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"John Stockwell sobre o papel da CIA nas Guerras Culturais do Século XX"



John Stockwell deixou a CIA quando ele percebeu que o que eles faziam estava botando em perigo a segurança nacional, ao invés de protegê-la.

John R. Stockwell é um ex oficial da CIA que se tornou um crítico das políticas governamentais dos EUA depois de servir por 13 anos. Gerenciou o envolvimento norte-americano na Guerra Civil da Angola como chefe da força tarefa da CIA em Angola durante suas operações especiais em 1975.

Como fuzileiro do exército, Stockwell foi um oficial paramilitar da inteligência da CIA em três guerras: A Crise do Congo, a Guerra do Vietnã e a Guerra de Angola pela Independência.

Em dezembro de 1976 ele se demitiu da CIA, citando profundas preocupações pelos métodos e resultados das operações paramilitares da CIA no Terceiro Mundo, e testemunhou diante de comitês do Congresso norte-americano. Ele denunciou que a CIA era contraprodutiva para a segurança nacional e que suas “guerras secretas” não traziam benefícios para os EUA. Acusou o diretor da CIA William Colby e o conselheiro de Segurança Nacional Henry Kissinger.

Vietnam Reconsidered Conference

USC, 1983

Clete Roberts, repórter: CR

John Stockwell, ex-oficial da CIA: JS

CR:

John, você esteve no Vietnã a trabalho pela CIA e, pelo o que eu entendi, você esteve no interior. Quando você esteve lá?

JS: De 73 à 75, logo após a evacuação das tropas, eu saí depois da evacuação de abril de 1975.

CR:

Por quanto tempo você trabalhou para a CIA?

JS:

13 anos. Eu era um oficial de campo, servi na África e no Vietnã e depois em um subcomitê do Comitê de Segurança Nacional em Washington.

CS:

Você esteve na Angola, certo?

JS:

Bom, eu comandei as operações especiais [covert action] da Angola, mas eu trabalhava de Washington. Essas coisas são enormes e como chefe da força tarefa, meu escritório ficava em Washington.

CR:

Quando você saiu da CIA?

JS:

Em março de 1977 eu saí para testemunhar para o Senado, ir a público e tentar escrever um livro, o que eu, então, fiz.

CR:

Vamos voltar a falar disso daqui a pouco. Eu gostaria de falar com você sobre que tipos de experiências uma pessoa tem quando ela decide sair da CIA e começar a falar publicamente. Deve ser muito interessante.

Vamos falar sobre as funções da CIA. Acho que muitos de nós tem a impressão que o que a CIA faz é coletar inteligência — inteligência, é claro, é informação — uma pessoa poderia achar que se a CIA obtém informação, essa informação é baseada em fatos. Se esse é o caso, o que você fazia com essa informação?

JS:

Bom, uma das quatro principais funções da CIA é a de coletar inteligência e, idealmente, passar ela para o presidente e os outros usuários dessa informação — os legisladores, como são conhecidos. No entanto, existem outras funções, por mais que algumas sejam mais legítimas que outras. Uma delas é a de realizar guerras secretas, as operações especiais, das quais tanto se fala e se escreve sobre, tal qual acontece na Nicarágua e em Honduras hoje em dia. Outra função é de disseminar propaganda, influenciar as mentes das pessoas, essa é uma das maiores funções da CIA. Infelizmente, ela se confunde com a coleta de informação. Você contacta um jornalista, você o dá informações verdadeiras, você coleta informação dele, mas você também vai dá-lo notícias falsas.

CR:

Você comprava a confiança deles com notícias verdadeiras?

JS: Você “compra” a confiança dele ao armar contra ele. Já vimos isso acontecendo recentemente com Jack Anderson[1], por exemplo, que tem suas fontes de inteligência e também já admitiu que foi auxiliado por nós e que uma em cinco informações eram falsas. Você também pode trabalhar em suas vulnerabilidades humanas para recrutá-los do jeito clássico, para fazer deles seus agentes, para que possa controlar o que eles fazem. Então você não precisa armar contra ele o engano, aí você pode dizer “aqui, plante isto na próxima terça”.

CR:

Dá para fazer isso com repórteres de confiança?

