Stalin: "A ditadura do proletariado"
Analisarei três questões fundamentais deste tema:
a) a ditadura do proletariado, instrumento da revolução proletária;
b) a ditadura do proletariado, domínio do proletariado sobre a burguesia;
c) o Poder dos Soviets, forma estatal da ditadura do proletariado.
1) A ditadura do proletariado, instrumento da revolução proletária.
A questão da ditadura proletária é, sobretudo, a questão do conteúdo essencial da revolução proletária. A revolução proletária, o seu movimento, a sua amplitude, as suas conquistas só tomam corpo através da ditadura do proletariado. A ditadura do proletariado é o instrumento da revolução proletária, o seu órgão, o seu ponto de apoio mais importante, criado com o fim, em primeiro lugar, de esmagar a resistência dos exploradores derrubados e consolidar as conquistas da revolução e, em segundo lugar, de levar a termo a revolução proletária, levar a revolução até a vitória completa do socialismo. Vencer a burguesia e derrubar o seu Poder é coisa que a revolução também poderia fazer sem a ditadura do proletariado. Mas esmagar a resistência da burguesia, sustentar a vitória e continuar avançando até o triunfo definitivo do socialismo, a revolução já não o poderia fazê-lo, se não criasse, ao chegar a uma determinada fase do seu desenvolvimento, um órgão especial, a ditadura do proletariado, o seu apoio fundamental.
"A questão fundamental da revolução é a questão do Poder" (Lenin). Quer isso dizer que tudo se reduz à tomada do Poder, à conquista do Poder? Não. A tomada do Poder é apenas o começo da obra. A burguesia, derrocada em um país, contínua a ser, por muito tempo, por várias razões, mais forte do que o proletariado que a derrubou. Por conseguinte, tudo reside em conservar o Poder, em consolidá-lo, em torná-lo invencível. Que é preciso para alcançar este objetivo? E preciso cumprir, pelo menos, três tarefas principais, que se apresentam à ditadura do proletariado, "um dia depois da vitória":
a) vencer a resistência dos latifundiários e dos capitalistas derrubados e expropriados pela revolução, esmagar as suas tentativas de toda espécie para restaurar o Poder do capital;
b) organizar a edificação de modo que todos os trabalhadores se agrupem em torno do proletariado e desenvolver esta obra com vistas a preparar a liquidação, a supressão das classes;
c) armar a revolução, organizar o exército da revolução para a luta contra os inimigos externos, para a luta contra o imperialismo.
A ditadura do proletariado é necessária para resolver, para cumprir estas tarefas.
“A passagem do capitalismo ao comunismo — disse Lenin — enche toda uma época histórica. Enquanto não chegar ao fim esta época, os exploradores abrigarão, inevitavelmente, a esperança de uma restauração, e esta esperança se traduz em tentativas de restauração. Também depois da primeira derrota séria, os exploradores derrubados, que não esperavam sua queda, que não acreditavam na sua derrubada, que nem sequer admitiam a sua possibilidade, se lançam à batalha, com energia decuplicada, com furiosa paixão, com ódio cem vezes mais intenso, para reconquistar o “paraíso” perdido para as suas famílias, que viviam uma vida tão doce e que a “canalha popular” agora condena à ruína e à miséria (ou a um trabalho “vil"). E atrás dos capitalistas exploradores se arrasta a grande massa da pequena burguesia que, como demonstram decênios de experiência histórica em todo os países, oscila e hesita, hoje acompanha o proletariado, amanhã se assusta ante as dificuldades da revolução, deixa-se tomar de pânico à primeira derrota ou semiderrota dos operários, cai presa do nervosismo, se agita, choraminga, passa-se de um campo a outro”. (Vide vol. XXIII, pág. 355).
E a burguesia tem as suas razões para fazer tentativas de restauração, porque, depois da sua derrubada, continua, ainda por muito tempo, mais forte do que o proletariado que a derrubou.
“Se os exploradores – disse Lenin — são derrotados apenas num país, e esta é naturalmente a regra, porque uma revolução simultânea em vários países constitui rara exceção, continuarão, não obstante, mais fortes, do que os explorados”. (Obra citada, pág. 354).
Em que consiste a força da burguesia derrubada?
“Em primeiro lugar, “na força do capital internacional, na força e na solidez dos vínculos internacionais da burguesia”. (Vide vol. XXV, pág. 173).
