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"O financiamento da CIA para promover a cultura apolítica"

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info

Hannah Arendt, George Orwell, Isaiah Berlin, Sidney Hook, Daniel Bell e muitos outros, e suas revistas, foram financiados pela CIA para se oporem aos artistas e escritores engajados na luta contra o capitalismo.

Foi publicado recentemente, em Londres, o livro Who Paid the Piper: The ClA and the Cultural Cold War (Quem paga a orquestra: a ClA e a guerra fria cultural), de Frances Stonor Saunders, que faz uma detalhada estimativa das formas pelas quais a CIA atuou e influenciou em um grande número de organizações culturais, através de seus agentes ou por meio de organizações filantrópicas, como as fundações Ford e Rockefeller. A autora dá detalhes de como e porque a CIA organizou congressos culturais, montou exibições de arte e organizou concertos. A CIA também publicou e traduziu autores conhecidos que seguiam a linha de Washington, financiou a arte abstrata contra arte com conteúdo social e, pelo mundo, subsidiou jornais que criticavam o marxismo, o comunismo e políticas revolucionárias. Justificou também, ou ignorou, as políticas imperialistas violentas e destrutivas dos EUA. A CIA criou um biombo para alguns dos principais expoentes da liberdade intelectual no Ocidente, colocando-os a seu serviço, a ponto de incluir alguns desses intelectuais em sua folha de pagamentos. Muitos eram conhecidamente envolvidos em "projetos" da CIA, e outros circulavam em sua órbita, alegando desconhecer a ligação com a CIA depois que esses financiamentos foram denunciados no final da década de 1960 e durante a guerra do Vietnã, quando a onda política virou-se para a esquerda. Publicações anticomunistas americanas e europeias receberam fundos diretos e indiretos, incluindo Partisan Review, Kenyon Review, New Leader, Encounter e muitas outras.

Entre os intelectuais financiados e promovidos pela CIA estavam Irving Kristol, Melvin Lasky, Isaiah Berlin, Stephen Spender, Sidney Hook, Daniel Bell, Dwight MacDonald, Roberto Lowell, Hannah Harendt, Mary McCarthy e numerosos outros, nos EUA e na Europa. Na Europa, a CIA estava particularmente interessada em promover a "esquerda democrática" e ex-esquerdistas, como Ignacio Silone, Stephen Spender, Arthur Koestler, Ràymond Aron, Anthony Crosland, Michael Josselson e George Orwell.

Sob o estímulo de Sidney Hook e Melvin Lasky, a CIA teve importante papel no financiamento e promoção do Congresso Para a Liberdade Cultural, uma espécie de OTAN da cultura, que reuniu toda a sorte de "anti-stalinistas" de direita e de esquerda. Eles tinham toda a liberdade para defender valores políticos e culturais do Ocidente, atacar o "totalitarismo stalinista" e tagarelar suavemente sobre o racismo e o imperialismo americanos. Ocasionalmente, críticas marginais contra a sociedade de massa americana apareciam nos jornais subsidiados pela CIA. O que era particularmente bizarro nesse conjunto de intelectuais financiados pela CIA não era só seu sectarismo político, mas a pretensão de que serem pesquisadores desinteressados da verdade, humanistas iconoclastas, intelectuais de espírito livre ou artistas adeptos da arte pela arte, que se contrapunham aos artistas corrompidos, comprometidos e prostituídos pelo aparato stalinista. É impossível acreditar quando eles juravam ignorar as ligações com a CIA. Como poderiam ignorar a ausência, em seus jornais, de qualquer crítica mesmo elementar aos numerosos linchamentos que ocorriam em todo o sul dos EUA nessa época? Como poderiam ignorar a ausência, em seus congressos culturais, de críticas à intervenção imperialista na Guatemala, Irã, Grécia e Coreia, que deixaram milhões de mortes? Como poderiam ignorar as grosseiras descul-pas, nos jornais onde escreviam, para os crimes imperialistas? Eles eram soldados: alguns lisonjeiros, cáusticos, rudes e polêmicos, como Hook e Lasky; outros, ensaístas elegantes, como Stephen Spender, ou informantes donos-da-verdade, como George Orwell. Saunders retrata como a elite wasp (sigla de White, Anglo-Saxon, Protestant, expressão que designa a elite americana, branca, protestante e anglo-saxã) manipula os cordéis da CIA; des-creve também o rosnar de antigos esquerdistas contra aqueles que permanecem atuando nos movimentos de esquerda. Quando a verdade sobre esses financiamentos da CIA veio à tona, no final da década de 1960, alguns "intelectuais" de Nova York, Paris e Londres fingiram indignação, alegando terem sido manipulados. Foram desmentidos por Tom Braden, ex-dirigente da Seção das Organizações Internacionais da CIA, que os desmascarou dando detalhes de como eles, na verdade, sabiam quem pagava seus salários e bolsas. De acordo com Braden, a CIA financiou sua "conversa fiada literária", frase usada pelo dirigente linha dura da CIA, Cord Meyer, para descrever os exercícios intelectuais antistalinistas de Hook, Kristol e Lasky. Ele revelou que as mais prestigiosas e co-nhecidas publicações da chamada "esquerda democrática" (Encounter, New Leader, Partisan Review) foram financiadas pela CIA, e que "um agente se tomou diretor da Encounter". Em 1953, escreveu, "estávamos operando ou influenciando organizações internacionais em todos os campos". O livro de Saunders dá informações úteis sobre as formas como esses trabalhadores intelectuais da CIA defendiam os interesses imperialistas dos EU A nas frentes culturais, e abre uma importante discussão sobre as conseqüências a longo prazo das posições ideológicas e artísticas defendidas por esses agentes intelectuais do imperialismo.

