"Outra vez fogo sobre o Iêmen"
- NOVACULTURA.info
- 24 de mar.
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O presidente estadunidense Donald Trump, enquanto desfrutava de seu merecido descanso de fim de semana no Trump International Golf Club em West Palm Beach, Flórida, dedicou alguns minutos para comunicar que uma série de ataques aéreos havia sido lançada sobre o Iêmen, a primeira desde sua posse em 20 de janeiro passado.
Enquanto o magnata desfrutava de sua caminhada pelo campo de golfe, mais uma vez os alarmes que anunciavam o ataque soaram na cidade de Sanaa. Imediatamente, o fogo e a fumaça negra desses bombardeios elevaram-se sobre a capital iemenita, martirizada mil e uma vezes, o território que outrora foi chamado pelos romanos de Arábia Feliz.
Na noite de sábado, dia 15, como tantas outras vezes, os Estados Unidos voltaram a bombardear a capital da única república da Península Arábica. Nesta operação, participou o grupo de ataque do porta-aviões USS Harry S. Truman, estacionado no Mar Vermelho, que também conta com três destroieres, um cruzador e o submarino de mísseis de cruzeiro USS Georgia. Segundo um comunicado da milícia iemenita, lançaram uma vintena de mísseis e um drone contra o USS Harry Truman e se preparavam para uma nova rodada.
Em um comunicado assinado pela liderança houthi, informou-se que os ataques tiveram como principal alvo o complexo aeroportuário, onde também existe uma importante base militar. A incursão afetou ainda uma usina elétrica, provocando um grande apagão na cidade, e atingiu o bairro residencial de Shouab, ao norte da cidade. A província de Saada, onde se acredita que os houthis tenham seu quartel-general, próximo à fronteira com a Arábia Saudita, também foi atacada. Como resultado do ataque, cerca de 60 pessoas morreram e mais de cem ficaram feridas.
Donald Trump havia prometido dias antes usar “uma força letal esmagadora” até que as operações houthis no Mar Vermelho e no Golfo de Aden, um dos corredores marítimos mais importantes do mundo, fossem interrompidas.
Segundo o comunicado da Casa Branca, os ataques aéreos “contra as bases, líderes e defesas antimísseis dos terroristas têm a missão de proteger os ativos marítimos, aéreos e navais dos Estados Unidos e restaurar a livre navegação”.
Além disso, Washington advertiu Teerã para que deixe de apoiar o que chamou de “grupo rebelde” e prometeu fazer a República Islâmica pagar pelas consequências das ações de “seus representantes”.
Os ataques ianques ocorreram após a liderança houthi anunciar que estava pronta para retomar os ataques contra embarcações sionistas e de seus aliados que navegassem em suas costas, como resposta ao novo bloqueio que as Forças de Defesa de Israel (FDI) restabeleceram em Gaza, impedindo que toneladas de alimentos, medicamentos e água potável chegassem aos palestinos, que sobreviveram ao genocídio judeu. A frente houthi havia interrompido suas operações após o estabelecimento do cessar-fogo entre os sionistas e a Palestina, um dia antes da posse de Trump.
Os houthis, uma força irregular que controla grande parte do território iemenita, juntamente com o Hezbollah libanês e, em algumas ocasiões, o Irã, são os únicos, no populoso mundo muçulmano, que deram apoio concreto à defesa da Palestina.
Desde que Tel Aviv começou suas operações de extermínio, em 8 de outubro de 2023, ninguém fez mais para se opor ao plano de Benjamin Netanyahu do que a milícia iemenita, uma força que já demonstrou seu poder e ferocidade ao derrotar a poderosa aliança liderada pela Arábia Saudita e mais de uma dezena de países muçulmanos, incluindo os Emirados Árabes Unidos (EAU), Egito, Sudão e Paquistão, além de Israel, Estados Unidos e grande parte da OTAN.
Em março de 2015, Riad, o maior comprador de armas do mundo, com todo o seu poder militar, iniciou suas operações contra o Iêmen. Após cinco anos de bombardeios brutais e operações terrestres, todas foram rejeitadas uma a uma pelos houthis. Para não reconhecer a derrota, a aliança sionista-saudita, a partir de 2020, fez com que a guerra entrasse em uma nebulosa situação, que continua até hoje.
