"O Fascismo nos Estados Unidos"

Dez anos antes do julgamento dos líderes comunistas americanos, Eugen Hadamovsky, chefe da rádio nazista e assessor de Goebbels, escrevera: “A Propaganda e a força nunca foram antíteses absolutas; o uso da força pode fazer parte da propaganda. Entre elas há um escalão de rankings para se exercer influência: da persuasão gentil à propaganda de massa selvagem, da organização de recrutas à organização de instituições Estatais e paraestatais, do terror individual ao terrorismo em massa ...”
No verão de 1949, quando a propaganda anticomunista nos Estados Unidos estava à beira do delírio, ocorreu um evento que abalou o mundo e que parece exemplificar a tese de Eugen Hadamovsky.
Enquanto os doze líderes comunistas estavam sendo julgados na Suprema Corte de Nova York por suposta propaganda a favor do uso da força e da violência contra o governo, os verdadeiros expoentes da força e da violência nos Estados Unidos entravam em ação a pouco menos de 80 quilômetros de distância.
Um concerto de Paul Robeson foi anunciado para a noite de sábado, 27 de agosto de 1949, no Lakeland Acres Park, perto da cidade de Peekskill, em Nova York. Os lucros do concerto deveriam ir para a seção do Harlem do "Congresso dos Direitos Civis", uma organização dedicada à defesa das liberdades constitucionais, que foi citada na lista de "subversivas" do Procurador-Geral Clark.
Quatro dias antes do show, o jornal "Evening Star" de Peekskill intitulou: "O show de Robeson ajuda o bloco subversivo." E o artigo dizia: "O tempo para o silêncio tolerante que significa aprovação está se esgotando ...".
O presidente da Câmara de Comércio local e outros chauvinistas da localidade taxaram o show de "anti-americano", enquanto as organizações de veteranos decidiram promover manifestações e uma marcha de protesto.
O show nunca aconteceu.
Quando Paul Robeson chegou ao espetáculo, ele não conseguiu entrar em Lakeland Acres. Uma multidão enfurecida bloqueou a estrada, impedindo qualquer pessoa de entrar no parque. Ao longo de três quilômetros de rodovia, os carros dos que iam ao show se amontoavam um atrás do outro. Não havia polícia à vista.
Ao cair da noite, a multidão começou a destruir as cadeiras colocadas no parque, fazendo uma grande fogueira com os escombros e efetuando um violento assalto contra as pessoas que já haviam chegado. Gritavam: “Nenhum de vocês vai sair vivo daqui ... Somos filhos de Hitler. Estamos prontos para terminar o trabalho que ele começou…”
A linha de defesa foi rapidamente organizada por algumas dezenas de homens. Às 20h30, abrindo caminho no escuro em meio à multidão que urrava, alguém foi chamar a polícia. Mais tarde, ele disse o seguinte: “Vi um homem negro e dois brancos se aproximando do parque. Eles foram parados pela multidão. Uma dúzia de homens jogou o negro em uma pilha de terra. O negro repetia: “Eu sou americano. Tenho o direito de assistir ao concerto”. De repente, um dos homens bateu nele e a multidão correu em sua direção gritando: "Vamos matá-lo, vamos acabar com ele". Eles o espancaram impiedosamente, chutaram e pisaram nele. Então eu vi um soldado que estava por perto. Falei com ele: “Vem cá, menino, isso não é correto”, ao que ele respondeu: “A este ai sim, isso não é o jeito americano”, e juntou-se à multidão. Arrastei o negro por entre os carros e para a floresta. Se eu não tivesse feito isso, acredito que eles o teriam matado. "
Descrevendo o tratamento dispensado a muitas pessoas que procuravam assistir ao concerto, o “New York Herald Tribune” de 29 de agosto disse: “… o tráfego foi interrompido por blocos e pranchas de madeira que as pessoas tiravam dos veículos. Os homens foram empurrados à força, enquanto as mulheres fugiram em meio a zombarias e achincalhes. Carros foram esmagados e destroçados com pedras e oito deles foram virados. Eles tiveram que ser removidos com reboques às duas da manhã. "
Somente depois de passadas várias horas de tumulto a polícia chegou para dar a aparência de restaurar a ordem.
Na tarde de domingo, um dia após o assalto, mil e quinhentas pessoas indignadas, residentes locais, reuniram-se na propriedade do dr. Samuel Rosen, em Katonah. Lá eles formaram o “Comitê para a Lei e para a Ordem” de Westchester e decidiram por unanimidade enviar um segundo convite a Paul Robeson para cantar em Peekskill. "Nós nos recusamos a abandonar qualquer parte dos EUA ao massacre organizado", disse o Comitê, "nossas liberdades e direitos civis estão sendo restritos."
Na noite de terça-feira, 8.000 pessoas lotaram o Golden Gate Hall no Harlem para protestar contra a violência em Peekskill. Dirigindo-se aos participantes da reunião, Paul Robeson anunciou que cantaria novamente em Westchester.
O novo show foi agendado para domingo, 7 de setembro, no Hollow Brook Country Club.
Em Peekskill, a tensão aumentava à medida que o dia marcado se aproximava. Organizações locais convocaram uma gigantesca marcha de protesto do lado de fora da sala de concerto. Faixas e pôsteres apareceram por toda a cidade com o slogan: "Levante-se América, Peekskill já o fez." Cartazes foram afixados em carros e ônibus com o slogan: “Comunismo é traição; por trás do comunismo estão os judeus. Portanto, pela pátria e contra os judeus!" O “Daily Compass” anunciou que os turistas de uma colônia de férias vizinha se sentiram tão ameaçados que os homens organizaram turnos para se proteger contra o ataque.
Na véspera do concerto, homens discutiam em bares e bilhares de Peekskill, elogiando abertamente o trabalho que iriam fazer contra "os comunistas, negros e judeus".
A pedido do “Comitê de Lei e Ordem” de Westchester, o governador Thomas Dewey convocou a Polícia Estadual de Peekskill para o dia marcado.
Para garantir proteção ao público, os organizadores do show mobilizaram um corpo de 2.500 veteranos antifascistas. Sob o comando de Leon Strauss, vice-presidente da União Internacional de Trabalhadores de Curtumes, Oficial da Reserva, esses veteranos chegaram ao Hollow Brook Club antes do amanhecer. Parados ombro a ombro, eles formaram a guarda de defesa, circundando completamente o parque.
À tarde, os que compareceram ao concerto, inclusive famílias com cestas de piquenique, começaram a ocupar seus lugares. Aproximando-se da entrada, eles passavam entre as filas de centenas de policiais que continham uma multidão de manifestantes gritando insultos. Alguns gritavam: "Amigos de negros, de comunistas ... estão entrando, mas não sairão ...".