A Doutrina Monroe no século XXI: conjuntura da América Latina

Com a eleição de Donald Trump em 2016, deu-se início a uma virada ideológica na política e na sociedade dos países da América Latina e de outras regiões do mundo. É o que chamamos de “trumpismo”. Com a sua vitória, Trump inaugurou um outro projeto imperialista, diferente daquele seguido pelos Democratas, mas que no fundo tem a mesma natureza agressiva e colonizadora, portanto não se trata de uma contradição antagônica. Devemos destacar que a eleição de Trump representou a derrota de diversas franjas das elites estadunidenses e internacionais que apoiavam Hillary Clinton. A candidata do Partido Democrata seria a representante do capital financeiro e especulativo, tinha o apoio de toda mídia Ocidental, com raras exceções, como o Grupo Fox dos Estados Unidos. Grandes multinacionais como McDonalds, Starbucks, Kentucky Fried Chicken etc. que exploram o trabalho de imigrantes vindos de todas regiões da América Latina, principalmente do México, também financiaram Hillary Clinton no processo eleitoral. A genocida se apoiaria em uma política externa típica de um Império caótico em queda livre, lançando empreitadas bélicas diretas contra as semicolônias. Exatamente como Barack Obama fez na Síria, Líbia etc., e investindo em Revoluções Coloridas pelo globo. Com isso deve-se destacar que a indústria bélica obteria lucro com ambos os projetos imperialistas mundo afora. Donald Trump se apresenta como elemento dos estratos burgueses ligados à indústria, à tecnologia, ao setor bélico e ao setor comercial. Tudo isso com o objetivo de arrebatar mercados e aliados estratégicos pelo mundo. O republicano focaliza no fortalecimento do estado nacional, como reza o seu slogan “fazer a América grande de novo”, no protecionismo econômico e no fortalecimento do mercado de trabalho interno. Em sua campanha Trump conseguiu conquistar os votos decisivos do proletariado branco do chamado Rust Belt, ou cinturão enferrujado, antigo polo industrial que agora acumula um grande contingente de desempregados. Trump prometeu mais empregos para os trabalhadores muitas vezes com tendências xenofóbicas e racistas de Michigan, Wisconsin, Indiana, Illinois, Ohio e Pennsylvania. Em relação ao plano internacional, prioriza a intervenção direta, mas por ora – exceto pelo bombardeio na Síria em 2017, seguindo o rastro de Obama –, não necessariamente através de guerras de agressão de tipo clássico, mas sim no sentido de facilitar que candidatos fantoches cheguem ao poder através de diversos métodos de Guerra Híbrida, como as Fake News. A grande semelhança entre esses dois projetos imperialistas de naturezas não distintas é continuidade das agressões comerciais e militares contra Rússia, China, países não alinhados do Oriente Médio, América Latina, Caribe etc. Além do mais a disputa encarniçada entre Republicanos e Democratas é travada no chamado Estado Profundo norte americano, o Deep State, que há muito tempo é dominado pela camarilha dos Clinton, entretanto com a eleição de Trump a correlação de forças no Estado Profundo vem se equilibrando. Quase que a totalidade da esquerda brasileira não consegue compreender as contradições no coração do imperialismo e seus reflexos no Brasil, distanciando-se de uma análise concreta da realidade concreta. Uma das figuras centrais da ideologia por trás do “trumpismo” é Steve Bannon, estrategista de boa parte dos políticos dessa nova onda fascista que vem tomando o Ocidente. Bannon é ex-diretor do site Breitbart News, que divulga ideias que vão do supremacismo branco cristão, passando pelo antissemitismo, xenofobia, antiterrorismo, islamofobia, misoginia até o discurso anti-China. O ideólogo de Trump criou o grupo chamado “O Movimento”, justamente para disseminar essa visão de mundo retrograda. Atuou como estrategista de campanha do atual presidente norte-americano e de janeiro a abril de 2017 ocupou cargo no Comitê dos Diretores do Conselho de Segurança Nacional. Steve Bannon também ocupou o cargo de diretor da Cambridge