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O sisudo José Ramos Tinhorão



Faleceu no dia 3 de agosto, aos 93 anos, numa tarde de inverno, José Ramos Tinhorão, jornalista e historiador, que ocupa um lugar destacado na historiografia de nossa música popular.


Tinhorão – nome de uma planta ornamental tóxica – ganha o apelido ainda na primeira redação que fez parte, no Diário Carioca. Em 1958, começou a trabalhar no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro. É no JB que nasce o crítico de música popular, a partir do Caderno B (suplemento cultura), onde fez parceria com Nilson Lage e lançou uma matéria sobre música de carnaval.


Herdeiro do pensamento folclorista, inicia seus escritos sobre música popular, colocando em debate a identidade nacional.[1] Em 1960, Reynaldo Jardim, o então cabeça do Caderno B, pediu a Tinhorão que iniciasse uma série de escritos sobre o Samba, e sugere uma conversa com Sérgio Cabral, que por sua vez recomendou que fossem feitas entrevistas com grandes nomes de nossa música popular. É a partir desse momento que José Ramos Tinhorão começa a entrelaçar seus caminhos com a pesquisa em música popular. Neste sentido, foram feitas entrevistas com personagens da estirpe de Ismael Silva, Donga, Pixinguinha, Almirante, dentre outros tantos – a tal série de entrevistas foi chamada de “Primeiras lições do Samba: uma tentativa de história da música popular no Rio”.


Em 1963, deixa o JB e se encaminha para o Correio da Manhã. Logo depois, se transferiu para TV Excelsior – da qual foi demitido em 31 de março de 1964 (dia do Golpe Militar). Arrumou suas trouxas e partiu para a TV Rio, onde trabalho como redator do jornal O Globo. Em 1968, volta para São Paulo para trabalhar na então embrionária Revista Veja, além de colaborar com o Ministério da Educação e com a Revista Senhor. Em 1974, uma vez consagrado, lança o seu “Pequena História da Música Popular: da modinha à canção de protesto”. A partir de então, retorna ao JB, em sua sucursal paulista, e passa a escrever sobre os produtos da indústria cultural da música brasileira.[2]


Sempre apoiado no Materialismo Histórico, desde o início foi forte crítico da Bossa Nova, para ele um movimento nem de perto brasileiro – a chamava de “Jazz pasteurizado”. Em uma entrevista, Tom Jobim (artista muito criticado por Tinhorão), quando perguntado sobre o crítico, respondeu que o via como uma “planta herbácea da família das aráceas, que costumava regar diariamente com suas próprias urinas”.[3] O sisudo jornalista também condenava o tropicalismo e o “iê-iê-iê”, chamando, ambos, de “rock trocado em miúdos para otário”.


Tinhorão denunciava a alienação das classes dominantes, e via na cultura o reflexo da sociedade de classes – entendia que haviam várias culturas coexistindo em determinado momento histórico: a cultura da elite, a cultura das populações pobres e, por fim, a cultura de massas; esta última seria a divulgada pela chamada indústria cultural. De tal maneira, tinha para ele que a verdadeira cultura popular está representada na autenticidade operária/camponesa. O crítico vai travar sua luta na superestrutura, como dizia, no “campo cultural”; a regionalidade de modo intocável, seria como uma barreira de interferências externas.


Na década de 1960, quando o Brasil vivia o momento da consolidação da indústria cultural, Tinhorão denunciava os aspectos problemáticos do país, e trazia consigo o amor pelo povo, pelo nacionalismo. Junto disso, propalava a indignação com a exploração das classes dominantes. Para ele, a indústria fonográfica – composta, em sua maioria, por empresas estrangeiras – tratava de reduzir a capacidade do artista, muito por isto tinha posição marcada contra a influência estrangeira, posicionando-se abertamente como anti-imperialista. Esses princípios foram os que lhe jogaram contra movimentos como o da Bossa Nova; quando o gênero celebrava seus 50 anos, Tinhorão soltou a seguinte frase: “Chega de Saudade! Cinquenta anos de admiração pela música norte-americana! Para com isso, rapaziada!”[4]


