O Partido Comunista e a Revolução Nacional-Democrática
A principal tarefa que se antepõe ao movimento revolucionário no Brasil é a criação de um partido marxista-leninista da classe operária. Para isso, duas tarefas devem ser combinadas: o estudo do marxismo-leninismo e a integração nas lutas dos trabalhadores.
Quanto a primeira tarefa, o estudo do marxismo-leninismo vem sendo subestimado por boa parte dos comunistas, que caíram sobre a influência do revisionismo moderno. E mesmo entre aqueles camaradas que o executam com dedicação, permanecem ainda sérias deficiências. O estudo das obras clássicas de Marx, Engels, Lenin, Stalin e Mao Tsé-Tung tem avançado. Porém, muitas vezes não se realiza esse estudo com a preocupação de encontrar nos textos clássicos trechos que sejam esclarecedores para os problemas da construção do Partido e da revolução no Brasil.
O estudo da história do Partido Comunista no Brasil, que é parte fundamental para a tarefa de apropriação do marxismo de uma maneira revolucionária, não tem avançado muito. Nesse terreno, os trabalhos produzidos são em sua imensa maioria obra dos oportunistas e dos revisionistas, quando não de elementos degenerados da burguesia. Como consequência disso, muitos problemas prementes sobre a estratégia da revolução brasileira permanecem ainda sem esclarecimento, e propagam-se entre as fileiras dos comunistas as mais extraordinárias confusões e embustes. Muitos militantes potencialmente revolucionários são arrastados para a senda do revisionismo, perdendo a oportunidade de contribuir efetivamente para a reconstrução do partido sobre uma base justa.
De um lado, os revisionistas mais descarados querem reivindicar sua pretensa continuidade com o antigo PC do Brasil, fazendo equivaler sua estratégia desenvolvimentista à estratégia da revolução nacional-democrática defendida por aquele partido; de outro, camaradas que dizem se opor aos revisionistas, em decorrência de seus ecletismos e inconsistências teóricas, assentem com os malabarismos desses e não conseguem contrapô-los senão à teoria trotskista da “revolução permanente”, a qual aderem, ora de forma desavisada, ora aberta.
Os elementos contrarrevolucionários, declaradamente anarquistas e trotskistas, buscam negar que a derrota temporária da revolução brasileira nos anos 60 e 70 seja fruto da traição revisionista do PC Brasileiro, afirmando se tratar do mesmo programa “stalinista” dos anos 50. Os atuais representantes ideológicos do novo PC Brasileiro não desenvolvem uma explicação marxista original para os problemas da teoria revolucionária como pretendem, simplesmente repetem as teses anarquistas e trotskistas, sob a nomenclatura da teoria das “duas táticas, uma estratégia”. Isso não significa acertar as contas com o revisionismo, mas desenvolver uma variante de “esquerda” do mesmo. Por tudo isso, se faz fundamental apresentar algumas considerações sobre um dos mais importantes períodos da história do antigo PC do Brasil: o período da formulação de sua estratégia revolucionária, materializada no Programa aprovado pelo IV Congresso de 1954.
Nossas opiniões sobre o período anterior, de experiência da política de união nacional, foram sintetizadas em Prestes, o Partido Comunista e a União Nacional. Apontamos, todavia, para o caráter parcial de nossas análises, que devem ser maturadas e desenvolvidas ao longo de trabalhos seguintes. O próprio caráter científico do marxismo-leninismo requer que suas investigações não se esgotem em um único ponto, e um tema de tamanha importância precisa constantemente ser desenvolvido na medida em que se desenvolva a experiência revolucionária e se avance na prática a luta do povo brasileiro pela soberania nacional, democracia popular e socialismo.
A formação de dois campos internacionais, a ofensiva da reação e a linha política direitista do PC do Brasil
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, se viram liquidadas as esperanças dos elementos reacionários dos países imperialistas de utilizar a Alemanha nazista e o Japão militarista na destruição da URSS e do movimento comunista internacional. A reação fascista internacional foi praticamente varrida, perdendo suas principais cidadelas, e o povos amantes da paz e da liberdade conquistaram posições estratégicas, fazendo avançar enormemente a luta pela soberania nacional e pela democracia em diversos países.
