Martí: "Trabalho manual nas escolas"
- NOVACULTURA.info
- 21 de set. de 2018
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Os colégios de agricultura dos Estados Unidos acabam de apresentar informes sobre seus trabalhos do ano anterior. Em todos eles o que se vê é que não são tanto as leis teóricas do cultivo as que se ensinam nessas escolas, e sim o manejo direto da terra, que oferece em primeira mão, claramente e com inimitável amenidade as lições que sempre saem confusas dos livros e dos professores.
Vantagens físicas, mentais e morais advêm do trabalho manual. E esse hábito do método, saudável contrapeso, sobretudo em nossas terras, da veemência, inquietude e extravio em que nos enreda, com sua espora de ouro, a imaginação. O homem cresce com o trabalho que sai de suas mãos. É fácil ver como empobrece e envelhece, em poucas gerações (...) enquanto aquele que deve seu bem-estar a seu trabalho, ou ocupou sua vida em criar e transformar forças, e em empregar as próprias, tem o olho alegre, a palavra pitoresca e profunda, os ombros largos e a mão segura. Vê-se que esses são os que fazem o mundo, e engrandecidos, acaso sem sabê-lo, pelo exercício de seu poder de criação, têm certo ar de gigantes ditosos, e inspiram ternura e respeito. Mas, se mais de cem vezes entrar num templo, comove a alma ao entrar, em madrugada com este frio de fevereiro, em um dos carros que levam dos bairros pobres às fábricas artesãos de vestes manchadas, rosto são e curtido, mãos calejadas – nas quais, àquela hora, brilha um jornal.
Eis aqui um grande sacerdote, um sacerdote vivo: o trabalhador.
O diretor da Escola de Agricultura de Michigan defende calorosamente as vantagens do trabalho manual nas escolas. Para o diretor Abbot não há virtude agrícola a que não ajude o trabalho manual na escola. O agricultor precisa conhecer a natureza, as enfermidades, caprichos, travessuras mesmo das plantas para dirigir o cultivo de modo a aproveitar as forças vegetais e evitar suas perdas. Precisa enamorar-se de seu trabalho e encontra-lo, como é, mais nobre que qualquer outro, ainda que seja apenas porque ele permite o exercício mais direto da mente e proporciona, com seus resultados férteis e abundantes, uma renda fixa que permite ao homem viver com dignidade e independência. Oh, ao ouvir nosso voto, junto de cada berço de hispano-americano se poria um canteiro de terra e uma enxada. Ademais, precisa o agricultor conhecer intimamente, em seus efeitos e modos de operar, as ciências que hoje ajudam e aceleram os cultivos. E como a natureza é rude, como todo o verdadeiramente amante, o agricultor, por questão de saúde, cuida para que o sol não aqueça e não reflita a chuva, o que só o habituar-se a esta e àquele pode conseguir.
Com o trabalho manual na escola de Agricultura, o agricultor vai aprendendo a fazer o que mais tarde terá de fazer em sua própria terra: enternece-se com seus descobrimentos das teimosias ou curiosidades da terra como um pai de seus filhos; apega-se tanto a seu terreno que o conhece, cuida, deixa em repouso, alimenta e cura, de tal modo e de similar maneira à que um doente se afeiçoa ao médico. E como se vê que para trabalhar inteligentemente o campo necessita-se de ciência diversa e complexa, às vezes profunda, perde todo desdém por um trabalho que lhe permite ser ao mesmo tempo um criador, cuja alma se alegra e se levanta, e um homem culto, versado em livros e digno de seu tempo. O segredo do bem-estar está em evitar todo conflito entre as aspirações e as ocupações.
Páginas poderiam ser preenchidas com a enumeração das vantagens deste trabalho manual nas escolas de Agricultura, como demonstra o informe.
Para que esse trabalho dos estudantes de agricultura seja duplamente útil, ele não é aplicado, nas escolas, somente ao trato com a terra por métodos já conhecidos, mas se põem à prova todas as reformas que a experiência ou a invenção vão sugerindo. Assim, as escolas de Agricultura convertem-se em grandes benfeitoras das gentes do campo, a quem legam o conhecimento já provado e evitam arriscar recursos e perder tempo que poderia lhes custar a experimentação por conta própria. Com isso, além de tudo, a mente do aluno se mantém viva e contrai o saudável hábito de desejar, examinar e por em prática o novo. Hoje, com a colossal afluência de homens inteligentes e ansiosos em todos os caminhos da vida, quem quiser viver não pode parar para descansar nem deixar em repouso uma hora sequer o bordão de viagem: quando se quer levantar e retomar a rota, o bordão já é pedra. Nunca, nunca foi maior e mais pitoresco o universo. Só que custa trabalho entendê-lo e colocar-se no seu nível, pois muitos preferem falar dos males e desfazer-se em queixas. Trabalhar é melhor, e procurar compreender a maravilha ajuda a acabá-la.
Numa escola, a de North Carolina, são analisados os adubos, os minerais, as águas, o poder germinador das sementes, a ação de diferentes substâncias químicas sobre elas e a dos insetos sobre as plantas.
Em geral, os trabalhos práticos das escolas se dirigem ao estudo e melhoramento dos grãos e tubérculos alimentícios; à aplicação dos vários e melhores métodos de preparar o terreno, semear e colher; à comparação dos adubos diversos e à criação de outros; ao modo de bem alimentar os animais e as plantas, de regar e preservar os bosques.
Além disso, têm cursos nos quais os alunos aprendem as artes mecânicas, não de modo imperfeito e isolado, em que de soslaio e casualmente o agricultor atento e habilidoso, mas com planificação e sistemática, de modo que uns conhecimentos vão completando outros, estes saindo daqueles. A mente é como as rodas dos carros e como a palavra: se acende com o exercício e corre mais ligeira. Quando se estuda sob um bom planejamento dá gosto de ver como os dados mais diversos se assemelham e se agrupam, e dos mais variados assuntos surgem, tendendo a uma ideia comum, alta e central, as mesmas ideias. Se o homem tivesse tempo para estudar tudo que seus olhos veem e ele deseja, chegaria ao conhecimento de uma única e conclusiva ideia, sorriria e repousaria.
Essa educação direta e saudável, essa aplicação da inteligência que inquire a natureza que responde, esse exemplo despreocupado e sereno da mente na investigação de tudo que a ela ocorre, que a estimula e lhe dá modo de vida, esse pleno e equilibrado exercício do homem, de modo que seja como de si mesmo pode ser, e não como os demais já foram, essa educação natural queremos para todos os países novos da América.
Por trás de cada escola uma oficina agrícola, na chuva ou ao sol, onde cada estudante semeie uma árvore.
De textos secos e meramente lineares não nascem as frutas da vida.
La América, Nova Iorque, fevereiro, 1884, pp. 62-66
Escrito por José Martí
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