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Marx: "População, crime e pauperismo"

Um Blue book [1] , intitulado “Resumo estatístico para o Reino Unido em cada um dos últimos 15 anos de 1844 a 1858”, foi apresentado a ambas as Casas do Parlamento durante a última sessão. Por mais áridos que os dados compilados nas colunas da edição oficial possam parecer, eles, de fato, contêm mais contribuições valiosas à historiografia do movimento nacional do que vários volumes de retórica oca e intriga (gossip) política. O primeiro item a nos chamar a atenção são as tabelas relativas à população (population tables), mas, estranhamente, os números (figures) relacionados ao movimento da população da Irlanda durante esses 15 anos são completamente omitidos. A tabela relativa à Escócia (Scotich table) mostra apenas oscilações débeis (feeble oscilations), sobre as quais não devemos nos alongar. A seguir temos a contabilidade do movimento populacional na Inglaterra e no País de Gales:

Confrontando esta primeira tabela populacional, opomos os números a respeito da criminalidade e do pauperismo (pauperism) na Inglaterra e no País de Gales.

Indiciados Criminalmente

A tabulação do número de indigentes (paupers) (exclusivamente mendigos) que recebem auxílio nas diversas paróquias e sindicatos sob o Conselho de Guardiões da Inglaterra e do País de Gales se inicia com o ano de 1849:

Ao comparar as três tabelas populacionais, de criminalidade e acerca do pauperismo (pauperism), encontraremos:

durante o período de 1844 a 1854 a criminalidade cresceu em nível mais acelerado do que a população, enquanto a pobreza (pauperism) permaneceu praticamente inalterada entre 1849 e 1858, apesar das enormes mudanças operadas neste intervalo no estado da sociedade britânica. Três grandes fatos marcam o decênio de 1849-1858 – fatos que quase justificariam a comparação às mais ilustres épocas do século XVI. As leis dos cereais haviam sido revogadas [2], os campos de extração de ouro, descobertos, e uma imensa emigração ocorreu. Houve, ainda, outras circunstâncias que deram novo fôlego (new start) à indústria e ao comércio. Da convulsão revolucionária [3] a Europa havia se convertido à obsessão industrial. A conquista do Punjab [4] e as guerras da Rússia e da Ásia tornaram acessíveis mercados até então quase desconhecidos. Por fim, a importação da produção Inglesa pelos Estados Unidos se desenvolveu em proporções inimagináveis nos dez anos anteriores. O mercado de todo o mundo se expandiu e aparentemente havia dobrado ou triplicado seus poderes de absorção (powers of absortion). Ainda assim, durante este decênio memorável, a soma milionária de pobres ingleses (the stationary million of English paupers) diminuiu apenas em 26.233 indivíduos. Se compararmos aos anos de 1853 e 1858, o número aumentou em 109.364.

Deve haver algo de podre na essência mesma de um sistema social que eleva sua riqueza sem diminuir sua miséria, e eleva sua criminalidade ainda mais rapidamente. É bem verdade que, comparando o ano de 1855 aos anos que o precederam, parece haver uma diminuição sensível na criminalidade, de 1855 a 1858. O número total de pessoas indiciadas, que em 1854 chegou à escala de (amounted to) 29.359, encolheu para 17.855 em 1858; e o número de condenados também diminuiu, se não na mesma proporção, em escala de igual monta. Entretanto, tal diminuição aparente (apparent decrease) nos números da criminalidade, a partir de 1854, pode ser atribuída exclusivamente a algumas alterações técnicas na jurisdição britânica (techinical changes in British jurisdiction); primeiramente, à Lei de Delinquência Juvenil [5] (Juvenile offenders´act), em segundo lugar, à aplicação da Lei de Justiça Criminal (Criminal justice act) de 1855, que autoriza os oficiais de polícia (Police Magistrates) a proferir sentenças de curta duração com o consentimento dos prisioneiros. Violações da lei geralmente emergem como resultado de ações econômicas (economical agencies), que se encontram além do alcance dos legisladores; mas, assim como a aplicação (the working of) da Lei da Delinquência Juvenil demonstra, depende, em certa medida, da sociedade oficial [6] (official society) carimbar (to stamp) [7] certas violações como crimes ou como meras transgressões. Tal diferença de nomenclatura, longe de indiferente, decide o destino de milhares de homens, além da postura moral (moral tone) da sociedade. A lei mesma não deve apenas punir crimes, mas remediá-los, e a lei dos advogados profissionais é bastante apta a trabalhar nesta direção. Desta mesma forma, foi bem apontado por um eminente historiador que os clérigos católicos de tempos medievais, com suas visões obscuras da natureza humana, introduzidas por sua por sua influência na legislação criminal, criaram mais crimes do que pecados veniais.