Nos países do Leste europeu que foram libertados da dominação alemã e fascista pela ação do Exército Vermelho soviético e do movimento de libertação nacional das forças patrióticas, a eliminação das forças ocupantes significou também a liquidação do poder da camada mais alta das antigas classes dominantes. Surgiu nesses países um novo poder democrático-popular sob a liderança da classe operária, que levou a cabo uma verdadeira revolução social.
O surgimento desse novo bloco democrático, anti-imperialista e de paz na Europa combinou-se ao debilitamento das forças imperialistas. Das seis grandes potências capitalistas, três foram militarmente liquidadas (Alemanha, Itália e Japão). Apesar de pertencer ao bloco vencedor, a França também saiu da guerra alquebrada e arruinada como grande potência. A Inglaterra manteve-se, mas teve suas posições abaladas, perdendo prestígio na Europa e apresentando dificuldades para manter seu domínio colonial na Ásia.
A profunda crise do sistema colonial e o desencadeamento de guerras anticoloniais de longa duração, na Indonésia e no Vietnã, seria outro elemento positivo da vitória conquistada no final da Segunda Grande Guerra.
Os Estados Unidos, não tendo sofrido nem com uma invasão de seu território nem com bombardeamentos sistemáticos contra suas grandes cidades, como havia acontecido com as demais potências, e se mantendo a certa distância do palco principal de batalha até que a vitória estivesse assegurada, foi o único país capitalista a sair fortalecido da guerra, desencadeando sua estratégia de consolidação no campo imperialista e de contenção da revolução mundial.
O novo objetivo estratégico do imperialismo americano no segundo pós-guerra consiste em estabelecer seu domínio mundial, conquistando uma posição monopolista nos mercados abertos com o esfacelamento de seus maiores concorrentes – Alemanha e Japão – e as debilidades pelas quais passavam seus sócios – Inglaterra e França. Os Estados Unidos buscavam reforçar suas próprias posições imperialistas, preparar uma nova guerra para conter o avanço do socialismo e da luta de libertação nacional dos povos coloniais e para isso procuravam sustentar os regimes reacionários e filo-fascistas sobreviventes a derrota da Alemanha. Assumiam assim o papel da camarilha de Hitler como inimigos principais dos povos e incendiários da guerra mundial.
Buscaram submeter a Europa ocidental à sua dominação por meio do Plano Marshall; assegurar sua presença nas colônias britânicas; e consolidar a divisão da Alemanha, fazendo renascer o militarismo nas zonas de ocupação anglo-franco-americana.
Dessa forma, se delineava no mundo do após-guerra uma divisão entre o campo imperialista e antidemocrático, sob a liderança reacionária dos Estados Unidos, e um campo da paz, o campo da URSS e dos países da nova democracia, que contava também com o impulso das lutas revolucionárias dos povos coloniais e do movimento operário do mundo capitalista.
Na América Latina, os Estados Unidos buscaram envolver todos os países na órbita dos seus planos de expansão militar, usando a bandeira da defesa hemisférica ocidental. Sendo o Brasil o país mais extenso da região, seu controle joga um papel decisivo no sucesso dos planos imperialistas.
Após oito anos de violenta reação antidemocrática do Estado Novo, a vitória internacional sobre o nazismo, da qual tomou parte o Brasil, contagia o povo, desencadeando um poderoso movimento de massas e mudando a correlação de forças existentes no país a favor do campo democrático. Importantes vitórias populares são registradas nesse momento. Conquista-se a anistia aos presos políticos, as liberdades fundamentais são restituídas e o Partido Comunista é legalizado. Há eleições presidenciais e a promulgação de uma nova constituição, que, a despeito do caráter reacionário da maioria parlamentar, registra conquistas democráticas. Por todo país, agita-se um poderoso movimento operário que começa a se libertar do controle policial do Ministério do Trabalho. A luta camponesa pela terra ganha impulso com a formação das primeiras ligas camponesas. Surgem os Comitês Democrático Populares.