Desde que os houthis decretaram a proibição de navegação nas águas do Mar Vermelho, em meados de novembro de 2023, em solidariedade a seus irmãos palestinos, mais de cem navios mercantes foram atacados, com dois deles sendo afundados. Isso teve um efeito terrível no comércio naval mundial, obrigando muitas empresas de navegação do Golfo Pérsico e do Extremo Oriente a mudar suas rotas para o Mediterrâneo, contornando a África, o que gerou um atraso de mais de vinte dias e, obviamente, encareceu o preço dos fretes.
Esses ataques voltaram a colocar em evidência o grupo também conhecido como Ansarolá (Partidários de Deus), uma organização fundada em 1994 por Hussein Badreddin al-Houthi, daí o nome pelo qual são conhecidos mundialmente.
Após o início de suas operações no Mar Vermelho e no Golfo de Aden, os Estados Unidos e o Reino Unido tentaram neutralizar esses ataques sem sucesso. Por isso, os bombardeios foram suspensos, apesar de os mísseis houthis, em algumas ocasiões, terem atingido Israel, percorrendo mais de 2300 quilômetros e evitando as sofisticadas defesas sionistas.
Uma dor de dente repentina
Sem dúvida, para Trump, o desdobramento houthi representa uma dor de dente inesperada e repentina. Apesar dos graves problemas conjunturais que enfrenta, em suas até agora infelizes políticas econômicas, que lhe renderam ainda mais antipatia de seus súditos europeus, de seus vizinhos do Canadá e do México, e o obrigaram a entrar em guerra, por enquanto apenas econômica, com a China.
Em relação à China e, particularmente, às tarifas sobre carros elétricos, Trump causou um curto-circuito na relação com Elon Musk, a quem havia contratado como “Conselheiro Sênior do Presidente dos Estados Unidos”.
Enquanto a frente econômica entra em convulsão mundial, o golfista de Mar-A-Lago descobre que a guerra na Ucrânia é uma guerra séria e nada fácil de parar, como havia prometido durante sua campanha.
Donald Trump, ao longo de sua última campanha eleitoral, mal mencionou a complexa crise de segurança no Oriente Médio e muito menos as operações houthis no Mar Vermelho. Isso o surpreende como uma dor de dente no meio da noite. Ordenar bombardeios aleatórios, como seu antecessor Joe Biden já havia fracassado meses antes, é um sinal de incompetência que, sem dúvida, o Trump de 2017-2021 não teria cometido. O tempo passa para todos.
Esses ataques provavelmente foram uma resposta aos pedidos do cada vez mais pressionado Benjamin Netanyahu, que sabe que, em algum momento, acabará preso, não por corrupção, mas por algo pior: genocídio.
Enquanto isso, os houthis preparam suas plataformas de lançamento de mísseis no Mar Vermelho, reiniciando uma operação que representará mais do que uma dor de dente para muitos.
Enquanto Trump e o Departamento de Estado se consolam culpando os aiatolás pelo desdobramento houthi, um recurso teatral cansativo, já que as acusações contra Teerã persistem há quase 20 anos, sem que a CIA e o Mossad tenham apresentado evidências minimamente críveis de que isso seja verdade.
Tanto Trump quanto a resistência iemenita prometeram persistir com os ataques, embora o presidente estadunidense, como já demonstrou em seu governo anterior, não se decida facilmente por opções armadas. Lembremos que foi sua administração que encerrou a ocupação do Afeganistão, estabelecendo um plano de retirada que apenas a incompetência de Biden conseguiu arruinar.
Ele já deu alguns sinais de querer estabelecer conversações com o Irã para reduzir as chances de um aumento nas ações militares, o que certamente desagradará a Netanyahu, que continua a martirizar a Palestina, o Líbano e a Síria, tornando-se, como historicamente tem sido Israel, o maior obstáculo para a paz na região.
Por Guadi Calvo, no Línea Internacional
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