Saunders refuta as afirmações de Hook, Kristol e Lasky de que a CIA e as fundações a ela ligadas promoviam ajuda sem exigir contrapartida. Demonstra que, ao contrário, "esperava-se que os indivíduos e instituições subsidiados pela CIA fossem ( ... ) parte de uma propaganda de guerra". A propaganda mais eficiente era definida pela CIA como aquela em que "o sujeito se move na direção em que você deseja, por razões que ele acredita serem as suas próprias". A CIA dava dinheiro para a tagarelice da esquerda democrática sobre reforma social, mas o que lhe interessava mesmo eram as polêmicas "anti-stalinistas" e as diatribes literárias contra os marxistas ocidentais e os escritores e artistas soviéticos. Os autores dessas diatribes recebiam financiamentos mais generosos e eram promovidos com maior visibilidade. Para Braden, elas refletiam a "convergência" entre a CIA e a esquerda democrática na luta contra o comunismo. A colaboração entre a esquerda democrática e a CIA incluía ações anti-greves na França, deduragem contra stalinistas (Orwell e Hook), e campanhas difamatórias disfarçadas para evitar que artistas de esquerda tivessem reconhecimento (como ocorreu quando Pablo Neruda foi indicado para o prêmio Nobel de literatura, em 1964).

A CIA, como arma do governo norte-americano mais envolvida na luta cultural durante a Guerra Fria, centrou sua o que interessava mesmo à CIA eram as polêmicas 'antistalinistas' e a verborréia literária contra marxistas ocidentais e escritores e artistas soviéticos ação na Europa após a Primeira Guerra Mundial. Depois de quase duas décadas de guerra capitalista, depressão, e ocupação pós-guerra, a grande maioria dos intelectuais e sindicalistas europeus eram anticapitalistas e particularmente críticos das pretensões hegemônicas dos EUA.