As forças da reação estavam agora desmoralizadas e temporariamente impedidas de conter o avanço do movimento popular e levar a cabo seus planos de terror policial. O imperialismo norte-americano começa a rearticula-las às pressas, temendo que o crescimento dos sentimentos patrióticos e democráticos do povo brasileiro pudessem obstruir seus planos de dominação sobre o continente. O embaixador americano Adolf Berle Jr. é o principal articulador do golpe militar de 29 de outubro de 1945, executado pelos elementos mais reacionários do exército (Góis Monteiro e Gaspar Dutra), que depuseram o governo de Vargas.
Tal acontecimento é apresentado muitas vezes pela burguesia como uma ação democrática para derrubar o Estado Novo e barrar os planos continuístas de Getúlio, porém a verdade é que o Estado Novo havia sido liquidado, de fato, já em abril pelo levantamento do movimento popular democrático do povo e pela liquidação militar do baluarte da reação internacional na Europa. Desde então, estavam vigentes as liberdades democráticas no Brasil. A ação militar dos generais fascistas apoiados pelo imperialismo americano visou conter o avanço do movimento popular e preservar parcialmente o aparelho antidemocrático do regime.
29 de outubro de 1945 representou a primeira vitória da reação contra o movimento popular democrático e antifascista e o início de sua ofensiva e da mudança na correlação de forças. A vitória eleitoral de Dutra em 2 de dezembro representou a segunda.
Um antigo simpatizante da Alemanha nazista e um dos principais articuladores do Estado Novo, o General Eurico Gaspar Dutra foi uma peça-chave na política de contenção americana ao movimento democrático e de dominação imperialista. Seus esforços estiveram centrados principalmente na repressão e liquidação dos comunistas. Nas palavras de Leôncio Basbaum, “Pode mesmo dizer-se que Dutra foi eleito para fechar o PCB” [1].
Dutra começou, no dia seguinte após sua eleição, a implementar um regime de terror policial. Os comícios, garantidos por lei, são subordinados à chefia da polícia, passando-se a repressão aberta contra esses, a partir de 23 de maio de 1946. Depois de promulgada a nova carta, em 18 de setembro de 1946, a situação não se modificou. Entre 1946-1947, o país viveu um período de consolidação da reação policial e filo-fascista. Enquanto os comunistas eram presos e torturados, os integralistas são reintegrados aos seus postos no Exército e na Marinha. O integralista General Newton Cavalcanti torna-se chefe da casa militar da Presidência, fazendo retornar a Lei de Segurança Nacional, que sepulta as conquistas democráticas da nova Constituição. O General nazista Dutra inicia uma política de intervenção sistemática nos sindicatos, buscando reprimir pela violência o movimento sindical e evitar as greves.
Entre 1947 e 1948, sobre os pretextos mais miseráveis o governo rompe as relações com a URSS e põe novamente na ilegalidade o Partido Comunista, cansando o mandato de seus deputados e senadores. O rompimento das relações diplomáticas com Moscou e a cassação do registro do Partido Comunista marcam a virada definitiva do país para o campo da reação.
Já tivemos a oportunidade de registrar nossas opiniões sobre a política desenvolvida pelo Partido Comunista do Brasil entre os anos de 1943-1947. A orientação de união nacional contra o nazismo foi justa e atendia a demanda de enfrentar o perigo principal no momento, representado pela ameaça de dominação global do fascismo europeu e do militarismo japonês. Na sua aplicação, verificaram-se, entretanto, desvios de direita que começaram a se desenvolver desde a Conferência da Mantiqueira. Depois da vitória sobre o nazismo e da liquidação do Estado Novo, a continuidade da política anterior, sobre a palavra de ordem de “união nacional para a guerra e para a paz”, apresentou indicativos preocupantes. Afirmamos anteriormente que sem dúvidas a política adotada pelo PC do Brasil em 1946 foi reformista. A linha de ordem e tranquilidade atendia a uma exigência real da complexa conjuntura formada então; porém, se foi longe demais nesse campo, chegando a se defender a palavra de ordem “apertar a barriga e evitar greves”. No plano estratégico, a orientação desenvolvida se desviava do marxismo-leninismo e caía na senda socialdemocrata da teoria das duas revoluções, apostando na aliança entre a classe operária e a burguesia nacional-progressista e no desenvolvimento do capitalismo nacional.