“Em segundo lugar, no fato de que “ainda por longo tempo depois da revolução os exploradores conservam, inevitavelmente, uma série de enormes vantagens reais: restam-lhes o dinheiro (que não se pode suprimir imediatamente) e uma certa quantidade de bens móveis, com frequência valiosos; restam-lhes as relações, a prática de organização e administração, o conhecimento de todos os “segredos” da administração (hábitos, procedimentos, meios, possibilidades); restam-lhes uma instrução mais elevada e a sua intimidade com o alto pessoal técnico (que vive e pensa como a burguesia), resta-lhes uma experiência infinitamente superior da arte militar (o que é muito importante), etc., etc..” (Vide vol. XXIII, pág. 354).
“Em terceiro lugar, na força do hábito, na força da pequena produção; porque, por infelicidade, a pequena produção ainda existe em grande, em enorme medida, e a pequena produção gera o capitalismo e a burguesia, diariamente, de hora em hora, de modo espontâneo e em massa”... porque “suprimir as classes não significa apenas expulsar os latifundiários e os capitalistas — isto nós o fizemos com relativa facilidade — mas quer dizer eliminar os pequenos produtores de mercadorias, aos quais é impossível expulsar, é impossível esmagar; com este é preciso conviver, e só podem (e devem) ser transformados, reeducados, mediante um trabalho de organização muito longo, muito lento e prudente”. (Vide vol. XXV pág. 173 e189).
Eis porque disse Lenin:
“A ditadura do proletariado é a guerra mais heroica e mais implacável da classe nova contra um inimigo mais poderoso, contra a burguesia, cuja resistência é decuplicada em virtude da sua derrubada";
“a ditadura do proletariado é uma luta tenaz, cruenta e incruenta, violenta e pacífica, militar e econômica, pedagógica e administrativa, contra as forças e as tradições da velha sociedade”. (Obra citada, págs. 173 e 190).
Não é necessário demonstrar que o cumprimento dessas tarefas em curto prazo, que realizar tudo isso em alguns anos, é coisa absolutamente impossível. Por isso, é necessário considerar a ditadura do proletariado, a passagem do capitalismo ao comunismo, não como um período curto de atos e decretos "ultrarrevolucionários", mas como toda uma época histórica, cheia de guerras civis e de conflitos externos, de tenaz trabalho organizativo e de edificação econômica, de avanços e recuos, de vitórias e derrotas. Esta época histórica é necessária não somente para criar as premissas econômicas e culturais da vitória completa do socialismo, mas também para dar ao proletariado a possibilidade, em primeiro lugar, de educar-se e temperar-se como força capaz de dirigir o país e, em segundo lugar, de reeducar e transformar as camadas pequeno-burguesas de modo a assegurar a organização da produção socialista.
“Tendes de passar — dizia Marx aos operários — por quinze, vinte, cinquenta anos de guerras civis e de batalhas internacionais, não só para transformar as relações existentes mas também para vos transformardes a vós mesmos e vos tornardes aptos ao domínio político”. (Vide K. Marx—F. Engels, “Obras Completas”, vol. VIII, pág. 506).
Continuando e desenvolvendo o pensamento de Marx, escreve Lenin:
“...durante a ditadura do proletariado... é necessário reeducar milhões de camponeses e de pequenos proprietários, centenas de milhares de empregados, de funcionários, de intelectuais burgueses, subordiná-los todos ao Estado proletário e à direção proletária, vencer os seus hábitos e tradições burgueses”, assim como será necessário “... reeducar, no curso de uma luta prolongada, sobre a base da ditadura do proletariado, os próprios proletários, que não se desvencilharão dos seus preconceitos pequeno-burgueses de golpe, por milagre, por obra e graça do espírito-santo ou por efeito mágico de uma palavra de ordem, de uma resolução, de um decreto, mas somente no curso de uma luta de massas, prolongada e difícil, contra as influências pequeno-burguesas entre as massas”. (Vide vol. XXV, págs. 247 e 248).
2) A ditadura do proletariado, domínio do proletariado sobre a burguesia.
