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"Haiti, o irracional como desastre natural"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • há 2 dias
  • 5 min de leitura
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Sim, abertamente o mundo soltou a mão da Palestina, onde a humanidade escalou a um nível de cinismo e perversão que jamais acreditamos que pudesse alcançar, digamos de uma vez, até mesmo com os nazistas. Pois neste caso não poderemos nos amparar na desculpa da ignorância ou da falta de informação. Talvez muitos, de boa-fé, possam se refugiar na ignorância em relação ao que a humanidade tolera no Haiti, um fenômeno que, à sua maneira, é inédito. Quadrilhas criminosas desafiam o poder do Estado, como não o fizeram nem as maras salvadorenhas e hondurenhas, muito menos os cartéis no México ou na Colômbia.

 

Para muitos, talvez, ambas as realidades não possam ser comparadas: o contexto histórico, político, o aparato militar, o número de mortos e as consequências finais de ambos os fenômenos diferem muito. No primeiro caso, é um genocídio feito e direito à luz pública, amparado pelo Ocidente. Um dos exércitos mais poderosos do mundo, praticando sem pudor tiro ao alvo contra uma população indefesa, encurralada, faminta, ferida, para a qual talvez a morte seja o mais próximo da piedade.

 

Enquanto que, no caso do Haiti, são apenas quadrilhas criminosas, delinquentes, ladrões de pequena monta, que, sem controle nem ideologia, se elevaram à insurgência. Que invadem povoados ao melhor estilo dos hunos para arrasar tudo o que encontram: casas, vidas, sonhos. Tudo. Só na primeira parte do ano já foram registrados mais de três mil assassinatos.

 

Ainda que sim, palestinos e haitianos tenham um ponto em comum, o mesmo de todas as vítimas inocentes diante do irreparável: ao se saberem irremediavelmente mortos, ainda têm o tempo e a possibilidade de se perguntar: “Por que ninguém fez nada para deter isso?”.

 

Terá sido essa a última pergunta dos quarenta mortos em Labodrie? Quando, na noite da quinta-feira 11 homens armados penetraram na aldeia de pescadores a uns 20 quilômetros ao norte de Porto Príncipe e abriram fogo indiscriminado, acusando a todos de colaborar com a polícia, para depois escapar deixando 42 mortos e uns 30 feridos.

 

Outras versões assinalam que as mortes ocorreram após vários dias de fogo cruzado entre a polícia e os criminosos que haviam tentado tomar o controle de Arcahaïe, uma cidade de 130 mil habitantes, e que as forças de segurança finalmente conseguiram repelir.

 

Os agressores se identificaram como membros da “coalizão” Viv Ansanm, a quadrilha mais poderosa da particular guerra que se trava no Haiti desde julho de 2021, quando, diante do estado de anarquia em que entrou o país após o assassinato do presidente Jovenel Moïse, diferentes quadrilhas criminosas saíram às ruas para tomar o que lhes cabia. Iniciando uma guerra medieval ou distópica. Fazendo com que já mais de um 1,3 milhão de pessoas tenham tido que abandonar seus lares, como sucede em guerras verdadeiras como as do Sudão ou de Myanmar.

 

Em Labodrie, distrito de Arcahaïe, um lugar que, se não tivesse sido ganho pelo Diabo, seria ideal para erguer o paraíso, os criminosos ainda se encarregaram de saquear tudo o que era saqueável, atear fogo ao que não puderam levar: casas, barcos e veículos, redes e ferramentas.

 

Segundo fontes locais, o ataque foi em resposta à morte de Vladímir Pierre, em um enfrentamento com as forças de segurança ou com algum dos grupos de autodefesa comunitários. Vladímir era um dos líderes da quadrilha que controlava essa área, subordinada à Viv Ansanm, declarada organização terrorista pelos Estados Unidos em maio passado. Por cuja cabeça, Jimmy “Barbecue” Chérizier, ex-capitão da polícia haitiana e líder máximo, a justiça norte-americana ofereceu cinco milhões de dólares, por conspirar para violar as sanções ao desviar fundos estadunidenses para sua rede de quadrilhas no Haiti. Pergunta-se: quanto oferecerão por Netanyahu?