Durante todo o período de aplicação da política de frente única contra o fascismo e união nacional, verificou-se o desenvolvimento de uma tendência direitista no interior do movimento comunista internacional. A partir de 1944, Earl Browder transforma o Partido Comunista dos Estados Unidos em uma mera associação político-cultural, pretendendo que a aliança entre os três grandes havia levado a superação da luta de classes e a possibilidade de um desenvolvimento pacífico. Essa política repercute no Brasil, onde se desenvolve uma tendência liquidacionista durante os anos de união nacional, que se opõe a reorganização do Partido sobre o pretexto de que ele criava dificuldades para o governo. Tal tendência foi derrotada na II Conferência Nacional (1943), mas continuou a atuar no interior do Partido. Após a anistia, Prestes dá prova de liberalismo insistindo na ampliação do Comitê Nacional, através do ingresso dos elementos liquidacionistas, sem que estes tivessem empreendido a devida autocrítica. Posteriormente, esses elementos representariam toda uma tendência revisionista de direita no interior da direção do Partido Comunista.
Durante o avanço das forças democráticas, em 1945, o Partido pôde colher os frutos do caráter justo de sua política de luta contra o nazismo e união nacional. Conquistou a legalidade e a anistia; obteve 600 mil votos nas eleições presidenciais, em um eleitorado de pouco mais de 5 milhões de votantes; elegeu uma bancada de 15 deputados e 1 senador na Assembleia Constituinte, cresceu suas forças, passando de um pequeno grupamento de 4 mil militantes a um poderoso partido de 200 mil membros. Nos centros de maior concentração operária, o Partido chegou a possuir células de 2 mil membros. Passou a integrar os sindicatos, elegendo boa parte de suas direções, e esteve à frente da conformação das primeiras ligas camponesas. Porém, não soube transformar essa influência em uma verdadeira orientação revolucionária e, quando foi posto novamente na ilegalidade, não foi capaz de organizar um poderoso movimento de massas para resistir a reação, acostumado como estava a conter a combatividade popular, sobre o pretexto de evitar as provocações.
Anteriormente, nos concentrando em defender aquilo que existiu de correto na linha política do Partido naqueles anos e sua importância para impulsionar a luta democrática do povo brasileiro, não demonstramos com a ênfase necessária como, sob a orientação do secretário-geral Luiz Carlos Prestes, se desenvolveu uma linha de direita no PC do Brasil em todos os campos: tático, estratégico e organizacional. Esses desvios seriam superados no período posterior, mas sem uma luta política consequente no interior de suas fileiras, voltariam a surgir quando o Partido se viu bombardeado pelo surto revisionista da segunda metade dos anos 50.
Desenvolver uma linha revolucionária para enfrentar o perigo de colonização e do fascismo
Vimos que nos árduos e heroicos anos da luta contra o fascismo e durante a guerra se desenvolveu uma tendência de direita no interior do movimento comunista internacional. A linha browderiana foi liquidada nos Estados Unidos em 1946. Após a libertação nacional, uma tendência de direita toma o controle do Partido Comunista da Iugoslávia, se transformando numa camarilha governante revisionista. A luta travada pelo Partido Bolchevique conteve a sua infiltração nos países de democracia popular, apesar da separação da Iugoslávia do socialismo.
