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"'Eles queriam servir o povo': chicanos e a luta contra a opressão nacional"



A loucura parece estar em marcha vertiginosa. Enquanto a economia dos Estados Unidos continua a decair, a pobreza no país chega a novos níveis, a falta de qualquer seguro de saúde para 41 milhões de pessoas, e cada dia nos traz novas revelações de um maciço crime corporativo, George W. Bush prepara a ​solução final ​para o Iraque, uma guerra de destruição massiva, a qual quase toda a comunidade internacional se opõe. Mesmo quando dezenas de milhares de ativista em todo o mundo trabalham para acabar com a máquina de guerra dos Estados Unidos, parece haver pouca esperança pela frente em trazer a paz, e muito menos uma sociedade não dominada pelo sistema capitalista mais voraz e destruidor que já se conheceu.

Bem diferente de 1968, o ponto de partida para a observação e análise de Max Elbaum do que foi chamado de Novo Movimento Comunista dos anos 60 e 70, um movimento que atraiu milhares de ativistas de todas as principais lutas sociais – oposição à agressão ao Vietnã, contra a opressão nacional, racismo e a escravidão doméstica das mulheres. Elbaum não é nenhum acadêmico com grife. Ele é um velho veterano daqueles anos, como membro do Students for a Democratic Society, e líder do Line of March, uma das principais organizações do Novo Movimento Comunista. Deve se dar créditos a Elbaum por fornecer uma análise convincente e complexa de um movimento que era tão variado e que era mudado conforme os movimentos sociais se emergiam. Seu livro é como um alívio comparado com o que se costuma ver dos livros que analisam os movimentos e organizações radicais daquele tempo através do prisma de uma “visão branca”, completamente ignorando o papel dos ativistas e organizações não brancas, ou um anticomunismo cínico que culpa os marxista-leninistas por destruir todos os movimentos sociais da época.

Ao contrário, ​Revolution in the Air ​traz um olhar muito mais profundo das condições e as dinâmicas que atraíram alguns dos melhores líderes e militantes a criar e construir organizações marxista-leninistas com a fé sincera que um mundo melhor estava realmente a nascer, e em um futuro não muito distante. Eu era uma dessas pessoas. Eu era um militante no Movimento chicano que se sentiu atraído pela esquerda daquele movimento (Crusade for Justice, Brown Berets, o Partido La Raza Unida) e ajudou a formar o Movimento 29 de Agosto (ATM), a primeira organização comunista de chicanos nos Estados Unidos. Mais tarde, participei da criação da League of Revolutionary Struggle (LRS), uma das principais organizações do Novo Movimento Comunista, e provavelmente com a maior concentração(80%) de membros não brancos.

Captando os pontos fortes e fracos do movimento

Eu fui levado para o Novo Movimento Comunista porque me ajudou a entender a causa e a raiz da opressão dos chicanos, com o que a libertação chicana poderia realmente se parecer (i.e., autodeterminação), quais forças sociais realmente poderiam realizar uma revolução(a classe operária e as lutas de libertação nacional nos Estados Unidos), a uma visão socialista de uma sociedade alternativa. Como um nacionalista revolucionário loucamente buscando respostas para todas essas perguntas, o Marxismo-leninismo foi a única alternativa que fornecesse não apenas um direcionamento político, mas organizações disciplinadas e dinamizadas para apoiar nosso trabalho. Elbaum acerta quando ele descreve o antirracismo como uma característica definitiva do Novo Movimento Comunista.

O movimento também insistia que enfrentar a opressão dos povos de cor estava no cerne do projeto revolucionário, e que movimentos dos povos não brancos – O movimento por liberdade dos negros em particular – ​desempenham um papel de ponta em impulsionar o avanço​ democrático da sociedade como um todo. O Novo Movimento Comunista colocou a luta pela igualdade no centro de suas políticas e dedicou imensa atenção em analisar a história, as estruturas e o impacto da supremacia branca.