JS: Sim, o Comitê Church[2] revelou isso em 1975. E depois Woodward e Bernstein[3] lançaram um artigo na Rolling Stones uns anos depois. Quatrocentos jornalistas estavam colaborando com a CIA, incluindo alguns dos maiores nomes do ramo. Conscientemente introduzindo notícias falsas para a imprensa.

CR:

Me dê um exemplo concreto de como se usa a imprensa dessa maneira. Como se planta falsas histórias e como elas são publicadas.

JS:

Bom, darei o exemplo da minha guerra, a Guerra da Angola, que eu ajudei a gerenciar. Um terço dos meus funcionários eram de propaganda. Ironicamente, chamamos a isso de “operações especiais” dentro da CIA, mas fora dela significa a parte violenta do trabalho. Eu tinha propagandistas ao redor do mundo todo, principalmente em Londres, Kinshasa e em Zâmbia. Nós escrevíamos histórias falsas e publicávamos no Zambia Times, daí enviávamos essas notícias para jornalistas em nossa folha de pagamento na Europa. Mas a história de fachada do jornalista, veja, é a de que ele conseguiu a notícia de um contato que a achou no Zambia Times. Nós tínhamos a cumplicidade do governo de Zâmbia, de Kenneth Kouder, por exemplo, para plantar essas notícias falsas nos seus jornais. Porém, depois desse ponto, os jornalistas, da Reuters e da AFP, e os editores não estavam dispostos a colaborar. Mas o nosso jornalista na Europa ainda estava. Nós criamos dúzias de notícias sobre atrocidades cubanas, estupradores cubanos. Em um caso nós até capturamos os estupradores cubanos e os tivemos julgados em tribunal pelas suas vítimas. Nós enviamos fotografias para todos os jornais do país [os EUA] de cubanos sendo executados por aquelas mulheres que supostamente eram suas vítimas.

CR:

Essas fotos eram falsas?

JS:

Sim, absolutamente. Nós não sabíamos de nenhuma atrocidade feita pelos cubanos. Era pura e crua falsa propaganda para criar a ilusão de que os comunistas estão comendo bebês de café da manhã. Propaganda totalmente falsa.

CR:

John, esse tipo de coisa foi feita no Vietnã?

JS: Ah, propaganda massiva e infinita nos anos 50 e 60, incluindo milhares de livros que eram publicados, centenas em inglês, que eram propaganda patrocinada pela CIA. Dê um pouco de dinheiro para um escritor, “escreva esse livro para nós, escreva o que quiser, mas nestes assuntos, certifique-se de escrever isto.”

CR:

Os escritores de nosso país? Livros vendidos e distribuídos em nosso país?

JS:

Claro, livros em inglês para uma audiência norte-americana sobre o assunto do Vietnã, a história do Vietnã, a história do marxismo, livros em apoio à teoria do dominó, etc.

CR:

Sem correr risco de receber um processo judicial, você pode nomear algum autor?

JS:

Não, não posso. Os membros do Comitê Church, quando descobriram isso, exigiram que os dessem os títulos desses livros para que as biblioteca universitárias pudessem ao menos carimbar estes livros como “versão da história da CIA”, mas a CIA recusou-se porque tinham sido comissionados para proteger suas fontes e métodos. E as fontes eram esses autores que escreviam livros de propaganda falsa, alguns dos quais hoje são notórios intelectuais e jornalistas.

CR:

Bom, a CIA não recusa totalmente, eles primeiramente admitiram que existia propaganda, mas o posicionamento que deram era de que essas fontes eram todas de fora dos EUA, não de dentro dos EUA. Isto não é verdade?

JS:

Absolutamente, enquanto nós realizávamos essa operação angolana e injetávamos essas notícias no mundo e na imprensa dos EUA, no exato mesmo momento, Bill Colby[4] estava testemunhando para o Congresso, assegurando-os de que a CIA havia sido extremamente cuidadosa em evitar que essas notícias atingíssem os EUA. No mesmo dia que ele deu esse testemunho, nós estávamos plantando notícias no Washington Post. Não estou me referindo à Lusaka, mas a nós termos levado jornalistas da França para Washington para plantar notícias falsas. Eu cito isto e dou o texto da matéria no meu livro.

CR:

Então vocês plantaram a notícia no Washington Post, trazendo um homem de fora do país e não tiveram dificuldade de passar pelo editor?

JS:

Sim.

CR:

Isto é comum? É fácil?