Durante os anos da reação no Brasil, o Partido Comunista empreende sua autocrítica e se lança na tarefa de assimilar o marxismo-leninismo e desenvolver uma linha política revolucionária. Jogou um importante papel o influente informe do camarada Andei Zhdanov à Conferência dos Partidos Comunistas realizada, entre 22 e 27 de setembro de 1947, na Polônia. No seu informe, o dirigente soviético empreende uma análise completa da correlação de forças internacionais no segundo pós-guerra e dos objetivos estratégicos do imperialismo americano, varrendo as ilusões reformistas propagadas pelos elementos oportunistas de direita. O PC do Brasil valeu-se de suas contribuições para a compreensão da tarefa central de combater as políticas de concessão frente aos imperialistas norte-americanos e enfrentar seus planos colonizadores. “O objetivo visado pela nova orientação abertamente expansionista dos Estados Unidos é o de estabelecer o domínio mundial do imperialismo americano” [2], alertava o informe, e ressaltava que:
“Como no passado, a política de Munich, encorajou a agressão hitlerista, também hoje as concessões à nova política dos EUA e do campo imperialista podem tornar os seus inspiradores ainda mais insolentes e agressivos. Por isso, os Partidos Comunistas devem pôr-se à frente, da resistência aos planos imperialistas de expansão e de agressão em todos os campos: governativo, político, econômico e ideológico. Eles devem cerrar fileiras, unir os seus esforços na base de uma plataforma anti-imperialista e democrática comum e reunir em torno de si as forças democráticas e patrióticas do povo” [3].
Sob a luz de tais ensinamentos, os comunistas brasileiros empreendem a sua autocrítica. Denunciando suas debilidades em compreender as mudanças operadas na correlação de forças internacionais e a nova ofensiva reacionária que avançava no Brasil e sua linha direitista desenvolvida em conformidade com tais incompreensões.
A mudança política se inicia a partir de janeiro de 1948. Em seu artigo, Como enfrentar os problemas da revolução agrária e anti-imperialista, Prestes afirma:
“Na verdade não assinalamos na época com força suficiente tais modificações na situação nacional e internacional e mantivemos no fundamental a mesma linha política anterior que nos levou ao sucesso eleitoral de 2 de dezembro, insistindo, em condições já bem diferentes daquelas de 1945, na mesma preocupação de ordem e tranquilidade, de mão estendida ao governo etc. Nessas circunstâncias, e, diante das ameaças cada vez mais fortes da reação, fomos silenciando cada vez mais a respeito de nossos objetivos revolucionários e caindo insensivelmente nos limites de um quadro estreitamente legal e de pequenas manobras. (...) Essa tendência direitista se caracteriza ainda pela sistemática contenção da luta das massas proletárias em nome da colaboração operário-patronal e da aliança com a ‘burguesia-progressista’, assim como pela pouca atenção dada às lutas dos trabalhadores rurais contra o latifúndio, o que significa a subestimação na prática da massa camponesa como principal aliado do proletariado. (...) Simultaneamente, não soubemos assinalar em tempo as grandes modificações que se vinham dando no cenário mundial desde o fim da guerra, insistindo na possibilidade de paz através do acordo dos três grandes, sem ver a divisão do mundo em dois campos e a consequente necessidade de lutar pela paz através da resistência das forças democráticas ao avanço e aos golpes das forças da reação lideradas pelo imperialismo norte-americano. (...) Insistíamos, já sem nenhuma razão de ser, em formas de luta ‘rigorosamente dentro da lei’, da mesma lei que as classes dominantes há muito haviam deixado de respeitar e de reconhecer. Caímos no exagero de ver em qualquer greve ou movimento de massas espontâneo uma provocação perigosa e sempre contrária aos interesses do proletariado” [4].
O Partido Comunista do Brasil se direciona então para uma orientação justa, denunciando a pseudodemocracia brasileira, o caráter de traição nacional do governo Dutra e os planos do imperialismo norte-americano para a colonização total do Brasil.
Ainda Prestes:
“(...) simples ditadura das classes dominantes de um país semifeudal e semicolonial, ditadura de senhores de terras, grandes industriais e banqueiros e de agentes do imperialismo estrangeiro, particularmente o norte-americano” [5].
O governo Dutra é de traição nacional:
“Estamos de fato diante de um governo de traição nacional que, a serviço do imperialismo norte-americano, esfomeia nosso povo, liquida a indústria nacional, impede o progresso do país e entrega a Nação à exploração total dos grandes bancos, trustes e monopólios norte-americanos” [6].
