"Estou em casa"

Moscou, EUA - “Este é Paul Robeson, o maior cantor americano!” Declarou o famoso diretor de cinema Eisenstein, apresentando Robeson a uma recepção em sua homenagem, da qual participaram quase todas as celebridades do teatro e do mundo das artes de Moscou. A recepção foi dada na “Casa do Kino”, clube palaciano dos trabalhadores da indústria cinematográfica.
Repito as palavras de Eisenstein, mestre de cerimônias na recepção, não para informar o público sobre quem Robeson é, pois isso é bem conhecido, mas para mostrar o tom do sentimento dos trabalhadores e dos artistas na União Soviética em relação a esta visita do cantor negro, filho de um escravo nos Estados Unidos - para mostrar a apreciação sincera desses russos, filhos de servos que agora são livres por seus próprios esforços.
A recepção foi longa e brilhante e durou até por volta das 2 da manhã. Mas, de alguma forma, Robeson encontrou tempo para responder a algumas perguntas do correspondente do Daily Worker.
Comecei com o óbvio: "Você notou uma questão racial na União Soviética?"
Uma corrente de riso retumbou sob a grande voz suave de Robeson quando ele respondeu: "Só que parece funcionar a meu favor!"
E então ele explicou. Ele estuda a União Soviética há dois anos, estuda a língua russa também durante esse período de tempo, tem sido um leitor regular do Pravda e Isvestia por meses, e sabe sobre a solução da questão racial por aqui. Ele sabe que a teoria soviética é que todas as raças são iguais - realmente iguais, socialmente iguais também, tanto econômica quanto politicamente. Ele expressou prazer, mas não foi surpresa quando o informei da eleição para o Soviete de Moscou do negro americano, Robinson, que trabalha na fábrica de Rolamentos De Esferas Primeiro Estado.
Mas o que ele admitiu que não estava esperando era a recepção simples, sincera e afetuosa que estava reservada para ele. Robeson declara que sabe que criou um lugar suficiente para ele, cantando e atuando, que mesmo no mundo capitalista alguns dos aspectos mais amargos de Jim-Crow e do chauvinismo branco não lhe são aplicados. Mas é exatamente esse sentimento que é uma exceção condescendente feita a ele que está faltando aqui. Aqui, há apenas a alegria entusiasmada dos trabalhadores e artistas russos, eles ou seus pais que em outro momento foram escravos do capitalista e do senhorio, agora saúdam, além disso, um homem que eles sentem ser um irmão artista estrangeiro, com um desejo real de conhecer honestamente e entender a nova vida que eles fizeram para si mesmos.
"Eu não estava preparado para a felicidade que vejo em todos os rostos de Moscou", disse Robeson. “Eu estava ciente de que não havia fome aqui, mas eu não estava preparado para uma vida feliz; o sentimento de segurança e abundância e liberdade que encontro aqui, onde quer que eu me volte. Eu não estava preparado para a amizade sem fim, que me cercou a partir do momento em que atravessei a fronteira. Eu tinha um passaporte tecnicamente irregular, mas tudo isso foi deixado de lado pela ansiosa disponibilidade das autoridades fronteiriças. E essa alegria, felicidade e simpatia, essa completa ausência de qualquer constrangimento diante de uma 'questão racial' é muito mais sentida por mim por causa do dia em que passei em Berlim a caminho daqui, e esse foi um dia de horror - em uma atmosfera de ódio, medo e suspeita".
Comentando a recente execução após a corte marcial de vários terroristas contrarrevolucionários, Robeson declarou categoricamente: “Pelo que eu já vi do funcionamento do governo soviético, só posso dizer que qualquer um que erga a mão contra ele deveria ser fuzilado."
“É dever do governo derrubar qualquer oposição a essa sociedade realmente livre com mão firme”, continuou ele, “e espero que sempre façam isso, pois já me vejo em casa aqui. Este é o lar para mim. Sinto mais parentesco com o povo russo sob sua nova sociedade do que jamais senti em outro lugar. É óbvio que não há terror aqui, que todas as massas de todas as raças estão satisfeitas e apoiam seu governo”.
Robeson comentou sobre a ausência de favelas, sobre o imenso prédio de apartamentos dos trabalhadores nos distritos fabris, distritos que são invariavelmente favelados nas cidades capitalistas. Ele declarou que fará um extenso estudo da vida do clube do trabalhador soviético, especialmente porque os clubes são centros de treinamento musical, instrumental e vocal, e de arte dramática.
Robeson desenvolveu uma teoria, baseada em seu conhecimento em música popular e Drama da Ásia Central, e em seus três meses de experiência recente na África em conexão com a filmagem de um cenário cinematográfico baseado na vida africana, que uma nova forma expressão, não o drama, e não a ópera, podem ser desenvolvidos a partir dessas artes dos povos primitivos. Ele vê certas bases consistentes subjacentes em toda essa arte de civilizações primitivas. Ele espera complementar suas observações com um estudo da música e do drama folclóricos chineses.
Ele selecionou a União Soviética como o centro mais apropriado para conduzir suas pesquisas e como o único país que lhe deu sem problemas o ambiente social e outro no qual ele pode completar sistematicamente sua pesquisa e trabalhar para essa nova forma de expressão artística. Ele diz que pretende permanecer na União Soviética até cerca de meados de janeiro, depois terá que voltar para a Inglaterra para a conclusão final do filme da vida africana e para encerrar seus outros negócios lá. Então, em algum momento de 1935, ele irá com toda a sua família para a União Soviética para uma estadia prolongada, trabalhando em suas pesquisas e nos primeiros passos da nova forma de drama e ópera, cantando e atuando nos cinemas e filmes.
Na recepção dada em sua homenagem, Robeson cantou, além de várias canções espirituais (canções cristãs criadas por escravos negros, pode se dizer que são um tipo de canção gospel) dos trabalhadores negros, quatro seleções em russo: duas da ópera “Boris Godunov”, uma velha canção folclórica e uma canção de ninar do povo Cossaco. Aplausos calorosos e a opinião expressa dos presentes testemunharam seu progresso na língua russa bastante difícil.
Ele deliberadamente e por muito tempo planejou e se preparou para se mudar para a URSS como o centro mais adequado para o importante trabalho de inovação artística que ele tem em mente, e porque ele havia decidido com base em muitas evidências de que é um lugar onde um homem pode fazer esse trabalho com maior liberdade e facilidade. Ele disse em sua entrevista que está mais do que satisfeito com o fato de a União Soviética ser esse lugar.
Publicado originalmente no Daily Worker, em 15 de janeiro de 1935
Traduzido por R. Borges