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O movimento camponês na Índia



Se quiser, coloque uma bomba na universidade,

Reduza nossas casas a montes de escombros,

Jogue fósforo branco sobre nossos bairros,

O que fará a mim?

Sou relva, cresço em tudo.

[Avtar Singh Sandhu, “Pash”, poeta revolucionário indiano]


Durante as décadas de 1970 e 1980, tal como hoje, a Índia atravessou períodos de intensa convulsão social. As secas e a fome matavam seres humanos como se moscas fossem. As cenas da miséria e da desnutrição infantil nas áreas rurais indianas se tornaram estereótipos degradantes que os indianos carregam até os tempos atuais. As massas indianas protestavam com persistência tal que suas lutas se convertiam em levantes armados que pipocavam ao longo do território semicontinental do país. As classes reacionárias indianas respondiam com desespero: empregavam grupos terroristas e paramilitares para assassinar, torturar e perseguir ativistas operários e camponeses. O poeta ao qual nos referimos, Pash, que escreveu o poema “Sou relva”, seria assassinado por estes mesmos grupos terroristas no ano de 1988, e seu nome seria imortalizado na história de luta da classe operária e do povo trabalhador indianos.


Mas por que levantamos tais pontos?


Como pano de fundo do atual movimento camponês que estremece a Índia, encontra-se um histórico de grupos terroristas que, tal como o famigerado “Salwa Judum”, [1] têm operado nas áreas rurais indianas (sob o pretexto de “operações de contrainsurgência para combater o ‘Maoismo’”) cometendo toda sorte de crimes contra o povo e os militantes dos movimentos de massas, evacuando populações de distritos inteiros para beneficiar fazendeiros e grandes corporações capitalistas; nos tempos atuais, em quase nada mudou a situação de desnutrição e seca, que prevalecia nas áreas rurais indianas durante as décadas de 1970 e 1980; persistem sobrevivências pré-capitalistas escandalosas, que incluem práticas escravistas, como a entrega de membros da família como forma de saldar dívidas com agiotas; as massas indianas, às centenas de milhões, como naquele período, têm fornecido aos povos do mundo um exemplo brilhante de como enfrentar seus exploradores e opressores. Como vanguarda dessa luta, mencionamos a guerra popular que se desenvolve desde 1967 e é atualmente dirigida pelo Partido Comunista da Índia (Maoista).


Para além do pano de fundo desse atual e poderoso movimento agrário, é importante mencionar quais foram as faíscas que incendiaram o ânimo militante do campesinato e proletariado rural indianos.


Desde agosto de 2020, o governo indiano anunciou a proposta de três leis neoliberais monstruosas, anticamponesas, antinacionais e “pró-business”, o “Acordo de Garantia de Preços e Serviços Agrícolas para Agricultores (Empoderamento e Proteção) de 2020”; a “Lei de Comércio de Produtos Agrícolas e Comércio (Promoção e Facilitação) de 2020”; e a “Lei de Produtos Essenciais (Emenda) de 2020”. Desde então, centenas de sindicatos rurais e movimentos de massas ligados às populações rurais indianas começaram suas ações de protestos. Contudo, somente em setembro, com a aprovação das referidas leis, as ações ganhariam proporções nacionais, com a participação de centenas de milhões de pessoas.


Mas em que resulta essas leis? Conforme dissemos a respeito do caráter delas, seu conteúdo fundamental consiste em golpear a segurança alimentar do povo indiano, facilitar a penetração do capital estrangeiro na agricultura local e deixar o campesinato e o proletariado rural indianos à mercê das “leis do mercado” (ou seria lei da selva?), acelerando sua ruína, empobrecimento e endividamento. As leis mencionadas serão responsáveis por remover subsídios bilionários atualmente destinados aos camponeses; os preços dos produtos agrícolas serão “desregulamentados”, isto é, sob o pretexto torto de “expandir a concorrência e modernizar a produção”, serão liquidadas as políticas de compras governamentais da produção camponesa e de preços mínimos, cabendo ao grande capital monopolista transnacional, agora, definir os preços dos produtos agrícolas conforme seus interesses; ademais, essas leis permitem às grandes corporações privadas estrangeiras o arrendamento de terras para a agricultura na Índia. De fato, a penetração estrangeira na agricultura indiana é ainda restrita. Porém, o que não se fala é que, na medida em que os grandes conglomerados transnacionais forem capazes de definir os preços da produção agrícola mediante práticas monopolistas, tornar-se-ão os “senhores” das terras agrícolas indianas, verdadeiros açambarcadores, pois serão capazes de ditar o que será produzido e o que não será produzido pelos camponeses e trabalhadores rurais mediante a manipulação dos preços.


Não é difícil prever que as consequências dessas medidas para o campesinato indiano, em médio prazo, são a ruína e desnutrição massivas, na medida em que falamos de um campesinato que é, em sua esmagadora maioria, miserável e sem capitais disponíveis para modernizar sua produção de maneira a sobreviver aos baixos preços de monopólio praticado por conglomerados. Um sintoma social das medidas neoliberais, já há muito praticadas pelo Estado reacionário indiano, tem sido o elevadíssimo índice de suicídios de camponeses. Desesperados, endividados, e sob risco real de terem suas terras e propriedades executadas por bancos e agiotas, não veem outro caminho que não seja por fim à própria vida. Uma catástrofe. Em meio à pandemia e ao aumento mundial da fome, o regime reacionário indiano não tem pudores em aprovar leis que jogarão a grande massa do povo indiano ainda mais para o fundo do poço.