JS:

É mais fácil do que você acha. Por exemplo, está nas manchetes que a Granada está radicalizada hoje, nós tínhamos artigos no Washington Post, no The Star antes de fechar, revista Time, que só podem ter sido escritos pela CIA. Uma pequena ilha onde a maior fonte de receita vem da venda de especiarias para o ocidente. Tem turismo ocidental e uma grande faculdade de medicina norte-americana. Uma pequena ilha com setenta mil habitantes e com estudantes de medicina dos EUA de bermuda e sandálias com suas caras enfiadas em livros perambulando pela ilha. Mesmo assim, grandes órgãos da imprensa, como a revista Time, estão noticiando que os moradores da ilha estão radicalizados.

CR:

No Vietnã, John, qual era sua relação e qual era o seu papel com a imprensa?

JS:

O papel da CIA era multifacetado, haviam oficiais nas embaixadas, oficiais da CIA, oficiais de alta patente. Frank Snepp[5] não era de alta patente, mas era o chefe do escritório de comunicação que se encontrava com a imprensa regularmente. Dava e recebia informações nestes encontros. E, periodicamente, passava algumas notícias falsas. Mas em alguns casos, estas informações eram bem valiosas aos jornalistas. Então até mesmo o jornalista mais certinho, que nunca colaboraria com a CIA, consideraria isto uma fonte.

Ao mesmo tempo, havia todo tipo de pessoa, oficiais da CIA, que tinham medo de falar com a imprensa. Nós fugíamos para o interior quando os jornalistas chegavam, nós nos escondíamos e deixávamos um oficial de patente baixa falar com eles. Nós temíamos que eles fossem fotografar-nos e escrever algum artigo e ter ilusões sobre o que estávamos fazendo. Isto seria muito prejudicial para nossas carreiras.

CR:

Eles sabiam quem vocês eram? Sabiam que eram da CIA?

JS:

Todos sempre sabem quem são os agentes da CIA, que isto fique absolutamente claro. Isso é uma das maiores mentiras que a CIA e o Congresso disseram ao povo norte-americano. Nós, tal qual Patrick Moynihan[6] disse ao testemunhar contra o Ato de Segredos Oficiais [Oficial Secretes Act], ele disse também na ONU, disse basicamente que os agentes da CIA passeiam por aí que nem cowboys texanos com chapelões e botas de salto alto. No Vietnã nós tinhamos datsuns[7] amarelos e placas de carro sequenciadas. Se você tivesse um datsun amarelo com uma placa terminada em 144, você só podia ser da CIA, todos sabiam disso. No interior nós usávamos jipes verde esmeralda enquanto o exército usava verde oliva. Se você tivesse um jipe muito verde, só podia ser da CIA. Qualquer negação disso é bobagem, com certeza jornalistas sabiam a diferença.

CR:

Mas que desilusão! Nos dizer que um tira não é um tira [ironicamente]

JS:

Allen Dulles[8], o famoso diretor da CIA, escreveu em seu livro, “The Craft of Intelligence” [O Óficio da Inteligência], na introdução do seu livro ele diz, ao contrário do senso comum, que um agente da CIA precisa ser conhecido como tal, senão as pessoas com segredos não vão saber quem procurar. Ele estabeleceu a política, o precedente, de viajar ao redor do mundo todo ano reunindo seus agentes em hotéis e promover o que só pode ser descrito como uma conferência de vendas. Se encontrar em quartos de hotéis, tomar café da manhã, almoço e jantar juntos. Veja, não se trata de um submundo, se trata de membros do alto escalão das polícias de todo o mundo. Oficiais da CIA não estão sob perigo. Em todo país possível eles fazem acordos com as polícias locais. Dentro do véu de seus segredos e proteção, eles não estão com medo, pelo contrário, estão se divertindo e brincando de espião, almoçando com o chefe de polícia.

CR:

John, eu gostaria de saber como funciona um homem como John Stockwell. 1) Por que você era da CIA? 2) Por que você saiu da CIA e o que aconteceu desde que você saiu e começou a falar abertamente para o público como você tem falado comigo.

JS:

Bom, isso é certamente uma pergunta tão difícil de se responder quanto o dilema que a sociedade tem com a CIA. Eu fui do exército, um capitão dos fuzileiros, criação conservadora, meu pai era um engenheiro na África contratado para construir uma igreja presbiteriana. Eu cresci no Congo Belga, mais conservador impossível.

