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"A Chacina da Lapa e a mudança na linha do Partido Comunista do Brasil"


São Paulo, Rua Pio XI, Alto da Lapa, manhã de quinta-feira, 16 de dezembro de 1976: homens do Destacamento de Operações e Informações (DOI) do II Exército e tiras da Polícia Civil, comandados pelo tenente-coronel Rufino Ferreira Neves cercam a casa de número 767. Era por volta das 7 horas, a rua estava bloqueada e alguns moradores já notavam a grande quantidade de viaturas, homens e armas. “Eu estava dormindo e acordei sobressaltada com os tiros”, disse uma empregada da casa em frente. Não houve troca de tiros, como a repressão – na época – dissera, foi um fuzilamento. Os ocupantes da casa naquele momento, usada para as reuniões do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil que aconteceram entre 12 e 15 de dezembro, eram: Pedro Pomar, João Batista Drummond e Ângelo Arroyo, além da militante comunista Maria Trindade que era encarregada da parte doméstica do aparelho. Com exceção de Trindade, todos os outros morreram, de forma violenta e covarde. A infiltração no Partido era grande, como no Comitê Regional do Rio de Janeiro, segundo uma conversa entre Pomar e Ozéas Duarte, relatada anos depois da Chacina por seu Wladimir Pomar (filho de Pedro Pomar), estava “numa situação em que podemos cair a qualquer hora”. Jover Teles, o traidor do Partido que entregou à repressão o local da reunião do CC que culminou na Chacina, era dirigente do CR do Rio. A infiltração na organização era grande e, pelo que parece, muitos suspeitavam disso.

A queda dos três dirigentes criou uma baixa irreparável ao Partido, principalmente a perda do então secretário de organização Pedro Pomar. Pomar era um dos melhores quadros revolucionários do Brasil naquela altura. Um dos poucos, dentro do Partido, a defender uma “avaliação crítica e autocrítica” sobre a participação da organização na chamada Guerrilha do Araguaia e a rever erros cometidos pela direção desde a reorganização partidária em 1962. Nas anotações de Aldo Arantes, que fazia parte do CC e anotara as opiniões dos companheiros, segundo Pedro Estevam da Rocha Pomar em Massacre na Lapa, Pomar (codinome Souza) dizia – sobre a Guerrilha do Araguaia – existir uma “concepção de fundo nacional-burguesa”, sem abordar o ponto de vista da classe operária e do campesinato e sim “do ponto de vista pequeno-burguês” e que não teria sido, o movimento armado, uma guerra popular e sim uma “guerra particular, de especialistas”. No mesmo sentido crítico ia Jorge (Arroyo) que, na sua fala, dizia ter havido “subestimação do inimigo” como erro o principal. Resultado: dezenas de quadros, valorosos combatentes, a maioria jovem, foram presos, torturados, assassinados e desaparecidos pela máquina repressiva da Ditadura Militar que contou com 25 mil homens nas selvas do Norte brasileiro.

A organização e a prática da luta armada comandada pelo Partido Comunista do Brasil, na região conhecida como Bico do Papagaio (onde ficavam os estados de Goiás, Pará e Maranhão), mais precisamente na região do Araguaia, foi o objeto principal nas discussões durante as reuniões do Comitê Central na casa da Rua Pio XI[1]. Dentro do Partido Comunista do Brasil havia, pelo menos desde meados da década de 1960, divergências sobre a escolha do local para a luta armada e sobre as concepções dessa luta[2]. Pedro Pomar, que também era da Comissão Executiva do Partido, defendia o caminho da guerra popular, com amplo apoio das massas, num trabalho incessante, algo que não aconteceu no Araguaia e que foi um dos motivos da derrota, mas que o Partido precisava saber “tirar lições dos erros, realizar uma autocrítica corajosa, sem o que jamais conseguiremos transformar a derrota que sofremos na vitória tão ansiada”. A reunião, portanto, poderia ter sido o espaço ideal para se construir essa autocrítica, muito embora o líder máximo do Partido, João Amazonas, se encontrasse em viagem ao exterior e – posteriormente à Chacina – ter se negado a realizar essa autocrítica. A reunião do CC (entre os dias 12 a 15 de dezembro de 1976) não fez essa autocrítica tão desejada por Pomar. Qual teria sido o destino de Pomar e outros dirigentes contrários a valorização tão acrítica do Araguaia?

