"Paquistão-Afeganistão: de que lado estão os fundamentalistas?"
- NOVACULTURA.info

- 21 de out.
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Praticamente desde a chegada dos talibãs ao poder, em agosto de 2021, Islamabad acusa Cabul de ter transformado seu território em um santuário para o grupo Tehrik-e-Taliban Paquistão (TTP), o principal grupo insurgente paquistanês, a partir do qual são frequentemente lançadas operações armadas contra o país. Ao longo do último ano, registraram-se pelo menos 600 ataques desse tipo.
Isso fez com que o Paquistão, em mais de uma ocasião, perseguisse os terroristas até o interior do Afeganistão, bombardeando, segundo Islamabad, campos e centros de treinamento do TTP.
A intermitente tensão fronteiriça chegou a tal ponto que, a partir do dia 9 e especialmente entre 11 e 12 de outubro, explodiram intensos combates em diferentes pontos ao longo da Linha Durand — como é conhecida a fronteira de quase três mil quilômetros entre os dois países —, que deixaram, segundo as fontes, entre 60 e 200 mortos. Além disso, as forças afegãs tomaram vinte e cinco postos de vigilância do Exército paquistanês.
Islamabad informou ter eliminado cerca de 200 milicianos afegãos, enquanto o Talibã reivindicou ter causado cerca de 60 baixas ao Paquistão. As principais ações se concentraram nas províncias afegãs de Cabul e Paktika, onde um mercado popular foi atacado, enquanto ao longo da linha fronteiriça ocorreram vários confrontos de menor intensidade, também em Kunar-Kurram, Khyber Pakhtunkhwa (KP), Angoor Adda, Bajaur, Dir, Chitral e Baramcha.
O primeiro-ministro paquistanês Shehbaz Sharif condenou o ataque afegão, declarando sobre suas tropas: “Não apenas responderam adequadamente às provocações, mas também tomaram várias posições, obrigando os talibãs a recuar”.
Durante os combates, Cabul foi bombardeada, e houve incursões terrestres contra campos e postos talibãs, além da destruição de centros de treinamento do TTP e do desmantelamento de grupos de apoio que operavam a partir do território afegão. Segundo fontes paquistanesas, os ataques se concentraram em eliminar milicianos de grupos associados ao Talibã, como o Fitna al Khwarij (FAK), o Fitna al Hindustan (FAH) e até mesmo o Daesh-Khorasan, grupo terrorista fundado em 2015 pela CIA para gerar uma oposição armada nos mesmos moldes do Talibã.
Após os confrontos, Islamabad fechou todas as passagens fronteiriças da Linha Durand, nas províncias de Khyber Pakhtunkhwa (KP) e Baluchistão — em especial a de Torkham, em KP, que além de intenso trânsito comercial, possui fluxo constante de pessoas em ambas as direções. Embora menos movimentada, a passagem de Chama, no Baluchistão, também tem grande importância.
Acredita-se que o ataque aéreo a Cabul tinha como principal objetivo assassinar o emir do TTP, Noor Wali Mehsud, que, em um comunicado recente, afirmou ter saído ileso. No entanto, os ataques também podem ter servido como advertência ao Talibã devido à sua crescente aproximação com a Índia, já que justamente no dia do bombardeio a Cabul chegava a Nova Délhi, em visita oficial, o ministro das Relações Exteriores afegão, mullah Amir Khan Muttaqi.
Isso se insere claramente na estratégia do governo do primeiro-ministro Narendra Modi de gerar incerteza nas duas principais fronteiras do Paquistão — ao norte, na Linha Durand, e ao sul, na fronteira com a Índia, conhecida como Linha Radcliffe, de mais de 3.300 quilômetros, incluindo a Linha de Controle (LDC) que separa as Caxemiras indiana e paquistanesa.
Além disso, o Paquistão bombardeou a cidade de Kandahar, capital religiosa do país e residência do líder supremo, mullah Hibatullah Akhundzada.
