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"Sudão: em um rincão da guerra"

  • Foto do escritor: NOVACULTURA.info
    NOVACULTURA.info
  • há 8 horas
  • 5 min de leitura
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Produto de sua vastidão, de sua riqueza e dos séculos de exploração e colonialismo, não há um canto do continente africano onde forças opostas não estejam dispostas a uma guerra devastadora por alguns poucos quilômetros a mais de território ou pela simples supressão de um inimigo milenar.

 

O colonialismo incentivou essas guerras com a segurança de que, em sua superfície ou sob ela, existe riqueza suficiente para insistir uma e mil vezes em novos conflitos, dos quais raramente saem beneficiados outros que não sejam aqueles que as estimulam e financiam. Sempre fatores exteriores ao continente, governos ou empresas que, no caso do Ocidente, é impossível distinguir uma do outro.

 

Como se fossem camadas tectônicas impulsionadas por forças misteriosas, historicamente nações, grupos religiosos, étnicos, tribos ou clãs têm marchado para esses confrontos, com uma única certeza: os mortos — que serão centenas, milhares ou até milhões — nunca conhecerão a razão de sua imolação e a quem beneficiaram com seu sacrifício.

 

Desses parâmetros tampouco escapa a guerra civil do Sudão, entre as Forças Armadas Sudanesas (FAS) e o grupo paramilitar Força de Apoio Rápido (FAR), que acaba de entrar em seu mês número 29. Tempo suficiente para gerar mais de duzentos mil mortos, cerca de 18 milhões de deslocados, devastar grande parte de sua infraestrutura e exacerbar os ódios. Pelo que jamais o Sudão voltará a ser um só e, domine quem dominar, mais cedo ou mais tarde, a tragédia voltará a se repetir.

 

O conflito é travado em uma infinidade de frentes, embora os focos principais sejam aquele que ainda continua nas proximidades de Cartum, a capital do país, que não conseguiu ser totalmente conquistada pelas FAS apesar de sua letal ofensiva; outro é ada sempre martirizada região de Darfur, além das montanhas da Núbia, enquanto uma tempestade começa a crescer em um pequeno canto do país, aprisionado contra as fronteiras da Líbia e do Egito, conhecido como o Triângulo de Almuthallath.

 

Um território de pouco mais de 25 quilômetros quadrados, rico em jazidas de petróleo, gás, ouro e outros minerais e, dada sua localização, de relevante importância geoestratégica.

 

Esse triângulo desértico foi historicamente mergulhado no abandono e na desatenção por parte das três nações, o que possibilitou que, ao longo do tempo, fosse tomado por bandos de contrabandistas de ouro, drogas, veículos, bens saqueados no contexto das diferentes guerras que recorrentemente se travam nessa região e, além disso, por traficantes de pessoas que buscam chegar à Europa a partir dos portos do sul do Mediterrâneo.

 

Transitado sem grandes dificuldades, os delinquentes costumam se estabelecer em assentamentos provisórios, que em muitos casos utilizam como quartéis de inverno, esperando que alguma onda repressiva se extinga no vazio.

 

Talvez seja justamente por esse abandono e esse trânsito livre que, nos mais de dois anos de guerra civil, o território tenha adquirido um alto valor estratégico, razão pela qual começa a se travar um novo capítulo do conflito.

 

Nessa tórrida região árida e montanhosa, não se combate apenas por seu valor estratégico, já que é uma porta para o Sahel, por onde introduzir suas mercadorias ilegais ou não tanto — neste momento, armas e combustível —, mas também por suas ricas jazidas de petróleo, gás, ouro e outros minerais. O que, diante de uma possível balcanização, converte essa situação geográfica e suas riquezas em fundamentais para quem possa dominá-las.

 

Em março de 2011, quando praticamente o destino da Líbia do coronel Gaddafi já estava tragicamente decidido, foi anunciado que apenas as reservas em ouro daquela remota região equivaliam a cerca de seis bilhões de dólares, o suficiente para justificar as vidas e os esforços materiais necessários para conquistá-las.

 

A anarquia em que a Líbia mergulhou após a morte do coronel Gaddafi transbordou suas fronteiras: Mali, Chade, a República Centro-Africana (RCA) e a região sudanesa de Darfur rapidamente se tornaram parte do conflito líbio, o mesmo que agora ocorre com a crítica situação do Sudão. Pois nesse quadrante se estabeleceu uma das principais frentes da guerra atual.