Do que ficou dito já se depreende que a ditadura do proletariado não é uma simples mudança de homens no governo, uma mudança de "gabinete", etc., que deixe intacta a velha ordem econômica e política. Os mencheviques e os oportunistas de todos os países, que temem a ditadura como ao fogo e que, por medo, substituem o conceito de ditadura pelo conceito de "tomada do Poder", costumam reduzir a "tomada do Poder" a uma mudança de "gabinete", a subida ao Poder de um novo ministério, composto de homens do tipo de Scheidemann e Noske, Mac Donald e Henderson. Não é necessário explicar que essas mudanças de gabinete e outras semelhantes não têm nada a ver com a ditadura do proletariado, com a conquista do verdadeiro proletariado. Quando os Mac Donald e os Scheidemann estão no Poder, deixando intacta a velha ordem burguesa, os seus governos — chamemo-los assim — não podem representar senão um aparelho a serviço da burguesia, um véu sobre as chagas do imperialismo, um instrumento da burguesia contra o movimento revolucionário das massas oprimidas e exploradas. Tais governos são necessários ao capital, como um biombo, quando lhe é inconveniente, desvantajoso, difícil explorar e oprimir as massas sem um disfarce. Naturalmente, a aparição de tais governos é um sintoma de que "entre eles" (isto é, entre os capitalistas), "em Tchipka", não reina a tranquilidade, mas, não obstante, os governos desse tipo não deixarão de ser, por mais disfarçados que se apresentem, governos do capital. Do governo de Mac Donald ou de Scheidemann à conquista do Poder pelo proletariado vai uma distância como da terra ao céu. A ditadura do proletariado não é uma mudança de governo, mas um novo Estado, com novos órgãos do Poder do centro à base, é o Estado do proletariado, saído das ruínas do velho Estado, do Estado da burguesia.
A ditadura do proletariado surge não sobre a base da ordem burguesa, mas no processo da sua demolição, depois da derrubada da burguesia, no curso da expropriação dos latifundiários e dos capitalistas, no curso da socialização dos meios e dos instrumentos essenciais de produção, no curso da revolução violenta do proletariado. A ditadura do proletariado é um Poder revolucionário que se apoia na violência contra a burguesia.
O Estado é uma máquina nas mãos da classe dominante para esmagar a resistência dos seus inimigos de classe. Sob este aspecto, a ditadura do proletariado realmente não se distingue, em essência, da ditadura de qualquer outra classe, porque o Estado proletário é uma máquina para esmagar a burguesia. Há, porém, uma diferença essencial. Consiste esta diferença no fato de que todos os Estados de classe existentes até hoje eram a ditadura de uma minoria exploradora sobre a maioria explorada, enquanto a ditadura do proletariado é a ditadura da maioria explorada sobre a minoria exploradora.
Em poucas palavras:
"a ditadura do proletariado é o Poder do proletariado sobre a burguesia, Poder não limitado por lei e baseado na violência, e que goza da simpatia e do apoio das massas trabalhadoras e exploradas". (Lenin, "O Estado e a Revolução").
Daí se depreendem duas conclusões fundamentais.
Primeira conclusão: A ditadura do proletariado não pode ser uma democracia "integral", uma democracia para todos, para os ricos e para os pobres; a ditadura do proletariado "deve ser um Estado democrático de modo novo (para os proletários e os não proprietários em geral) e ditatorial de modo novo (contra a burguesia)..." (Vide vol. XXI, pág. 393).
Os discursos de Kautsky e cia. sobre a igualdade universal, sobre a democracia "pura", sobre a democracia "perfeita", etc.. são uma cobertura burguesa do fato incontestável de que é impossível a igualdade entre explorados e exploradores. A teoria da democracia "pura" é a teoria da aristocracia operária domesticada e mantida pelos bandidos imperialistas. Foi criada para encobrir as chagas do capitalismo, para embelezar o imperialismo e dar-lhe força moral na luta contra as massas exploradas. Sob o capitalismo não existe nem podem existir "liberdades" verdadeiras para os explorados, além de outras razões pelo fato de que os locais, as oficinas gráficas, os depósitos de papel, etc., necessários para o exercício das "liberdades", constituem um privilégio dos exploradores. Sob o regime capitalista, não há nem pode haver uma efetiva participação das massas exploradas na direção do país, entre outros fatos, porque, sob o capitalismo, mesmo no regime mais democrático, os governos não são formados pelo povo, mas pelos Rotschild e os Stinnes, pelos Rockefeller e os Morgan. A democracia, no regime capitalista, é uma democracia capitalista, é a democracia da minoria exploradora, baseada na limitação dos direitos da maioria explorada e voltada contra esta maioria. Somente sob a ditadura do proletariado se tornam possíveis as verdadeiras liberdades para os explorados e uma verdadeira participação dos proletários e dos camponeses no governo do país. A democracia, sob a ditadura do proletariado, é uma democracia proletária, é a democracia da maioria explorada, baseada na limitação dos direitos da minoria exploradora e voltada contra esta minoria.
Segunda conclusão: A ditadura do proletariado não pode surgir como resultado de um desenvolvimento pacífico da sociedade burguesa e da democracia burguesa; ela só pode surgir como resultado da demolição da máquina estatal burguesa, do exército burguês, do aparelho administrativo burguês, da polícia burguesa.