Em entrevista ao Instituto Moreira Sales (IMS), em março de 2013, quando perguntado sobre o marxismo, Tinhorão dizia: “Eu [conheci o marxismo através de] Engels, A Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado... me abriu um negócio na cabeça, aí eu fui para o Marx, 18 Brumário. Ih! Era tudo tão claro, sabe? A explicação que ele dava para o fato histórico... aí quando eu pegava um tema aqui [aplicava o materialismo histórico]... quando chegou na Bossa Nova, este princípio me jogou contra a classe média. [Pois a classe média] Passa a se contemplar no equivalente de sua classe no país mais desenvolvido, então colocam uma camisa escrito Harvard, com [sapato] mocassim sem meia e óculos Ray-ban”.


Tinhorão passou por diversos meios de comunicação – o seu último foi o Pasquim, onde permaneceu até 1989. Em 1990 larga de vez o jornalismo e se dedica exclusivamente a pesquisa histórica. Fez sua pós-graduação na USP, em 1999, e de sua dissertação nasceu o livro “A Imprensa Carnavalesca no Brasil: um panorama da linguagem cômica”. Além disso, foi um ávido colecionador de discos e materiais sobre a música: contava com 13 mil LPs, e em sua biblioteca possuía 14 mil obras e mais 35 mil documentos.


Leia Tinhorão:


A Província e o Naturalismo (1966)

Música Popular: um tema em debate (1966)

O samba agora vai: a farsa da música popular brasileira no exterior (1969)

Música Popular: cinema e teatro (1972)

Música Popular: os índios, negros e mestiços (1972)

Pequena História da Música Popular: da modinha à canção de protesto (1975)

Os sons que vêm da rua

Os sons dos negros no Brasil: cantos, danças, folguedos: origens (1988)

Os negros em Portugal: uma presença silenciosa (1988)

Música Popular no Romance Brasileiro (1992):

- Séculos XVIII e XIX - Vol. 1

- Século XX - Vol. 2

- Século XX - Vol. 3

Fado: dança do Brasil, cantar de Lisboa, o fim de um mito (1994)

História social da música popular brasileira (1990)

As origens da canção urbana (1997)

As festas no Brasil colonial (1999)

A Imprensa Carnavalesca no Brasil - Um panorama da linguagem cômica (2000)

Música popular: o ensaio é no jornal (2001)

Cultura Popular - Temas e Questões (2001);

Domingos Caldas Barbosa, o poeta da viola, da modinha e do lundu: 1740-1800 (2004)

O rasga: uma dança negro-portuguesa (2007)

A Música Popular que Surge na Era da Revolução (2009)

Música popular: do gramofone ao rádio e TV (2014)

Festa de Negro em Devoção de Branco (2012)

Pequena História da Música Popular (2012)

Música e Cultura Popular: Vários Escritos sobre um Tema em Comum (2017)

Primeiras Lições de Samba e outras mais (2018)


Referências

[1] LAMARÃO, Luisa. Q. As Muitas Histórias da MPB: as ideias de José Ramos Tinhorão. Dissertação de Mestrado apresentada ao Departamento de História do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia da Universidade federal Fluminense. Niterói 2008.

[2] Instituto Moreira Sales (IMS). Sobre José Ramos Tinhorão. Disponível em: https://ims.com.br/2017/06/01/sobre-jose-ramos-tinhorao/. Acesso em 12/08/21

[3] LAMARÃO, Luisa. Q. O veneno de Tinhorão: reflexões sobre a coluna “Música Popular” (1974-1982). Revista Antíteses. UEL. 12/04/2010.

[4] LORENZOTTI, Elizabeth. Tinhorão, o legendário. Publicado em 02/02/2009.

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