 

No triângulo de Almuthallath, desde 2012, repetiu-se — como tantas vezes em diferentes partes do mundo quando explode uma nova “corrida do ouro” — a mesma parafernália de violência, ganância, desespero e crimes, que sempre se repete no território onde cai essa “bênção”.

 

Até lá começaram a chegar milhares de mineiros improvisados vindos de todos os cantos do Sahel, na esperança de deixar para trás a miséria, o que, na maioria dos casos, apenas conseguiam morrendo.

 

Esse cenário se modificou a partir de 2017, quando o general Khalifa Haftar, com sua força, o Exército Nacional Líbio, conseguiu se firmar no leste do país.

 

Apesar de ser hoje a força mais importante da Líbia, não mantém o controle total de suas fronteiras, já que, em suas margens, grupos como a Frente para a Alternância e a Concórdia no Chade (FACT), em sua guerra intermitente com a dinastia Déby, ou durante o governo do ditador sudanês Omar al-Bashir, o Movimento de Justiça e Igualdade (JEM) e o Movimento de Libertação do Sudão (SLM), infiltram-se em seu território e o utilizam como santuário para recarregar energias, restabelecer-se e voltar ao combate.

 

Atualmente, o general Haftar negocia seu combustível e armamento por ouro com o líder das forças paramilitares, Mohamed Hamdan Dagalo, conhecido como Hemetti, o que lhe permitiu nesse quadrante alcançar superioridade tática sobre as Forças Armadas Sudanesas.

 

Nesse contexto, em meados de junho, as Forças de Apoio Rápido (FAR) anunciaram ter o controle do setor sudanês da área fronteiriça compartilhada com a Líbia e o Egito. O avanço das FAR na região seguiu-se ao recuo das tropas regulares do general al-Burhan, que acusou Khalifa Haftar não apenas de assistir seus inimigos, mas de participar ativamente desses combates.

 

A batalha pelo controle do triângulo Almuthallath está longe de terminar; pelo contrário, espera-se que nas próximas semanas se intensifique, enquanto as FAS continuam enviando efetivos para o que talvez seja o passo definitivo para a conquista do triângulo.

 

Uma República de Darfur?

 

Na cidade de Nyala, capital do estado de Darfur Meridional, no dia vinte de julho passado, as Forças de Apoio Rápido anunciaram a formação do Governo de Paz e Unidade. A nova administração funcionará em paralelo com um governo sediado provisoriamente em Porto Sudão, no mar Vermelho, dirigido pelo general al-Burhan, líder das FAS.

 

O Governo de Paz e Unidade é formado por uma coalizão de grupos armados e políticos aliados às FAR, com base em Darfur e Kordofão, no Oeste e centro do país, o que representa cerca de 46% da superfície total do Sudão.

 

A nova capital conta com aeroporto e terminal ferroviária, além de ser um centro comercial, fundamentalmente de goma-arábica — substância utilizada pela indústria alimentícia e médica, uma das exportações mais importantes do país.

 

O objetivo das FAR é tentar conseguir representatividade oficial nos fóruns internacionais, até agora monopolizados pelo governo do general al-Burhan.

 

Com o nome de Janjaweed (cavaleiros armados), as atuais Forças de Apoio Rápido — que se oficializaram durante a ditadura de al-Bashir — foram responsáveis pelo genocídio de Darfur, entre 2002 e 2005, uma tentativa evidente de limpeza étnica que custou aos darfures negros (Fur, Zaghawa, Masalit) meio milhão de vidas. O que inevitavelmente voltará a ocorrer se as forças de Hemetti se apoderarem da região de Darfur e Kordofão — meio milhão de quilômetros quadrados com uma população próxima a 10 milhões — rica em reservas de ouro e terras cultiváveis.

 

Segundo a carta fundacional do governo paralelo de Nyala, de maioria árabe muçulmana, será mantido um sistema político descentralizado, com autonomias regionais de amplos poderes sobre seus recursos.

 

Embora nada esclareça sobre as etnias negras, majoritariamente cristãs, além da incorporação à nova administração de alguns elementos Fur.

 

De todo modo, a batalha por Darfur continua. A cidade de El Fasher, capital de Darfur do Norte, nas mãos das FAS, resiste às tentativas de tomada pelas FAR há mais de um ano e, enquanto essa batalha não se resolver, nada estará decidido nem em Darfur nem no Sudão.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

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