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"Vidas Secas" de Nelson Pereira dos Santos



Em 21 de agosto, os grupos da Campanha Brasil: pela Segunda e Definitiva Independência reuniram-se para assistir e debater o premiado Vidas Secas (1963), drama dirigido por Nelson Pereira dos Santos.


O longa-metragem, homônimo da obra de Graciliano Ramos, apesar do forte vínculo entre as páginas do livro com a produção cinematográfica, apesar do liame intrínseco entre as artes, guarda relativa autonomia e pode ser visto de forma individual.


Nelson Pereira intentara, inicialmente, produzir um roteiro para Vidas Secas, contudo, após recorrer inúmeras vezes ao original, decidira que o melhor a se fazer era uma adaptação para o cinema. Portanto, a estrutura narrativa do filme se deve muito ao livro: o filme começa e termina com a família vagando errante pelas veredas do sertão (capítulos I: Mudança e capítulo XIII: Fuga). O diretor também bebe da fonte literária ao fazer a caracterização dos personagens. Apesar de a antropomorfização da Baleia não ter sido explorada no filme, a zoomorfização, a objetificação e alienação dos sujeitos (Fabiano, Sinhá Vitória, Menino mais novo e Menino mais velho) é utilizada como recurso a evidenciar a dureza e as injustiças do povo sertanejo. Os principais eventos, como a festa, a prisão de Fabiano, o episódio com o Soldado Amarelo, o pagamento feito pelo Fazendeiro etc., são reproduzidos pela filmagem, aproximando essa, ainda mais, do texto.


Todavia, apesar das similaridades, deve ser entendido de forma autônoma, principalmente por estar no escopo de uma nova proposta estilística: o Cinema Novo.


A nova estética surge coetânea de, e em diálogo com, outras expressões cinematográficas, marcadamente o Neorrealismo Italiano e a Nouvelle Vague francês. O Cinema Novo nasce como expressão de uma burguesia autóctone que deseja romper com os padrões comerciais exportados por Hollywood para o resto do mundo e criar uma forma de filmar própria.

Objetivando desvincular-se das instituições que reproduziam o padrão ianque, os cineastas deixaram as grandes e tradicionais produtoras em busca de novas e independentes. Assim, desobrigados de atender uma demanda de um mercado consumidor formatado, predominantemente, pelo crivo estrangeiro, os diretores tiveram ocasião de inovar e experimentar novas formas de montagem e de construção de narrativas. O fato de ser o resultado de “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça”, e não um projeto coletivo nacional, fez do Cinema Novo um estilo de um grupo e carregado de marcas individuais dos diretores.

A negação do conteúdo exportado pelas grandes produtoras internacionais cria a necessidade de se definir um novo objeto para o Cinema que não fosse conformado ao padrão estrangeiro e faz com que os produtores voltem sua atenção para o Brasil e para o brasileiro à medida que essa mesma atenção para o Brasil e para o brasileiro é resultado do desenvolvimento econômico nacional, que faz com que a burguesia autóctone negue o conteúdo alienígena. O Cinema Novo retrata “o brasileiro” e os dramas do Brasil: a desigualdade social, a fome, a pobreza, a violência, o domínio do latifúndio, a podridão da classe dominante. Glauber Rocha diria:


“A fome latina, por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. Aí reside a trágica originalidade do Cinema Novo diante do cinema mundial: nossa originalidade é nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida.”


Essa proposta, ainda que limitada, ainda que burguesa, apesar de todas as suas limitações, representam um movimento legítimo de resistência à imposição norte-americana da sua produção cinematográfica.


Ainda sobre os temas que interessam ao Cinema Novo, Glauber Rocha em seu “Eztétyka da Fome”, também citando “Vidas Secas”, fala:


“(De Aruanda a Vidas Secas, o Cinema Novo narrou, descreveu, poetizou, discursou, analisou, excitou os temas da fome: personagens comendo terra, personagens comendo raízes, personagens matando para comer, personagens fugindo para comer, personagens sujas, feias, descarnadas, morando em casas sujas, feias, escuras: foi esta galeria de famintos que identificou o Cinema Novo com o miserabilismo, hoje tão condenado pelo Governo do Estado da Guanabara, pela Comissão de Seleção para Festivais do Itamarati, pela crítica a serviço dos interesses oficiais, pelos produtores e pelo público – este último não suportando as imagens da própria miséria. Este miserabilismo do Cinema Novo opõe-se à tendência do digestivo, preconizada pelo crítico-mor da Guanabara, Carlos Lacerda: filmes de gente rica, em casas bonitas, andando em automóveis de luxo: filmes alegres, cômicos, rápidos, sem mensagens, e de objetivos puramente industriais. Estes são os filmes que se opõem à fome, como se, na estufa e nos apartamentos de luxo, os cineastas pudessem esconder a miséria moral de uma burguesia indefinida e frágil, ou se mesmo os próprios materiais técnicos e cenográficos pudessem esconder a fome que está enraizada na própria incivilização. Como se, sobretudo, neste aparato de paisagens tropicais, pudesse ser disfarçada a indigência mental dos cineastas que fazem este tipo de filmes. O que fez do Cinema Novo um fenômeno de importância internacional foi justamente seu alto nível de compromisso com a verdade, foi seu próprio miserabilismo, que, antes escrito pela literatura de ’30, foi agora fotografado pelo cinema de ’60; e, se antes era escrito como denúncia social, hoje passou a ser discutido como problema político. Os próprios estágios do miserabilismo em nosso cinema são internamente evolutivos. Assim, como observa Gustavo Dahl, vai desde o fenomenológico (Porto das Caixas), ao social (Vidas Secas), ao político (Deus e o Diabo), ao poético (Ganga Zumba), ao demagógico (Cinco Vezes Favela), ao experimental (Sol sobre a Lama), ao documental (Garrincha, Alegria do Povo), a comédia (Os Mendigos), experiências em vários sentidos, frustradas umas, realizadas outras, mas todas compondo, no final de três anos, um quadro histórico que, não por acaso, vai caracterizar o período Jânio-Jango: o período das grandes crises de consciência e de rebeldia, de agitação e revolução que culminou no golpe de abril. E foi a partir de abril que a tese do cinema digestivo ganhou peso no Brasil, ameaçando, sistematicamente, o Cinema Novo.)”


O Cinema Novo foi um movimento importante para o cinema brasileiro, porém, com limitações. A defesa da cultura nacional ante a dominação ideológica imperialista é uma necessidade. No entanto, a defesa nacional da cultura, das manifestações artísticas, enquanto dimensão superestrutural, não pode se dar, sob pena de malograr, sem a efetiva defesa da economia nacional, uma vez que a imposição da cultura, da mentalidade, da ideologia norte americana ou europeia, ocorre em razão da estrutural dominação das potências imperialistas.

A arte mais bem produzida jamais poderá transformar a realidade se não houver a consciente organização do povo para transformar essa mesma realidade embrutecedora. Mais especificamente: as desgraças historicamente produzidas pelo capitalismo na sua fase superior, o Imperialismo, no caso do Brasil, as mazelas decorrentes da ordem semicolonial, tão bem reproduzidas cinematograficamente pelo Cinema Novo, não serão superadas sem a organização revolucionária do campesinato e do proletariado, considerando a luta nacional, observando as contradições e os antagonismos de classes, com vistas a superar a estrutura econômica que faz deles coisas e não sujeitos.


Ainda sobre a exibição do dia 21 de agosto, após o filme, os expectadores fizeram considerações, das quais reproduziremos algumas aqui: (i) ausência de trilha-sonora: o longa não tenta incutir sentimentos nos expectadores por meio da trilha sonora, mas, justamente pela sua ausência, reforça a dureza da vida dos personagens. Os eventuais sentimentos despertados nos expectadores são oriundos da tomada de consciência da dor dos personagens. Também, a música, em algumas cenas, como prática que requer um certo desenvolvimento intelectual e cultural, é usada como elemento distintivo de classe: por exemplo, enquanto Adriano vai à casa do Fazendeiro para receber o seu pagamento, alguém toma aulas de violino; (ii) Sinhá Vitória carrega suporta sozinha o peso das malas da família durante as viagens: a personagem, enquanto mulher sertaneja, representa as desventuras da mulher sertaneja em uma sociedade marcada pelos resquícios do estatuto colonial e de ordem patriarcal; (iii) a opressão do sem-terra: a errância da família de sertanejos pelas veredas do nordeste brasileiro, a humilhação e a violência sofrida por Fabiano, a constrição do camponês miserável às condições econômicas definidas pelo sistema da grande propriedade e pela concentração de terra nas mãos de latifundiários, os quais são representados no personagem do Fazendeiro, são questões exploradas no filme de Nelson Pereira dos Santos.

Fazemos o convite a todos os interessados. A exibição dos filmes é feita simultânea e virtualmente para todos os expectadores, porém, para aqueles que não possuem disponibilidade de tempo para permanecer durante a exibição e a discussão, quando da publicação das datas do cine debate, enviamos link para esses que se encontrem nessa situação possam assistir ao filme previamente e vir apenas para as discussões. Todos têm igual direito de fala. Todos são igualmente bem-vindos!

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