Essas divergências internas – principalmente nas questões centrais de críticas e autocríticas à experiência do Araguaia, começaram a aparecer na liderança do Partido após as quedas ocorridas até aquele momento. Tudo indica que Amazonas era minoritário nessa discussão. Pedro Pomar, que dirigia, naquele momento, a Comissão de Organização do Partido, comissão essa que era encarregada de reestruturar o Partido Comunista do Brasil devido à essas quedas e mortes ocorridas, temia que as divergências chegassem ao ponto de criar mais uma cisão com uma possível saída do Partido do grupo ligado a Amazonas[3]. A reunião do CC também discutiu outros temas não menos importantes como, por exemplo: o apoio do Partido aos candidatos do MDB nas eleições que seriam realizadas em 1978[4]; as expulsões dos militantes José Maria Cavalcante, Roberto Martins e Luiz Vergatti, por “mau comportamento” enquanto estiveram presos; assim como duras críticas ao editorial de A Classe Operária, em agosto de 1976, que vangloriava a Guerrilha, no documento intitulado “Gloriosa jornada de luta”, dividindo o CC.

Passado todo o grande baque sofrido pela Chacina que acabou com a vida de valiosos quadros revolucionários, além de prender outros, o Partido Comunista do Brasil – após um breve período de silêncio (até natural após a tragédia) – volta a sua vida orgânica. Documentos de Pedro Pomar são publicados e o debate sobre o Araguaia se torna do conhecimento geral. João Amazonas, agora secretário-geral do Partido, em uma entrevista ao jornal Movimento, de oposição a Ditadura Militar, nada fala sobre esses documentos. A nova direção partidária convoca a VII Conferência Nacional, realizada na Albânia, entre 1978/1979, e volta a aprovar o documento “Gloriosa jornada de luta”, que passaria a ser o “ponto de partida para a sistematização daquela experiência”, ou seja, a linha central do Partido Comunista do Brasil daquela data em diante. É o próprio Amazonas que declara isso na entrevista. A autocrítica, como queria Pomar e outros membros do Comitê Central, não foi realizada e, pelo contrário, houve sim a glorificação do Araguaia. Amazonas ainda justifica que o Araguaia teve apoio popular e cita que nas colunas guerrilheiras havia até 1/3 de camponeses locais participando da luta. O secretário-geral chega a afirmar que seria uma luta maior ainda se tivessem existido “cinco, dez Araguaias”, numa clara referência ao foquismo guevarista, algo totalmente oposto ao que defendia Pedro Pomar que vinha desenvolvendo, na autocrítica ao Araguaia, a defesa da guerra popular para a derrubada da Ditadura Militar. Amazonas destaca ainda que o pensamento do Partido evoluíra e que a luta armada não poderia ser considerado “um ato voluntarista”, além de que a classe operária tinha se desenvolvido muito no Brasil para que a guerra popular, baseada na luta camponesa, fosse levada em consideração. Era uma mudança de posição muito rápida. Em três anos o Partido mudara de rota e passava a considerar que no Brasil já existia sim uma classe operária forte e que, erroneamente, havia sido esgotada a estratégia do cerco das cidades pelo campo. Após a VII Conferência de Tirana, o que restava do Pensamento Mao Tsé-Tung é abandonado pelo Partido Comunista do Brasil, demonstrando claramente os caminhos errados que já estavam sendo tomados pelo mesmo, que rumava a largos passos para o oportunismo de tipo esquerdista. Essa Conferência, é importante destacar, se dará sob condições não muito democráticas. Os delegados não são eleitos pelos coletivos, pelo contrário, são todos escolhidos a dedo pelo Comitê Central, de cima para baixo. Durante a Conferência, o VI Congresso Nacional do Partido Comunista do Brasil é convocado, embora o CC se encarregaria de anular essa decisão e postergar – por quase cinco anos – a sua realização[5].

Por Clóvis Manfrini

NOTAS

[1] Não nos aprofundaremos aqui sobre a Guerrilha do Araguaia.

[2] As divergências sobre o local e a concepção de luta armada foram determinantes na cisão de 1966 que criou o Partido Comunista Revolucionário (PCR), com maior atuação no Nordeste.

[3] Eram mais próximos de Amazonas naquele momento, no Comitê Central, Arroyo e Elza Monerat. É interessante observar que, segundo o dirigente do Partido Comunista Brasileiro, Giocondo Dias, exilado na Europa nesta mesma época, dirigentes brasileiros da esquerda (Amazonas, dirigentes do MR8 e o próprio Dias) chegaram a conversar sobre a possibilidade de se criar uma organização unificada da esquerda para lutar contra a Ditadura, sem descartar a dissolução dos partidos (PCB, PCdoB e MR8).

[4] Em 1974 o Partido Comunista do Brasil recomendou os votos branco ou nulo nas eleições daquele ano. Nas eleições de 1978 o Partido conseguiria eleger para a Câmara Federal o operário Luís Peres pela legenda do MDB de São Paulo.

[5] Militantes dos Comitês Regionais da Bahia, de São Paulo, do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e do Espírito Santo, descontentes com essa decisão, decidem convocar um VI Congresso (Extraordinário). São expulsos e cria-se outra cisão: é dessa cisão que se forma o Partido Revolucionário Comunista (PRC).

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