O imperialismo norte-americano visa aumentar a colonização do Brasil:
“É cada vez mais claro o propósito do imperialismo norte-americano no sentido de aumentar a colonização do país, de submetê-lo a seu completo domínio, de transformá-lo em base para sua própria expansão no Continente e no mundo, para fazer de nosso povo carne de canhão para suas aventuras guerreiras e seu ataque à União Soviética, aos países da nova democracia e aos povos que lutaram por sua própria emancipação política e econômica” [7].
A antiga tendência ao legalismo e a contenção da luta das massas desaparece, dando lugar a uma nova orientação justa de unidade e conformação da frente única pelas bases, mobilizando as massas para derrubar o governo e lutar por democracia e contra o imperialismo:
“(...) é para a unidade pela base das organizações de massa que se deve principalmente orientar toda nossa atividade visando organizar o mais amplo bloco das forças populares e democráticas”. “Só se chegará a uma verdadeira frente democrática e anti-imperialista através da criação do maior número possível de organismos de massa de todos os tipos, entre as mais diversas camadas sociais e de todas as categorias de cidadãos das classes trabalhadoras”. “(...) mobilizar as massas a fim de que resistam à reação e lutem pela derrubada do atual governo de traição nacional, pela instauração no país de um governo popular, democrático e progressista, único capaz de salvar o país da miséria, do aniquilamento, da perda total de sua soberania” [8].
Tais teses representaram um avanço no desenvolvimento de uma linha política revolucionária pelo Partido Comunista.
A correção dos erros socialdemocratas na compreensão do problema da revolução democrática nos países coloniais e semicoloniais
Entre 1937-1947, o Partido Comunista do Brasil não desenvolveu uma compreensão correta do problema da revolução nos países coloniais e semicoloniais. Sua linha estratégia apresentava um desvio à direita, de tipo socialdemocrata, que teve em Prestes o seu principal representante. Acreditava-se então em uma revolução democrática de tipo clássico, baseado principalmente na aliança entre o proletariado e a burguesia nacional-progressista, desprezando-se o papel dos camponeses como aliado principal da classe operária. Era uma tendência de desenvolvimento do capitalismo nacional.
Nos documentos políticos aprovados em 1948, as questões estratégicas da revolução brasileira ainda não são apresentadas de modo completamente preciso e a autocrítica limita-se ao campo da tática política desenvolvida até ali, ou seja, os pontos mais evidentes do desvio de direita em que se incorreu.
Em seu artigo de abril de 1948, Prestes se limita a apresentar os objetivos estratégicos da revolução no Brasil:
“A reação pode ser barrada, mas para isso precisamos ataca-la em sua base econômica, no monopólio da terra, lutando pela sua distribuição às grandes massas camponesas para que as trabalhem e possam livremente dispor da produção, bem como ataca-la nas posições do imperialismo, lutando pela nacionalização dos serviços públicos e anulação de concessões e de privilégios dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros” [9].
É uma orientação no geral correta, porém o fundamental ficou ainda por dizer. Quais são as forças capazes de levar a cabo a vitória da revolução? Que classe desempenhará a hegemonia na frente revolucionária? Qual a natureza de classe e os objetivos históricos que deve perseguir o novo poder revolucionário?
Em seu informe de maio de 1949 ao pleno do Comitê Nacional do PC do Brasil, sob pressão do agravamento da luta contra a ofensiva da reação no Brasil e o aumento das contradições no plano internacional, Prestes corrige suas posições anteriores e avança na formulação da estratégia revolucionária.