Em agosto passado, o ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, visitou Cabul e manifestou o interesse de seu país em investir no setor minerador. Já em julho, Moscou havia reconhecido o governo afegão, além de aceitar a abertura da embaixada afegã em Moscou.
À manifesta conflitividade entre Cabul e Islamabad — pela aparente carta branca de que o TTP desfruta no Afeganistão e pela crescente relação com a Índia —, soma-se a campanha de repatriações forçadas de centenas de milhares de refugiados afegãos no Paquistão. Desde o golpe que depôs o primeiro-ministro Imran Khan, em abril de 2022, os governos subsequentes, especialmente a partir de março do ano passado, sob Shehbaz Sharif, intensificaram as deportações, muitas delas ilegítimas, pois envolvem paquistaneses de origem afegã.
Rússia, China, Catar e Arábia Saudita — que assinou, em setembro passado, um pacto de defesa mútua com o Paquistão — pediram a ambos os lados que evitassem uma escalada maior. Em resposta, os mullahs suspenderam suas operações. Inclusive, Donald Trump se ofereceu como mediador do conflito, o que lhe permitiria um novo protagonismo na região após a retirada norte-americana de 2021.
A Índia também entra no jogo
Os vínculos entre Cabul e Nova Delhi são cada vez mais evidentes, e isso é algo que Islamabad não pode ignorar. A Índia não apenas anunciou a reabertura de sua embaixada em Cabul, como também qualificou a visita de Muttaqi como
“um passo importante para o avanço de nossos laços e a reafirmação de uma amizade duradoura”.
Nesse novo tabuleiro, a Índia vem se impondo na longa disputa com o Paquistão por maior influência no Afeganistão, que pouco a pouco vem se tornando um polo de atração de investimentos em diferentes setores — especialmente o minerador — de países como China, Rússia, Irã, Turquia e várias nações da Ásia Central.
Diante da escalada e do número de mortos, a pressão internacional levou ambos os países a estabelecerem, a partir da quinta-feira seguinte, uma trégua de 48 horas, que se estima poder ser prorrogada, desde que nenhuma das partes volte a atacar.
Apesar das políticas islamofóbicas promovidas como parte do ideário político do primeiro-ministro Modi, responsável desde 2002 por inúmeros massacres que deixaram milhares de muçulmanos mortos, a realpolitik obriga Índia e Afeganistão a aliar-se contra o inimigo comum: o Paquistão. Desde a partição da Índia, em 1947, os dois países travaram três guerras e incontáveis choques fronteiriços, como o ocorrido em maio passado.
Também foram inúmeras as operações terroristas realizadas por grupos muçulmanos não apenas na Caxemira, mas em cidades como Nova Delhi, Mumbai, Jaipur e Hyderabad, que deixaram centenas de mortos — inclusive o ataque da Rede Haqqani, aliada do Talibã, à embaixada indiana em Cabul, em julho de 2008, que matou 60 pessoas e feriu 140.
Esses episódios criaram uma “lenda negra” em torno da comunidade islâmica da Índia, que conta com cerca de 240 milhões de fiéis — quase o mesmo número que no Paquistão.
Para os talibãs, que sempre viram o Paquistão como um aliado quase incondicional durante a guerra contra a União Soviética (1979–1992) e a invasão norte-americana (2001–2021), os afegãos conhecem bem a vontade do Paquistão de subordinar seu país quase como uma colônia.
Islamabad, por sua vez, precisa evitar a formação de um eixo Nova Delhi–Cabul, a fim de conter o nacionalismo pashtun, já que os pashtuns — etnia majoritária do Afeganistão — somam cerca de 40 milhões de pessoas no Paquistão.
Essas tensões na região conhecida como Heartland, por sua posição central histórica, não são novas. O jogo entre Índia e Talibãs revela a disputa entre as três nações, onde, apesar das rivalidades, necessitam-se mutuamente para manter uma posição central — o que deixa apenas uma pergunta no ar: De que lado estão os fundamentalistas?
Por Guadi Calvo, no Línea Internacional



















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