CR:

Foi criado num ambiente missionário?

JS:

Em uma estação missionária com um pai engenheiro, mas de princípios humanistas. Ideais altíssimos, ideais irreais do mundo. Tive minha educação na Universidade do Texas, servi no exército e fui enviado para o campo. Tudo era muito excitante no entre-guerras. Eu estava em uma companhia de reconhecimento, saltando de paraquedas e invadindo submarinos. Tudo era muito glamuroso, mas no entre-guerras ninguém está tomando tiros, não há questões morais. E então a CIA me recrutou bem no fim da era Kennedy. Ele acabara de ser assassinado — “não pergunte o que o seu país pode fazer por você, mas o que você pode fazer pelo seu país” e toda aquela propaganda disseminada para o povo norte-americano contra o comunismo, o ápice da teoria do dominó. Enquanto eu achava que me haviam ensinado algo, quando na verdade não haviam, eu pensei que ir para a CIA era a melhor e mais nobre coisa que eu poderia fazer na minha vida. Achei que eu estaria melhorando a espécie humana fazendo do mundo uma democracia livre. Levei treze anos e três guerras secretas para perceber a farsa que tudo isto é — junto com o Comitê Church e com suas revelações sobre o Vietnã e Angola —, simplesmente demorou esse tanto para eu perceber a realidade sobre uma luz diferente.

Meus ideais fundamentais certamente nunca mudaram se falamos de humanismo básico, decência básica pelas pessoas do mundo. Servi por tanto tempo que eu nem mesmo preciso lidar com caluniadores que dizem que sou um traidor e sei lá mais o que, isso é bobeira, com tudo que fiz na minha vida… Mas eu acho que nós estamos nos distanciando dos valores que nos são ensinados na escola, sobre democracia e liberdades. Acho que estamos nos vendendo, como nação, para uma pequena organização policial que está absorvendo os ideais norte-americanos mais rapidamente do que os processos judiciais ou legislativos conseguem. Defendem liberdade de expressão e de imprensa e ao mesmo tempo estão matando ao redor do mundo todo, agora mesmo na Nicarágua e em El Salvador. Eu desprezo essa moralidade, mas eu também a considero extremamente perigosa porque ela pode rapidamente estourar em um confronto mundial com os soviéticos que acabará em um holocausto, a guerra nuclear.

CR:

O que aconteceu com você desde que saiu da CIA?

JS:

Eu já fui processado pela CIA e ameaçado pelo FBI. Eu não fui surrado ou mutilado. Eu exerci meus direitos de falar e ensinar sobre o que eu vi, mas eles deixaram bem claro que não apreciam isso e eu fui avisado que coisas tenebrosas poderiam acontecer comigo. Mas não sei se isto é um blefe ou não. Eu fui processado por danos contra a CIA, o que, parando para pensar, é bem irônico.

Notas:

[1] Jack Anderson foi um jornalista investigativo e vencedor de um prêmio Pulitzer. Figura controversa, próximo do Senador Joseph McCarthy, inimigo de Nixon, denunciou alguns escândalos internacionais como a crise Iran-Contra e uma das tentativas de assassinato de Fidel Castro pela CIA.

[2] O Comitê Church foi uma investigação lançada em 1976 pelo Congresso estadunidense para investigar supostos abusos cometidos pela CIA em diversos países de Terceiro Mundo.

[3] Dupla de jornalistas responsáveis por levar a tona o escândalo Watergate.

[4] William Colby foi um ex-diretor da CIA e antes disse chefe de estações no Vietnã. Testemunhou falsamente para o Comitê Church e foi responsável por campanhas de desinformação enquanto trabalhava no Vietnã.

[5] Frank Snepp foi um ex-agente da CIA e jornalista. Foi um dos que delataram as atividades ilegais da CIA no Comitê Church.

[6] Patrick Moynihan foi um sociólogo e Senador pelo partido Democrata.

[7] Datsun é uma marca de carros subsidiária da Nissan

[8] Allen Dulles foi um ex-diretor da CIA responsável pelo Golpe Iraniano, pelo Golpe da Guatemala, pela Invasão à Baía dos Porcos e pelo projeto de controle mental MK-ULTRA.


Traduzido e adaptado por Leonardo Vaz


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