O caráter democrático da revolução brasileira é reafirmado, porém ressalta-se, agora corretamente, o caráter de novo tipo de tal revolução, analisando-se de um ponto de vista justo os seus problemas estratégicos fundamentais:
“Mas essa revolução agrária e anti-imperialista, revolução democrática em sua forma e burguesa pelo seu conteúdo econômico social, a realizar-se em plena época da revolução proletária e da construção do socialismo numa boa parte do mundo, só pode ser realizada sob a direção do proletariado. “Já passou a época das velhas revoluções burguesas dirigidas pela burguesia e visando a instauração de uma sociedade capitalista sob a ditadura de classe da burguesia. A correlação de forças sociais no país, onde cresce o proletariado, sem que a burguesia se reforce nem econômica nem politicamente, já que as posições fundamentais da economia nacional estão cada vez mais em poder do imperialismo e devem, com a revolução, passar diretamente para as mãos do novo Estado, criam, evidentemente, a possibilidade de um desenvolvimento não capitalista que leve diretamente ao socialismo. Mas, além disso, a revolução democrático-burguesa dos dias de hoje nos países coloniais e atrasados é parte integrante da revolução do proletariado e, justamente por isso, é violentamente combatida pelo imperialismo e jamais poderá ser realizada sob a direção da burguesia, cada vez mais dependente dos grandes trustes e monopólios internacionais” [10].
Muitas questões fundamentais da estratégia da revolução nacional-democrática são corretamente abordadas aí: a hegemonia do proletariado, a possibilidade de um desenvolvimento não capitalista que leve diretamente ao socialismo, o fato de que as revoluções democráticas dos povos coloniais e semicoloniais são parte integrantes da revolução socialista mundial, voltando-se diretamente contra os monopólios imperialistas. Porém, não há nenhum esforço de autocrítica quanto a orientação estratégica anterior e a transformação é realizada de um salto.
Entre maio de 1944 e março de 1945, Prestes afirmou:
“O que convém agora à classe operária é a liquidação dos restos feudais, de maneira que se torne possível o desenvolvimento o mais amplo, o mais livre e o mais rápido do capitalismo no país. Na situação atual do Brasil, podemos afirmar com Lenin que nada pode haver de mais reacionário do que pretender a salvação da classe operária em qualquer coisa que não seja o desenvolvimento ulterior do capitalismo. Está nisto a base material, objetiva, de uma ação democrática unificada, perfeitamente possível nas condições brasileiras do mundo de após-guerra, do proletariado com a burguesia nacional progressista. Aliás, não é necessário ser marxista para se compreender, já agora, ante a crise que ameaça a nossa indústria no após-guerra, a verdade das considerações anteriores. A salvação única da indústria nacional e a possibilidade de seu ulterior desenvolvimento residem, antes e acima de tudo, na ampliação multiplicada do nosso próprio mercado interno e isto só será possível com a elevação decisiva do nível de vida das grandes massas camponesas que constituem a maioria da população nacional, o que, no final de contas, significa a eliminação no país de todas as velhas reminiscências feudais.” [11].
Anteriormente já apresentamos nossas críticas a tais ideias, tratando de diferenciá-las das posições corretas da revolução nacional-democrática. Afirmamos que tais posições representam um evidente deslize para a teoria das duas revoluções do menchevismo e da socialdemocracia. Prestes não via então na realização da revolução democrática no Brasil, sob as condições modernas, a criação das condições para a passagem mais rápida ao socialismo, na qual um certo desenvolvimento do capitalismo seria um fenômeno inevitável, entretanto, limitado pelo novo poder democrático-popular e as posições dominantes do proletariado neste. Pelo contrário, a revolução deve possibilitar o desenvolvimento “o mais amplo, o mais livre e o mais rápido” do capitalismo. Ele deduzia daí que “Está nisto a base material, objetiva, de uma ação democrática unificada, perfeitamente possível nas condições brasileiras de após-guerra, do proletariado com a burguesia nacional”. Se essa afirmação é correta, precisamos ao mesmo tempo ressaltar que ele não tinha em conta o papel do campesinato. Na sua concepção das forças capazes de realizar as transformações democráticas necessárias contra o feudalismo, o papel central cabia então à aliança com a burguesia nacional-progressista, enquanto aos camponeses caberia o mero papel passivo de contingente populacional que precisa passar por uma “elevação decisiva do nível de vida”.
A nova orientação mais justa permaneceria vigente na próxima década, porém a ausência de autocrítica impossibilitou que se extirpassem pela raiz os germes da antiga concepção oportunista.
