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"Quatro Séculos de Latifúndio": obra fundamental sobre o Brasil


A magistral obra “Quatro Séculos de Latifúndio” figura, a nosso ver, como o primeiro livro a ser lido e estudado detalhadamente por todos aqueles interessados em compreender a dura realidade do campo brasileiro e, através de tais compreensões, contribuir ativamente com a militância no seio dos movimentos de massas de camponeses e trabalhadores rurais, visando organizar as massas trabalhadoras rurais para concluir as tarefas da Revolução. Sendo assim, pode-se compreender facilmente a grande importância que esta obra possui para o avanço do movimento democrático e popular em nosso país.


“Quatro Séculos de Latifúndio” apareceu ao público pela primeira vez no ano de 1963, escrito diretamente pelas mãos do alagoano Alberto Passos Guimarães, então militante do Partido Comunista Brasileiro. Alberto Passos viria a publicar posteriormente a publicar outras importantes obras acerca do estudo da questão agrária, como nos anos de 1978 e 1982 quando publicou, respectivamente, “A Crise Agrária” e “As Classes Perigosas: Banditismo Rural e Urbano”. Diante de tamanha importância deste autor para a luta do movimento camponês, o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) batizou com seu nome um acampamento rural erguido sobre o antigo latifúndio São Francisco na zona da mata do estado de Alagoas.

Tratando-se de uma obra dedicada especificamente a caracterizar o sistema latifundiário brasileiro, “Quatro Séculos de Latifúndio” acaba por estudar, no geral, a anatomia do atraso econômico do país, relacionando-o exatamente com a persistência do latifúndio, esta verdadeira excrescência para qualquer projeto de desenvolvimento econômico independente até mesmo sob os marcos do capitalismo. Alberto Passos identifica, já no início do livro, que a gênese do sistema latifundiário brasileiro relaciona-se diretamente com a dominação colonial portuguesa exercida durante mais de 300 anos sobre o Brasil. Sob a dominação colonial, a nação dominante – a “metrópole” – transfere para o país que domina – a “colônia” – exatamente os elementos mais retrógrados que possui no seio de sua economia e que facilitem esta mesma dominação. Decorre daí, então, que para uma nação como Portugal que se encontrava, no século XVI, ainda sob a hegemonia do sistema feudal, fosse impossível transferir para uma colônia sua um sistema mais avançado que ainda desconhecia – no caso, o sistema capitalista. Concluindo a questão como se coloca, Alberto Passos Guimarães rechaça e polemiza com a equivocada visão que então ganhava campo nos círculos acadêmicos da época, segundo a qual a forma de caracterizar o sistema latifundiário brasileiro no período colonial seria capitalista.


Como país feudal que era, Portugal viera a transferir para o Brasil colonial o típico modelo legislativo, administrativo e territorial dos tempos feudais, dividindo nosso país em 15 grandes feudos, as “Capitanias Hereditárias”. Porém, implanta no Brasil um sistema de relações de produção já há séculos superado pela humanidade – a escravidão –, facilitando assim a dominação colonial portuguesa. No que diz respeito ao grau de desenvolvimento da divisão social do trabalho adquirido no Brasil colonial, Portugal – onde então já era de grande desenvolvimento a economia mercantil – transfere para sua colônia os traços mais evidentes da economia natural, de subsistência ou autoconsumo. Ainda que a célula da unidade colonial de então – o engenho de açúcar baseado no trabalho de escravos – fosse baseada na monocultura canavieira de exportação, não foi capaz então de gerar no Brasil um mercado interno para a aquisição de manufaturas industriais portuguesas, manufaturas estas que Portugal, por sinal, pouco produzia. O engenho assumia o caráter de uma unidade econômica autossuficiente produtora de açúcar como gênero de produto de luxo ou “especiaria”. Caracterizar o sistema latifundiário brasileiro em sua origem como colonial, feudal e escravista, simultaneamente, é como o faz o militante Alberto Passos Guimarães.


Introduzindo desta maneira os antecedentes históricos da questão agrária em nosso país, o autor estuda ao longo dos capítulos as três principais formas de propriedade agrária latifundiária vigentes no Brasil ao longo de sua história, do ponto de vista de seu desenvolvimento histórico, relações de produção, relação com o mercado interno ou externo, assim como também as modalidades de pequena propriedade camponesa:


- Engenho de açúcar: primeira célula da sociedade colonial brasileira estabelecida a partir do gênero da cana de açúcar, produzido a partir do braço do escravo africano e baseada na grande propriedade fundiária e na monocultura. O fato de os primeiros engenhos haverem sido construídos nas regiões litorâneas do nordeste brasileiro se explicam não apenas pela maior proximidade relativa do mercado português como, também, pela questão do clima e da facilidade dos transportes, dado que a abundância de grandes e pequenos rios nesta região vieram a compensar em grande medida a precariedade nos meios de transportes. As relações de produção pré-capitalistas escravistas vigentes no engenho de açúcar viriam, em certa medida, a coexistir com as relações de produção do feudalismo. O engenho, como unidade econômica autossuficiente, possuía nas periferias dos canaviais pequenas glebas trabalhadas pelos escravos para a produção de gêneros alimentícios. Desta maneira, a propriedade absoluta dos senhores de engenho sobre os escravos coexistiam com relações análogas à servidão da gleba na medida em que deveriam os escravos trabalhar também para si, afim de se manterem de pé para trabalhar de forma gratuita para os senhores.