 

Enquanto isso, os Estados Unidos demoram em preparar uma Força de Repressão a Quadrilhas (GSF) de uns cinco mil homens, para substituir a Missão Multinacional de Apoio à Segurança (MMAS), composta por cerca de mil policiais quenianos que, desde que chegaram ao país caribenho em junho do ano passado, não conseguiram absolutamente nada, a não ser que os quadrilheiros já tenham matado meia dúzia deles.

 

Ao mesmo tempo, Erik Prince, o CEO da multinacional de mercenários agora conhecida como Vectus Global, que em seu tempo foi a Blackwater, espera que sua oferta de enviar 200 de seus homens para se entenderem com os bandidos seja aceita.

 

A boa notícia é que Barbecue Chérizier autorizou, nas últimas horas, os deslocados dos bairros de Solino, Nazón ou Delmás 30 em Porto Príncipe a voltar para suas casas, já que seus “combatentes” se retiraram; deixaram apenas casas saqueadas, incendiadas, demolidas, ruas e estradas destruídas e toda a rede elétrica vandalizada.

 

Enquanto isso, nas ruas e caminhos da primeira república latino-americana, as famílias já são parte da paisagem. Vagam carregando crianças ou alguns pertences que puderam resgatar antes da catástrofe. Procuram, sem muita esperança, um lugar seguro, esperando que o caos termine.

 

Golpear onde mais dói

 

O conflito fez colapsar o já muito precário sistema de saúde do país, o que obrigou a converter cada hospital, cada clínica ou centro de saúde comunitário em um “objetivo militar”.

 

Para muitos, talvez a última esperança que reste aos milhares de feridos por essa guerra que se trava praticamente em cada rua do Haiti seja a de chegar a um hospital que, por mais carente de insumos que esteja, sempre está mais perto da salvação do que da morte.

 

Equação que parece ter sido rompida pelas quadrilhas, que encontraram nos hospitais um centro de reabastecimento de drogas e medicamentos para seus homens.

 

Já se tornou habitual que as quadrilhas, à força de tiros e violência, invadam os poucos hospitais que ainda funcionam no país. Lembremos que a saúde nunca foi uma prioridade para os governos haitianos; por isso, agora, quanto mais necessária, mais se converteu em objetivo dessas quadrilhas. Onde surpreendem pacientes, seus acompanhantes e até médicos e enfermeiros, para, no melhor dos casos, apenas roubarem o pouco que carregam consigo.

 

Em muitos desses casos, foi necessário improvisar a evacuação de enfermos como se tratasse de fugir de um desastre natural, ao qual a natureza haitiana é tão propensa. Os poucos profissionais que ainda possuíam veículos próprios tiveram de colocá-los à disposição de seus pacientes para retirá-los do epicentro da violência das quadrilhas.

 

Para aqueles que não puderam ser evacuados, só restou apelar à Senhora do Perpétuo Socorro ou a algum travesso lwa (espírito do vodu) por proteção.

 

Os trabalhadores da saúde ficaram na linha de frente, já que não apenas seus insumos, mas eles próprios se converteram em uma necessidade para a cura e recuperação dos combatentes, sendo literalmente sequestrados para trabalhar em hospitais improvisados pelas quadrilhas.

 

Um estudo realizado no ano passado em Porto Príncipe indicou que 44% do pessoal de saúde sofreu o sequestro de um colega desde o começo da crise.

 

De modo que já não apenas para quadros complexos, mas até mesmo para resolver uma simples fratura ou atender a iminência de um parto, isso se converteu em um desafio.

 

Os bandidos nem sequer se detêm diante das salas de cuidados intensivos neonatais, possivelmente por ignorarem o que isso significa, arruinando equipamentos tão vitais quanto uma incubadora ou outro de alta complexidade.

 

Médicos relataram que só lhes restou deixar morrer pacientes com patologias absolutamente tratáveis em um contexto de normalidade. E nem se fala de doenças mais complexas que deixam de ser tratadas, condenando o paciente a uma morte segura e cruel.

 

A crítica situação em que essas guerras mergulharam todo o sistema de saúde haitiano obrigou muitos médicos, enfermeiros e técnicos a fugir do país, por sua própria segurança, como quem foge de um desastre natural.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

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