Por estranho que possa soar, a única parte do Reino Unido em que a criminalidade sofreu diminuição considerável, digamos de 50% a até 75%, foi a Irlanda. Como seria possível conciliar a opinião pública corrente na Inglaterra, de acordo com a qual é a natureza do irlandês, e não o desgoverno (misrule) britânico, a responsável pelas deficiências da Irlanda? Novamente, tais números nada têm que ver com as ações do governo britânico, são simples consequências da fome, do êxodo e uma combinação geral de circunstâncias favoráveis à demanda por trabalho irlandês, que conformaram esta feliz mudança da natureza do irlandês. Seja lá como for, o significado das tabelas a seguir não pode ser mal compreendido:

I - Crimes na Irlanda

Indiciados criminalmente

II - Pobres na Irlanda [8]

É uma lástima que a tabela relativa à emigração não especifique as diferentes partes do Reino Unido nas quais os movimentos se iniciaram, bem como a proporção com a qual cada parte contribuiu para o resultado final. Da tabela, assim como ela se encontra, podemos inferir que de 1844 a 1847 a emigração para as Colônias Britânicas da América do Norte em muito se aproximaram, se não suplantaram, os números de migração para os Estados Unidos. Entretanto, a partir de 1848, a emigração para a América do Norte britânica se estabeleceu como mero suplemento (appendage) à emigração aos Estados Unidos. Por outro lado, a migração britânica para a Austrália e a Nova Zelândia se desenvolveu a passos largos nos 15 anos entre 1844 e 1858. Enquanto a emigração para as colônias da América do Norte alcançou seu clímax em 1847, e para os Estados Unidos em 1851, a migração para Austrália e Nova Zelândia teve seu apogeu em 1852. Deste período até 1858, temos um decréscimo contínuo dos números de emigração: a cifra, que em 1852 chegou a um total de 368.764, foi reduzida em 1858 a 113.972, em mais de 75%. Segue a referida tabela:

Número de emigrantes do Reino Unido e seus referidos destinos

Londres, 23 de agosto de 1859

Título original: “Population, crime and pauperism”. In: Collected Works, v. 16. Nova York: Lawrence & Wishart, 1980, pp. 487-91. Tradução de Gabriel Andrade Perdigão. Revisão técnica de Vitor Bartoletti Sartori e Elcemir Paço Cunha.

Escrito por Karl Marx

Do marxists.org

Notas

[1] Termo utilizado como referência a compêndio oficial de estatísticas e outras informações. No caso, trata-se do compêndio providenciado pelo parlamento britânico. [Nota dos revisores.]

[2] A referência é à revogação das Leis dos Cereais em junho de 1846 em benefício da burguesia industrial pelo então governo de Robert Peel.

[3] Referência às Revoluções de 1848.

[4] O Punjab (noroeste da Índia) foi conquistado pela Companhia das Índias Orientais como resultado das guerras Anglo-Sikh de 1845-46 e 1848-49. A conquista do Punjab completou a colonização britânica da Índia.

[5] Referência à Lei da Escola Reformatória de 1854 que instituiu escolas reformatórias na Inglaterra para delinquentes de 12 a 16 anos de idade.

[6] “Sociedade oficial” aqui se refere ao estado. [Nota dos revisores.]

[7] Uma ironia de Marx em referência à “sociedade oficial” que defronta tais problemas sociais com um carimbo (stamp). (Nota dos revisores.)

[8] No original: “os números que se seguem foram extraídos pelos editores da edição do ‘Resumo Estatístico’ usado por Marx. No jornal New York Daily Tribune a presente tabela com referência à Escócia foi publicada sob o titulo “Pobres na Irlanda”:

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