- Fazenda: a fazenda de gado se desenvolve no Brasil, primeiramente, na completa dependência do latifúndio canavieiro. Serve para fornecer ao engenho de açúcar as indispensáveis cabeças de gado necessárias para arar as grandes extensões de terras para o plantio de cana de açúcar e para as moendas da cana de açúcar localizadas nas manufaturas do engenho. Aqui, o senhor de engenho quase sempre é, também, um senhor de gado. Com o posterior desenvolvimento das forças produtivas coloniais, a fazenda de gado assume o caráter de latifúndio independente e separado territorialmente do latifúndio canavieiro. Do ponto de vista do desenvolvimento histórico de nosso país, a fazenda de gado teve uma importância crucial no sentido da expansão do colonialismo português para as áreas do sertão e do agreste no nordeste brasileiro.


Pode-se considerar que o surgimento e desenvolvimento da exploração aurífera no estado de Minas Gerais foi um grande fator impulsionador das fazendas por fornecer às áreas de exploração de ouro a carne bovina (na forma de charque) e bois de carga. A baixa qualidade dos pastos nas regiões secas do nordeste brasileiro e norte de Minas Gerais era compensada, contudo, pela enorme quantidade de terras livres para serem incorporadas ao latifúndio do gado. Do ponto de vista das relações de produção, esta modalidade de latifúndio nasce já sob o signo do feudalismo. As relações de guerra que se estabelecem entre o indígena e o colonizador português no período do desenvolvimento da lavoura canavieira dão lugar, no caso do estabelecimento das fazenda, a uma relação pacífica onde o indígena gradualmente se torna pequeno vaqueiro, arrendatário do senhor de gado, cuidando do gado deste mas recebendo em troca uma pequena parcela das crias do gado. “A natureza do trabalho nos currais, a ausência do proprietário, a impossibilidade mesma de uma vigilância contínua e direta, o número reduzido de braços necessários, enfim o sistema de produção da pecuária não exigiria o trabalho escravo, adaptando-se melhor às formas de servidão [...] O índio é aí mais amplamente utilizado, num desmentido à sua “incapacidade” ao trabalho [...]”


- Latifúndio cafeeiro: as primeiras mudas de café foram trazidas para o Brasil no início do século XVIII. Será a partir do início do século XIX que, contudo, a exportação do café ganhará força e, a partir de meados deste século, superará a exportação de açúcar no que diz respeito ao valor total da pauta de exportações do Brasil. A transição de uma economia agrária semifeudal baseada principalmente na exportação do açúcar para outra baseada na exportação do café, de certa forma, tenderá a se relacionar com a gradual substituição do dominador colonial do Brasil de Portugal para a Inglaterra. A crescente importância do café na pauta de exportações do país a partir desta época também significará a crescente hegemonia das oligarquias cafeeiras do sudeste brasileiro (principalmente de São Paulo, onde então se concentravam as principais lavouras do gênero) sobre os senhores de engenho do nordeste brasileiro. Na Inglaterra, onde o elevado desenvolvimento do modo de produção capitalista engendra um enorme contingente numérico da classe operária, com um estilo de vida que se baseava também no consumo do café na forma de bebida, aumentar-se-á então a demanda sobre o café brasileiro, ocasião aproveitada pelas oligarquias cafeeiras para enriquecerem e aumentarem seu poder sobre a terra. O latifúndio cafeeiro, neste sentido, irá reproduzir uma série de características do engenho açucareiro, como o monopólio da terra por parte da classe latifundiária e, de certo modo, o trabalho escravo. Contudo, o latifúndio cafeeiro irá abrir mão de certas tradições típicas do latifúndio canavieiro, entre elas a autossuficiência econômica.


Enquanto que a preponderância do engenho de açúcar relacionava-se à existência do colonialismo primitivo português que impunha ao Brasil a condição de produtor de gêneros de especiarias, o açúcar como a principal delas, o latifúndio cafeeiro apresentará os sintomas de uma economia semicolonial brasileira dominada não pelo colonialismo primitivo português, mas pelo imperialismo capitalista britânico e, posteriormente, norte-americano, onde o café terá um papel preponderante no sentido do saque do país pelo capitalismo estrangeiro e as receitas geradas por suas exportações serão utilizadas para a importação de produtos industriais acabados da Inglaterra (e posteriormente Estados Unidos), para o pagamento de tributos a banqueiros estrangeiros e, principalmente, a espoliadora dívida externa. Ainda que no latifúndio do café, ao menos no período inicial, as relações de produção que predominavam tenham sido as pré-capitalistas escravistas, será exatamente na lavoura cafeeira onde o colonato feudal alcançará uma difusão generalizada. As formas de exploração feudais na modalidade de comodato (renda-trabalho) e meação (entregar metade da colheita do café ao latifundiário) terão uma importância certamente mais decisiva que aquela que o trabalho escravo adquiriu nos períodos áureos do engenho do açúcar.


Uma obra de tão grande importância certamente mereceria uma continuação e um posterior desenvolvimento. Se Alberto Passos Guimarães teve a honra de apresentar ao público brasileiro seu “Quatro Séculos de Latifúndio”, certamente as próximas e atuais gerações de democratas e patriotas brasileiros que lutam pela reforma agrária e a industrialização nacional deverão assumir o compromisso de apresentarem às massas o possível “Cinco Séculos de Latifúndio”, diante da não realização da fundamental demanda democrática da revolução burguesa que é a destruição da grande propriedade latifundiária e sua distribuição a todos os camponeses sem terra ou com pouca terra.


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