Para muitos de nós, estas ideias não eram sobretudo um produto da leitura dos trabalhos de Marx, Lenin ou Mao, mas de nossa própria experiência de vida. Nós éramos de comunidades que sofreram um histórico de escravidão, anexação, leis de exclusão racial, jogados em campos de concentração em tempos de guerra, e segregação do tipo “Cachorros, mexicanos ou negros não entram”. Era concreto. O Marxismo-leninismo apenas ajudou a validar nossa experiência, e explicar suas causas e os possíveis caminhos para a libertação. Todos nós, que viemos desses movimentos, pudemos nos identificar com Ho Chi Minh, líder da revolução vietnamita. Ho descreveu como ele chorou quando descobriu o Marxismo-leninismo porque mostrou a ele como seu povo poderia adquirir sua liberdade. Muitos de nós choramos também. Um dos pontos fortes do livro do Elbaum é identificar as forças e as fraquezas do Novo Movimento Comunista. Ele fornece algumas lições importantes para os militantes de hoje – não apenas a nova geração de militantes antiglobalização, contra exploração excessiva de trabalho, ambientalistas, e ativistas por paz, mas para nós veteranas e veteranos também: uma insistência dogmática acerca da pureza e a inviolabilidade da própria linha política de cada organização, seguidismo acrítico à política da URSS, China ou outros países socialistas, políticas homofóbicas e um sectarismo que sempre colocava obstáculos desnecessários no caminho de unir nossas organizações em um único grupo (que poderia ter contado mais de 10.000 membros).

Mesmo que Elbaum trace grandes críticas aos erros das novas organizações comunistas, ele articula os seus pontos positivos de uma forma que deve ter forte ressonância com militantes de hoje: a necessidade de organizações multirraciais disciplinadas, para crescer raízes entre os segmentos mais pobres da classe trabalhadora e comunidades oprimidas, dar ao antirracismo e anti-imperialismo um foco central, e a combinação de teoria e prática. Esse último é algo importante em uma época que as ideias anarquistas – com um forte viés antiteórico – exerce forte influência entre vários jovens militantes.

Indo direto ao ponto da Questão Nacional

Por outro lado, ​Revolution in the Air ​sofre das mesmas deficiências que o movimento que descreve. Como líder em organizações que mantinham–e mantém– fortemente a visão que as nações oprimidas negras e chicanas existiam dentro das fronteiras dos Estados Unidos, não posso concordar com a descrição de Elbaum das organizações que adotaram essas posições simplesmente como grupos de doutrinados cegos que tentaram encaixar os fatos históricos incômodos aos moldes do texto “Marxismo e o Problema Nacional”, desenvolvido por Stalin. No meu ponto de vista, a questão da Libertação Chicana obteve, sobretudo, escassa atenção tanto do Velho quanto do Novo Movimento Comunista. O Movimento 29 de Agosto foi uma das poucas organizações que tentaram alguma abordagem séria. Mas a abordagem não começou com a definição de nação por Stalin, mas a partir de um olhar do movimento dinâmico que estava tendo lugar na época, um movimento que envolveu centenas de milhares de pessoas, majoritariamente da classe trabalhadora, em lutas que iam de direitos por terra a direitos à sindicalização, e da igualdade de língua para fim da segregação, e cujas táticas variavam de políticas eleitorais a ações de massas, e lutas armadas.

Para o Movimento 29 de Agosto, o ponto de partida para entender a questão nacional chicana não foi um texto um tanto obscuro da União Soviética, mas o fato histórico da anexação. O Movimento 29 de Agosto tentou abordar a questão determinante: Qual foi o impacto sobre o povo Chicano da conquista militar e da dominação colonial dos Estados Unidos? E a resposta foi que a anexação e a posterior dominação colonial do Sudoeste dos Estados Unidos forçosamente impediu o povo chicano de se desenvolver como uma parte da nação mexicana, enquanto o racismo e a opressão nacional lhes tinha impedido de se tornar parte da nacionalidade anglo­europeia dominante. Na visão do Movimento 29 de agosto (e mais tarde, a League of Revolutionary Struggle’s), algo novo nasceu– uma nação oprimida com o direito à autodeterminação.