Analytica, empresa responsável pelos disparadores de Fake News que ajudaram a promover a vitória do Brexit em 2016, de Trump e Bolsonaro. Essa estratégia se insere no cenário da formação de uma aliança global para nova empreitada fascista, sob a tutela dos EUA. Atualmente não ocupa mais nenhum cargo no governo norte-americano. Deixou o posto para se dedicar a uma cruzada esquizofrênica contra o “globalismo” e o “marxismo cultural”, que segundo ele vem destruindo os valores cristãos ocidentais. A Itália é a plataforma na qual Bannon, assessor do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, e do vice primeiro ministro da Itália, Matteo Salvini, está articulando alianças para os próximos pleitos eleitorais na Europa. Vemos na América Latina uma escalada no sentido da derrubada dos governos ditos progressistas como também o uso de mecanismos de Guerra Hibrida para impedir que essas figuras políticas de centro-esquerda sejam eleitas ou reeleitas. Essa empreitada continua na agenda dos latifundiários e da burguesia burocrático-compradora e, para não ser diferente, do imperialismo norte-americano, que vem perdendo influência no Oriente Médio e em outras regiões do mundo, sendo obrigado a recolonizar a América Latina. Afastar a crescente influência de China e Rússia na região também está na agenda do dia. É a famosa Doutrina Monroe mais presente do que nunca, ou, em outras palavras, um Plano Condor do século XXI. Essa recolonização do Cone Sul lançada por Trump visa destruir os movimentos populares, colaborar militarmente com os EUA e a OTAN – vide o caso colombiano – e difundir massivamente ideias de caráter anti-nacional, anti-esquerda, liberais etc. Não podemos deixar de mencionar os nomes das figuras do governo Trump que exercem imensa influência sobre este, como o destacado John Bolton, que ocupa o cargo de Conselheiro de Segurança Nacional, o Secretário de Estado Mike Pompeo, o vice presidente Mike Pence, Ellitot Abrams e Marco Rubio cuidando das intervenções na América Latina, Gina Haspel, diretora da CIA, e o sionista e conselheiro de Trump sobre os assuntos referentes ao Oriente Médio, Jared Kushner, entre outros psicopatas genocidas. - Brasil Aqui o reflexo desse processo é encarnado na figura de Jair Bolsonaro, cujo ideólogo é Olavo de Carvalho. Bolsonaro chegou ao poder graças à Guerra Híbrida promovida pela sua campanha de governo, teleguiada, por sua vez, por Steve Bannon. O país é um dos eixos centrais dessas agressões devido às suas dimensões geopolíticas, recursos naturais e a relação com a China. A ascensão de Bolsonaro nada mais é que a reafirmação trumpista no cenário internacional. A destruição da figura e governo de Jair Bolsonaro pela mídia ocidental, principalmente do bloco Atlantista – incluso a maioria da grande mídia burguesa brasileira -, historicamente aliada aos setores das elites representadas pelos Democratas, escancara as disputas no interior do imperialismo. Por trás de Bolsonaro e ocupando diversos cargos no governo estão os militares. Sabemos que desde o golpe militar-fascista de 64, a Escola das Américas e seus agentes domésticos se dedicaram a expurgar todos os quadros nacionalistas e revolucionários do interior do exército; desde então podemos dizer que na alta cúpula existem militares fascistas e entreguistas em menor ou maior grau. Os militares veem em Bolsonaro uma catapulta para seus interesses, evidentemente todos funcionando no sentido do servilhismo aos EUA. Em visita aos EUA, Jair Bolsonaro firmou acordos com Trump, que colocam o Brasil como um aliado extra-OTAN, um posto que permite a entrega de unidades de defesa e a elaboração de manobras conjuntas. Em outro ato de pura submissão, Bolsonaro deu de bandeja a base de Alcântara para os americanos, que agora irão mandar e desmandar no local. As políticas de segurança dos EUA em relação à América Latina e ao Caribe vêm sendo orientadas há décadas para garantir o acesso e o controle de recursos naturais. No caso brasileiro, o aprofundamento dos laços de defesa e segurança com os EUA