Contra essa situação deplorável, já em 25 de setembro de 2020, sindicatos rurais de toda a Índia (cerca de 150 organizações) convocaram a Bharat Bandh (uma tradicional ação das massas indianas que consiste no bloqueio de rodovias e ferrovias, geralmente com propósitos reivindicativos e políticos), a nível nacional, levando ao desespero as classes reacionárias indianas. Em outubro, camponeses de diversos estados do país iniciaram marchas para a capital Nova Delhi para protestar contra as monstruosas leis. Após mais de um mês de luta, em 25 de novembro, os manifestantes enfrentaram uma feroz repressão das forças policiais indianas, que resultou em grandes confrontos.


A partir da escalada da luta promovida pelo movimento popular rural indiano, diversas outras camaradas exploradas da sociedade indiana se levantaram em luta, até mesmo os estudantes e a pequena burguesia (nesse meio tempo, a pequena burguesia indiana desenvolveu ações de “Bandhs”, fechando as portas de seus negócios e empresas em protesto contra o governo reacionário). Porém, mais significativo foi o papel de vanguarda assumido pelo movimento operário indiano. Como o campesinato, a classe operária indiana também tem sido submetida a violentos ataques por parte do Estado reacionário e dos grandes capitalistas. Ao mesmo tempo em que ataca violentamente as massas rurais, o governo indiano tem tentado aprovar uma lei trabalhista semiescravocrata, que estende a jornada de trabalho legal para 12 horas diárias e suprime as leis trabalhistas para cerca de 70% da força de trabalho do país, que se encontra na informalidade.


Diante da escalada do movimento camponês, portanto, uniu-se também o movimento operário. Levantaram-se em luta os operários dos principais cordões industriais do país. Os estivadores dos portos Jawarharlal Nehru, em Maharashtra, e Paradip, em Orissa, cruzaram os braços. Mineiros, ferroviários, rodoviários e demais motoristas também deixaram seus postos de trabalho. Até mesmo os funcionários da saúde, marreteiros informais se levantaram para a luta. Como resultado, o povo indiano forjou, em 26 de novembro de 2020, a maior greve geral da história do proletariado mundial, que mobilizou para a luta, ainda que por apenas um dia, cerca de 250 milhões de operários e camponeses. A ação unificada das forças responsáveis pela greve geral resultou em uma carta de 12 pontos de reivindicações básicas:


“1. Medidas urgentes para conter o aumento dos preços mediante a universalização do sistema de distribuição pública, e proibição do comércio especulativo nos mercados;

2. Conter o aumento do desemprego por meio de medidas concretas para a geração de empregos;

3. Aplicação estrita de todas as leis trabalhistas básicas, sem exceção ou isenção, e o estabelecimento de duras medidas punitivas para a violação das leis trabalhistas;

4. Universalização da cobertura da seguridade social para todos os trabalhadores;

5. Salários-mínimos de não menos de 15 mil rúpias mensais, com disposição de indexação;

6. Assegurar pensões reforçadas de não menos de 3 mil rúpias mensais para toda a população trabalhadora;

7. Fim dos desinvestimentos nas Empresas do Setor Público;

8. Fim da terceirização e do trabalho intermitente; e pagamento dos mesmos salários e benefícios pagos aos trabalhadores regulares para os trabalhadores temporários, na medida em que fizeram igual trabalho;

9. Remoção de todos os tetos de pagamento, elegibilidades de bônus, e fundos de previdência; aumento do período de gratuidade;

10. Registro compulsório de todos os sindicatos dentro de um período de 45 dias a partir da data de aplicação; e ratificação imediata das Convenções da Organização Internacional do Trabalho (OIT) C 87 e C 98;

11. Fim das Emendas Pró-Patronais da Lei Trabalhista;

12. Em adição a essas reivindicações, os sindicatos centrais reivindicam o fim da emenda à Lei de Aquisição de Terras.”


Desta forma, o povo indiano demonstrou um grande passo à frente na materialização da linha da aliança operário-camponesa.


Contudo, a despeito do intenso protesto popular dos operários e camponeses indianos, que persiste até os tempos atuais, o governo indiano permanece intransigente em manter intactas as leis neoliberais, conforme anunciou em sua conta de Facebook, recentemente, o professor R. Ramakumar. Imaginam que, por meio da repressão e do morticínio, poderão manter o povo indiano na miséria.


Mas como diria o poeta Pash:


Se quiser, coloque uma bomba na universidade,

Reduza nossas casas a montes de escombros,

Jogue fósforo branco sobre nossos bairros,

O que fará a mim?

Sou relva, cresço em tudo.



NOTAS

[1] O principal fundador do grupo Salwa Judum, Mahendra Karma, foi justiçado por combatentes vermelhos do Exército Guerrilheiro de Libertação do Povo (EGLP), encabeçado pelo Partido Comunista da Índia (Maoista), em uma ação armada levada a cabo no ano de 2013. Mahendra Karma foi responsável pela expulsão de milhões de pessoas das populações indígenas de seus territórios de origem, bem como estupros, assassinatos e outros crimes bárbaros.

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