“A classe operária não pode tomar posse pura e simplesmente de uma máquina estatal já pronta e pô-la em marcha para os seus próprios fins”, escrevem Marx e Engels no prefácio do “Manifesto do Partido Comunista”.
“A revolução não deve consistir na... “passagem de umas mãos para outras da máquina militar e burocrática, como ocorreu até agora, mas na sua destruição... tal é a condição preliminar de toda verdadeira revolução popular no continente”, disse Marx na sua carta a Kugelmann, em 1871.
A ressalva de Marx relativa ao continente forneceu aos oportunistas e aos mencheviques de todos os países um pretexto para gritar que Marx admitia, por isso, a possibilidade da transformação pacífica da democracia burguesa em democracia proletária, pelo menos em alguns países que não fazem parte do continente europeu (a Inglaterra, os Estados Unidos). Efetivamente, Marx admitia esta possibilidade, e tinha razões para isso, no caso da Inglaterra e dos Estados Unidos da década de 70 do século passado, quando ainda não existia o capitalismo monopolista, quando não existia o imperialismo nem existiam ainda, naqueles países, em virtude das condições especiais do seu desenvolvimento, nem uma burocracia nem um militarismo desenvolvido. Assim estavam as coisas antes do aparecimento de um imperialismo desenvolvido. Mas em seguida, trinta ou quarenta anos depois, quando a situação nesses países mudou radicalmente, quando o imperialismo se desenvolveu e abarcou todos os países capitalistas, sem exceção, quando o militarismo e a burocracia fizeram a sua aparição também na Inglaterra e nos Estados Unidos, quando desapareceram as condições particulares que permitiam uma evolução pacífica da Inglaterra e dos Estados Unidos, deixou de existir por si mesma a ressalva feita a respeito desses países.
“Atualmente, em 1917, na época da primeira grande guerra imperialista — disse Lenin — esta ressalva feita por Marx perdeu a razão de ser. A Inglaterra e os Estados Unidos que eram — em todo o mundo — os maiores e últimos representantes da “liberdade” anglo-saxônica no sentido da ausência de militarismo e de burocracia, se precipitaram inteiramente no imundo e sangrento pântano, comum à Europa, das instituições militares e burocráticas que tudo submetem e esmagam. Agora, na Inglaterra e nos Estados Unidos, a “condição prévia de toda revolução verdadeiramente popular” é a demolição, a destruição da “máquina estatal existente” (levada, nestes países, de 1914 a 1917, a uma perfeição “europeia”, imperialista)”. (Vide vol. XXI, pág. 395).
Noutros termos, a lei da revolução violenta do proletariado, a lei da demolição da máquina estatal da burguesia como condição prévia desta revolução, é a lei inelutável do movimento revolucionário dos países imperialistas de todo o mundo.
Claro está que, em futuro remoto, se o proletariado triunfar nos principais países capitalistas e se o atual cerco capitalista for substituído por um cerco socialista, será de todo possível uma trajetória "pacífica" de desenvolvimento para alguns países capitalistas, onde os capitalistas, diante de uma situação internacional "desfavorável", julgarem conveniente fazer "voluntariamente" concessões importantes ao proletariado.
Mas esta hipótese se refere apenas a um futuro distante e provável. Quanto ao futuro próximo, esta hipótese não tem nenhum fundamento, absolutamente nenhum. Por isso, tem razão Lenin quando diz:
“A revolução proletária é impossível sem a destruição violenta da máquina estatal burguesa e a sua substituição por uma nova”. (Vide vol. XXIII, pág. 342).
3) O Poder Soviético, forma estatal da ditadura do proletariado.
A vitória da ditadura do proletariado significa o esmagamento da burguesia, a demolição da máquina estatal burguesa, a substituição da democracia burguesa pela democracia proletária. Isto é claro. Mas, por meio de que organizações se pode levar a cabo esta gigantesca obra? É indubitável que as velhas formas de organização do proletariado, surgidas sobre a base do parlamentarismo burguês, não são suficientes. Quais são, pois, as novas formas de organização do proletariado, capazes de desempenhar o papel de coveiros da máquina estatal burguesa, capazes não somente de demolir esta máquina e não só de substituir a democracia burguesa pela democracia proletária, mas também de constituir a base do Poder estatal proletário?
Esta nova forma de organização do proletariado são os Soviets.
Em que consiste a força dos Soviets em relação às velhas formas de organização?
No fato de que os Soviets são as mais amplas organizações de massas do proletariado, pois eles e somente eles abrangem todos os operários, sem exceção.