Algumas considerações sobre os desvios de “esquerda” do PC do Brasil
Na correção dos desvios de direita o PC do Brasil incorreu em novos desvios de “esquerda”. Principalmente nas questões da atividade eleitoral, da luta pela unidade sindical, do imperialismo e da burguesia nacional. Entretanto, a hegemonia do oportunismo de direita que se estabeleceu sobre o movimento comunista no Brasil durante as décadas posteriores levou a exagerar o alcance e o significado dos erros de “esquerda” do Partido, enquanto seus desvios de direita foram subestimados e se fortaleceram até se levar a degeneração. A despeito de todas as suas diatribes pseudo-esquerdizantes sobre o caráter carreirista dos dirigentes comunistas, os ideólogos do Partido Socialista de Miguel Arraes afirmam que foi a orientação sectária do PCB frente a burguesia progressista a responsável pelo fracasso da política de união nacional [12]. Outros autores esforçam-se por apresentar os erros táticos como desdobramentos lógicos de toda orientação estratégica. Deslizaram rapidamente os que assim o fazem pela ladeira lamacenta do eurocomunismo até a posições de apologistas do PPS [13].
A questão da burguesia nacional, os problemas da luta contra o imperialismo e as relações com o PSB e o PTB
No Informe de maio de 1949, apesar de compreender a ameaça de uma colonização americana, o Partido não deduzia ainda a necessidade de centrar o ataque principal contra o imperialismo norte-americano, voltando-se indiscriminadamente contra o imperialismo em geral.
Em sua apreciação da burguesia brasileira, o Partido denuncia corretamente o caráter contrarrevolucionário da grande burguesia, mas não há nenhum esforço em diferenciar o papel de seus setores médios e apreciar completamente a complexa relação que se estabelece entre esses e a luta contra o imperialismo.
O Informe apresenta o PSB e PTB como demagogos e uma pseudo-oposição à ditadura Dutra. Particularmente o PTB é tratado como “os politiqueiros do partido do sr. Vargas, miseráveis fura-greves e traidores da classe operária” [14].
É verdade que as direções dos dois partidos apresentam um caráter extremamente oportunista e já haviam criado graves problemas ao desenvolvimento contra o imperialismo. Porém, possuíam influência significativa nas classes média e operária, respectivamente, o que demandava uma linha correta que permitisse ao Partido Comunista influenciar essas massas ainda sobre a direção ideológica dos socialistas e trabalhistas. Esse esforço não foi efetivamente desenvolvido.
Uma verdadeira orientação revolucionária diante de uma realidade complexa
Quando se analisa a linha política desenvolvida por um Partido Comunista em uma determinada época, é preciso se perguntar se o fundamento de tal linha é correto, se são verdadeiras as bases da orientação adotada. É sobretudo o caráter correto das posições estratégicas o fator determinante de sua justeza. É verdade que sem uma linha tática correta, a orientação estratégica fica inaplicável. Porém, uma tática não pode ser totalmente justa se a orientação estratégica está errada. Se não se traça de divisar os objetivos revolucionários finais, uma orientação tática, ainda que frutífera, redundará no oportunismo do movimento pelo movimento.
Os desafios que o Partido Comunista do Brasil teve que enfrentar nos princípios dos anos 50 foram os da formulação de uma linha revolucionária em meio a mais complexa situação da luta de classes no plano nacional e internacional.
Entre meados de 1949 e 1950, se verificaram acontecimentos de ordem histórico universal no plano internacional. Triunfa a Grande Revolução Chinesa e os Estados Unidos iniciam sua agressão imperialista criminosa contra o povo da Coreia. A luta de classes se intensifica e se radicaliza em todos os cantos e seu epicentro descola-se cada vez mais para os povos coloniais e semicoloniais.
No Brasil, recrudesce o terror policial do governo Dutra. Entre os anos de 1948 e 1950, todo o Comitê Central têm suas prisões preventivas decretadas e passa a viver na clandestinidade; sobre os militantes comunistas pesam sucessivas ondas de prisões, espancamentos e mesmo execuções.
O imperialismo americano lançou definitivamente as bases para sua dominação colon