anda de mãos dadas com a abertura de mercados para empresas estadunidenses, especialmente no setor de hidrocarbonetos. [1] - Cuba Como se não fosse diferente, na contramão de toda América Latina desde 1959, Miguel Díaz-Canel assume o governo convicto de que seguirá o legado de Fidel e Raul. Em abril de 2019 entrou em vigor a nova constituição cubana, aprovada pela Assembleia Nacional, recebendo aval por meio de consulta popular de mais de seis milhões de eleitores. A nova constituição, que substitui a de 1976, tem como meta atualizar os modelos econômicos e sociais da ilha caribenha. No campo social, o progresso promovido pela nova constituição em relação à igualdade de mulheres e homens é um dos pontos positivos a se destacar. A proibição da discriminação contra pessoas LBGT é outro ponto de grande relevância. Na esfera econômica, a propriedade privada assume um papel complementar na economia. O reconhecimento do enriquecimento individual, da liberdade de expressão e do Estado Laico também foram garantidos. Na atualidade, Cuba contabiliza mais de 500 mil trabalhadores no setor privado e de serviços. A economia planificada foi mantida. Entre as mudanças políticas, a nova constituição cria o cargo de primeiro ministro como chefe de governo. O presidente permanecerá como chefe de Estado e terá um mandato de cinco anos, com direito a uma reeleição que só será permitida em sujeitos com até 60 anos idade. A regra de partido único não foi alterada e o Estado mantém o monopólio das terras. [2]
Frente a esse cenário de avanços e readaptações, os EUA endurecem ainda mais as sanções contra Cuba, em um processo que vem desde 2017, destruindo os acordos que Obama havia traçado em sua visita à ilha em 2016. Agora os cidadãos norte-americanos não poderão mais viajar em grupo para Cuba. Outro exemplo de retrocesso promovido por Trump é a nefasta Lei Helms-Burton, aprovada em 1996 no governo de Bill Clinton – época do chamado período especial cubano – mas implementada apenas agora. A Lei permite ações na Justiça americana contra empresas estrangeiras que usam propriedades confiscadas pelo governo de Cuba no início dos anos 60. Essa medida irá afetar investimentos europeus e canadenses no país [3]. Para além das sanções econômicas, o imperialismo vem tentando investir na formação de “lideranças cubanas” engajadas na luta pelos “direitos humanos contra a ditadura”, exatamente como fizeram com Juan Guaidó na Venezuela. [4] - Venezuela Com a premissa de que “todas as opções estão sobre a mesa”, Trump continua a sangrar a Venezuela por todas as vias. As pressões contra o país de Bolívar e Chavez foram redobradas em 2019 com a tentativa frustrada de Golpe. O fato teve várias consequências: destruiu por completo a imagem do serviçal incapaz Juan Guaidó e a oposição do governo foi enfraquecida, restando isolados os agentes políticos mais radicais. Como no processo ocorrido no curso das Guarimbas, estancadas de 2014 e 2017, os rachas na oposição vêm crescendo. Mesmo com os recentes fracassos, os Estados Unidos tentam continuamente promover a mudança de regime contra Nicolás Maduro por meio de diversas frentes. Uma delas é a tentativa de cooptar os militares de alto escalão a trair a Revolução Bolivariana, empreitada que por ora demonstra ser um grande fracasso. Outra articulação reside na persuasão e compra de políticos, formação de lideranças e o financiamento de protestos violentos. [5] A derrubada de Maduro tem como objetivo a rapina das abundantes jazidas de petróleo, a ampliação de sua influência geopolítica e geoestratégica, e a interrupção da expansão das zonas de influência de Rússia e China na porção sul do continente. - Nicarágua Na mira do Império, mesmo com uma paulatina perda de sua essência política, guinando à direita, o governo da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN) de Daniel Ortega, que foi reeleito em 2007, vem sendo atacado pelas guarimbas promovidas pela direita – leia-se EUA. A degeneração de Ortega se escancara com o esgotamento do pacto de “unidade nacional”