Para combater a atração do comunismo e o crescimento dos partidos comunistas na Europa (especialmente na França e Itália), a CIA criou um programa de mão dupla. Por um lado, diz Saunders, certos autores europeus foram promovidos como parte de um "programa anticomunista" explícito. O critério cultural adotado pela CIA para "textos adequados" incluía "críticas contra a política externa soviética e contra o comunismo como forma de governo, desde que considerados objetivos e escritos de maneira convincente e oportuna". A CIA gostava especialmente de publicar textos de autoria de ex -comunistas desiludidos, como Silone, Koestler e Gide. A CIA promoveu escritores anticomunistas, financiando generosamente conferências em Paris, Berlim ou Bellagio, às margens do Lago Como, na Itália, onde cientistas sociais e filósofos como Isaiah Berlin, Daniel Bell e Czeslow Milosz pregavam seus valores (e as virtudes da 'liberdade e independência intelectual do Ocidente', dentro dos parâmetros anticomunista e pró-Washington definidos pelos seus patrões da CIA). Nenhum desses intelectuais de prestígio teve coragem de levantar a menor dúvida ou questionamento sobre o apoio dos EUA aos assassinatos em massa na Indonésia e na Argélia, a caça às bruxas contra intelectuais norte-americanos ou os linchamentos paramilitares promovidos pela Ku Klux Klan no sul dos EUA, assuntos "banais" que deviam ser deixados aos comunistas, segundo Sidney Hook, Melvin Lasky e o grupo do Partisan Review, que procurou avidamente recursos financeiros para evitar a falência da revista. Aliás, muitas dessas famosas revistas anticomunistas teriam falido sem o dinheiro da CIA, que comprou milhares de exemplares e, mais tarde, distribuiu-os gratuitamente. O outro caminho usado pela CIA para a intervenção cultural foi muito mais sutil. Ele envolvia a promoção de sinfonias, exibições de artes plásticas, balé, grupos de teatro, e a apresentação de músicos de jazz famosos e cantores de ópera, com o objetivo explícito de neutralizar o sentimento anti-imperialista na Europa e criar um ambiente favorável à cultura e ao governo norte-americanos. A ideia que orientava essa política era difundir a cultura norte-americana, para alcançar a hegemonia cultural em apoio ao império militar e econômico dos EUA. A CIA gostava especialmente de enviar artistas negros para a Europa particularmente cantores (como Marion Anderson), escritores e músicos (como Louis Armstrong), para neutralizar a hostilidade europeia contra a política interna racista dos EUA. Se os intelectuais negros não aderiam ao script artístico e faziam críticas explícitas, eram banidos da lista, como foi o caso do escritor Richard Wright. O nível de controle político da CIA sobre a agenda intelectual dessas atividades artísticas aparentemente apolíticas foi demonstrado claramente na reação dos editores de Encounter (Lasky e Kristol, entre outros) contra um artigo proposto por Dwight MacDonald. Ele era um dissidente anarquista e antigo colaborador do Congresso Para a Liberdade Cultural e de Encounte r para a qual escreveu, em 1958, um artigo intitulado "America America", criticando a cultura de massa americana, seu materialismo rude e falta de civilidade. Era uma negação dos valores americanos, a matéria-prima da qual era feita a propaganda da CIA e da Encounter na guerra cultural contra o comunismo. O ataque de MacDonald ao "decadente império americano" foi demais para a CIA e seus intelectuais empregados na Encounter. Embora Braden tenha escrito, nas instruções para os intelectuais, "que não se pode exigir, das organizações financia-das pela CIA, o apoio a todos os aspectos da política dos EUA", esse era geralmente o quesito mais importante quando estava em jogo a política externa dos EUA. Apesar de MacDonald ser um ex-editor de Encounter, seu artigo foi recusado, mostrando que as queixas piedosas contra a guerra fria feitas por escritores como Nicola Chiaromonte, publicadas na segunda edição de Encounter, segundo as quais "nenhum intelectual pode deixar de aceitar, sem degradar-se, o dever de desmascarar ficções, não aceitando 'mentiras úteis' apresentadas como verdades", certamente não se aplicava a Encounter e sua famosa lista de colaboradores quando se tratava de lidar com as "mentiras úteis" do Ocidente. Uma discussão importante e fascinante no livro de Saunders revela a ação da CIA e seus aliados no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), que aplicaram muito dinheiro para promo-ver as pinturas e os pintores do expressionismo abstrato como antídoto contra a arte de conteúdo social. Nessa ação, a CIA chocou-se com a direita no Congresso dos EUA. Ela viu nessa arte uma "ideologia anticomunista, a ideologia da liberdade e da livre empresa. Não figurativa e politicamente silenciosa, era a perfeita antítese do realismo socialista" . A CIA e o MoMA viram essa arte como a verdadeira expressão da vontade nacional americana. Para enfrentar a crítica da direita parlamentar, a CIA voltou-se para a iniciativa privada (isto é, o MoMA e seu co-fundador, Nelson Rockefeller, que se referia ao expressionismo abstrato como "a pintura da livre empresa"). Muitos diretores do MoMA tinham ligações antigas com a CIA, e apoiavam a promoção do expressionismo abstrato como arma da guerra fria cultural. Mostras dessa arte foram organizadas em toda a Europa, sendo gasto muito dinheiro para isso. Críticos de arte foram mobilizados, e revistas de arte publicaram artigos com generosos elogios. A combinação dos recursos econômicos do MoMA com a ajuda da Fundação Fairfield, ligada à CIA, assegurou a colaboração das galerias européias de maior prestígio que, por sua vez, puderam influenciar a estética em toda a Europa. O expressionismo abstrato, como ideologia de uma "arte livre" (como disse George Kenan), foi usada para atacar politicamente os artistas engajados na Europa. O Congresso Para a Liberdade Cultural (ponta de lança da CIA) deu grande apoio à pintura a