O Movimento 29 de Agosto e a LRS abraçaram tanto as definições mais amplas e mais rigorosas de autodeterminação. Como uma nação oprimida, sentíamos que os chicanos tinham o direito de decidir democraticamente se permaneceriam como parte dos Estados Unidos. Foi essa nossa resposta para a questão da anexação: A renúncia da anexação e defesa dos direitos nacionais dos povos anexados (nativos americanos e chicanos). Mas o Movimento 29 de Agosto também praticava e apoiava a autodeterminação em seu significado mais popular–como o direito dos povos oprimidos em escolher seus próprios líderes, criar suas próprias organizações, e definir seu próprio caminho para liberdade. Membros do Movimento 29 de agosto estavam entre os fundadores do MEChA, a rede de estudantes chicanos; do Partido La Raza Unida na California, uma tentativa de romper o ciclo da política do Partido Democrata entre chicanos; e de muitas outras formas nacionalmente específicas de organização. Na verdade, o Movimento 29 de Agosto e a LRS se opuseram às tentativas de algumas organizações em substituir grupos como o MEChA, por organizações estudantis multirraciais que supostamente representam uma “forma mais avançada” de organização. Enquanto Elbaum dá os créditos ao 29 de Agosto e CASA como duas das principais organizações de orientação socialista entre os chicano­mexicanos durante aquela época, ele se esquece do fato importante que ambas as organizações–apesar de suas diferenças em outras questões– reconheciam que o povo Chicano possuía direitos nacionais. 29 de agosto expressou isso como o direito à autodeterminação, e CASA colocou como “reunificação socialista” do Sudoeste com o México. Ambas as organizações reconheceram que a anexação representou um salto histórico no desenvolvimento dos chicanos e tem de ser tomada como ponto de partida para compreender o Movimento Chicano.

A Luta Chicana, o Sunbelt (Cinturão do Sol) e a Fronteira

Elbaum não está sozinho na sua fraqueza de abordar a questão. O Novo Movimento Comunista deu pouca atenção teórica à Libertação Chicana. A maior parte das organizações concluíram, com parca análise, que os Chicanos eram uma minoria nacional, e não uma nação oprimida. Mesmo muitos daqueles que corretamente aderiam ao conceito de uma Nação Negra oprimida pareciam sentir que uma nação oprimida com direito à autodeterminação “já era suficiente, muito obrigado”.

O quão misterioso que esse assunto possa parecer para alguns militantes hoje (se é que levam em conta de alguma forma), é uma questão extremamente relevante que irá influenciar nossos esforços em reconstruir um movimento social radical e forte, uma esquerda rejuvenescida, e novas organizações socialistas. A luta chicana, localizada em grande parte no Sudoeste, inevitavelmente desempenhará um importante papel estratégico em quaisquer tentativas de transformar fundamentalmente a sociedade. A fronteira de 2000 milhas que o Sudoeste divide com o México, e a importância central da região do Sunbelt para a sobrevivência a curto e longo prazo do capitalismo dos Estados Unidos, significa que a luta de Libertação Chicana, potencialmente abraçando mais de 20 milhões de pessoas, majoritariamente trabalhadores, em grande parte pobres, e todos oprimidos, poderiam ser um calcanhar de Aquiles para um forte capitalismo de baixos salários e dependente. Seja ou não esse potencial finalmente realizado, dependerá em grande parte se os progressistas, radicais e revolucionários estão prontos para dar a este movimento um sério estudo e apoiar o que ele requer – tanto teoricamente quanto na prática. Se existe uma lição importante para aprender do Novo Movimento Comunista, que eu gostaria de acrescentar à análise pioneira de Elbaum, seria esta.

Texto de Bill Galegos, coordenador da Comissão de Nacionalidades

Oprimidas da Freedom Road Socialist Organization, texto de 2003

Tradução de Gabriel Duccini

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