna­ção ou rasteiros índices de crescimento. O índice de cresci­mento de cada país pode ser calculado e representado em grá­ficos. É mais elevado nos países socialistas, mais baixo nas colônias e ex-colônias e nos grandes países capitalistas. A proporção de comércio internacional desenvolvido pelos paí­ses subdesenvolvidos tem decrescido progressivamente. Atin­gia os 30% em 1938, mas em 1960 descera abaixo dos 30%. Esse é um indicador importante, pois o comércio reflete não somente a quantidade de bens produzidos no país, mas tam­bém a maneira como se obtêm os bens que não são produzi­dos internamente.


As economias desenvolvidas manifestam certas carac­terísticas que as distinguem das subdesenvolvidas. Em pri­meiro lugar são todas industrializadas, ou seja, a maior parte da sua população ativa trabalha na indústria e a maior parte da sua riqueza provém das fábricas, minas, etc., e não da agri­cultura. Têm uma enorme intensidade de capital na indústria por causa da sua avançada tecnologia. Não é preciso subli­nhar que os países desenvolvidos possuem agricultura muito mais avançada que o resto do mundo. A sua agricultura trans­formou-se em uma grande indústria e, apesar do seu peso re­lativamente pequeno na economia, a sua produção é grande. Os países de África, da Ásia e da América Latina são conheci­dos por países agrícolas porque apoiam a sua economia em uma base agrária e têm pouca ou nenhuma indústria, mas a sua estrutura agrária é científica e as safras são menores que a dos países desenvolvidos. Depois de 1960 tem-se verificado uma estagnação e baixa da produção agrícola na maioria dos países subdesenvolvidos. Na África o índice de alimentos por pessoa tem diminuído nos anos recentes. Visto que os países desenvolvidos dispõem de uma estrutura econômica, indus­trial e agrícola mais poderosa que a do resto do mundo, pro­duzem mais bens do que os países pobres. Não só os neces­sários, mas também os supérfluos. É possível traçar quadros estatísticos que comparem as produções de cereais, leite, ele­tricidade, papel e de uma vasta gama de outros bens; e mos­trar simultaneamente que quantidade de bens é, em média, utilizada por cada cidadão. Mais uma vez os quadros mostrar-se-iam extraordinariamente favoráveis a uns poucos países privilegiados.