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"O Brasil soterrado"


O Agronegócio mata e isso não é novidade. Mata ao causar fome, mata ao favorecer a concentração de renda e de terra, mata ao utilizar de subsídios que poderiam estar sendo aplicados em itens básicos para a população – como o tão negligenciado saneamento básico -, e mata ao – figurativa e literalmente - soterrar os trabalhadores.

A rede de notícias BBC Brasil publicou recentemente uma reportagem, autoria de João Fellet, que expõe a quantidade absurda de mortes por soterramentos em silos (grandes depósitos de grãos) no Brasil: ao menos 106 pessoas desde 2009. Não focaremos esse breve texto nas seis vítimas que eram simplesmente familiares de trabalhadores e que em hipótese alguma deveriam estar dentro dos silos. Esse número, obtido contabilizando apenas casos noticiados pela imprensa, indicando que provavelmente o número é maior ainda, representa vítimas da negligência para com o trabalhador do campo. Os soterramentos são assassinatos quase instantâneos. O trabalhador é violentamente comprimido pelos grãos e impedido de qualquer resistência. Trata-se de um crime silencioso que poderia ter sido evitado se fiscalizados os procedimentos. De acordo com o ex-ajudante geral da Cooperativa Agro Industrial Holambra Anderson Rodrigo Reis, sobrevivente de um incidente do tipo, os supervisores afrouxam as regras para acelerar a produtividade. Nove meses depois do acidente, Reis foi demitido sem justificativa.

A necessidade de uma produção acelerada de um produto como a soja ao ponto de negligenciar a vida de seus produtores é um dos perversos efeitos da posição do Brasil no sistema mundial de produção e no mercado internacional. Passamos, desde os anos 60, por um processo gradual de desindustrialização e aprofundamento de nossa dependência: a partir de 1964, como exposto por Ruy Mauro Marini no artigo “Brasil: da ditadura à democracia”, o governo descarta a política industrial de substituição de importações, abrindo a economia nacional e priorizando a produção e exportação de bens primários e manufaturados. Entre 1964 e 1973, as importações aumentaram de 1 bilhão de dólares para 6 bilhões de dólares e, enquanto as exportações também aumentam, a participação de manufaturados nessa quantia sobe de 5% para 24% do total. A partir de 1974, isso tenta ser revertido por meio de uma política de desenvolvimento nacional subsidiado por capital externo, nos deixando imersos em uma dívida externa que salta de 10 bilhões de dólares, em 1972, para 46,5 bilhões de dólares em 1978. É nesse contexto que o Brasil se consolida de vez em seu papel no mercado internacional: uma grande fazenda fadada a alimentar o Primeiro Mundo; um sojil enorme no qual se lucra na quantidade de produto exportado e na superexploração dos trabalhadores. Faremos, mais adiante, uma breve intervenção teórica acerca da categoria de superexploração da força de trabalho.

Mesmo a prioridade da produção brasileira sendo de grãos e de produtos primários, nem disso se dá pra tirar proveito: o Brasil é o sexto maior produtor mundial de grãos e participa de 4,45% da produção mundial, com uma superfície de 8.514.000 km². Apesar de termos uma superfície terrestre aproximada das dos dois maiores produtores (respectivamente, China e EUA), produzimos pouco mais de um quinto do que cada um destes produz. A agricultura representa 6,2% do PIB brasileiro ao tempo que representa 0,9% do PIB estadunidense. Existe uma clara contradição nesses dados: se nós produzimos muito menos que eles, e essa quantia representa mais no PIB, então estamos em uma clara desvantagem em relação ao PIB, não uma vantagem relativa à lucratividade da produção e muito menos uma preocupação ecológica dos senhores de terra, como exposto pela Folha de São Paulo em uma péssima coluna opinativa em janeiro desse ano. Apresentamos uma produtividade muito menor que a dos EUA, resultado da concentração de terras em latifúndios improdutivos dos quais a burguesia brasileira tanto se orgulha em suas ideológicas propagandas (afinal, o agro é pop), sendo que a produção de grãos ocupa 7,6% do território brasileiro, esse número aumentando para 18,3% nos EUA e 17,7% na China. Mas de qualquer forma, estamos falando de grãos. Oleaginosas como a soja não são incluídas nessa conta. O Brasil é um dos poucos países que produz soja de forma sistemática. Nessa lista, contamos com os EUA, produtor de 120 milhões de toneladas anuais, o Brasil, com 108 milhões, e a Argentina, produtora de 57 milhões de toneladas anuais. Mais de dois terços da produção de soja brasileira são exportados, o que gera um problema de fuga de produção e de negligência sob nosso cada vez mais estagnado mercado interno: o desenvolvimento do subdesenvolvimento, como já apontado por Gunder Frank em 1966. O Agronegócio, tão celebrado pelos ideólogos da burguesia brasileira, é uma vergonha até do ponto de vista produtivo.

A superexploração da força de trabalho, desenvolvida profundamente por Ruy Mauro Marini no livro “Dialética da Dependência”, consiste de uma intensificação da exploração da mão de obra, uma elevação na taxa de mais-valia com o objetivo de superar a queda na taxa de lucro, tendência universal do capitalismo. Com o progresso tecnológico, é permitido ao dono do meio de produção “intensificar o ritmo de trabalho do operário, elevar sua produtividade e, simultaneamente, sustentar a tendência para remunerá-lo em proporção inferior a seu valor real”. As economias periféricas, por trabalharem em condições econômicas e tecnológicas subdesenvolvidas, são dependentes das economias centrais no sentido de que, por não terem indústrias nacionais fortes, se associam ao grande capital internacional em relações subordinadas na quais são obrigados a repassar parte da mais-valia extraída dentro do país para os grandes centros do Capital, tornando a superexploração uma necessidade para a burguesia local obter lucro. Além do fato de que os países subdesenvolvidos são, em sua absoluta maioria, conhecidos exportadores de commodities, ao tempo que importam bens agregados, causando uma balança comercial desfavorável e uma crescente dívida externa característica da dependência.

Retomando dessa digressão, mas utilizando desse aporte teórico, não é essa superexploração justamente a causa dos soterramentos dos quais estávamos tratando anteriormente? Trabalhadores rurais, produtores de commodities, são obrigados a trabalhar em “jornadas excessivamente longas”, em meio à “inadequação dos equipamentos de segurança”, para produzir mais e permitir que seu patrão lucre mais ainda. Edgar Jardel Fragoso Fernandes, uma das vítimas da C. Vale em São Luiz Gonzaga (RS) em 2017, morreu soterrado por grãos de soja às três da tarde de um domingo, após sucessivas semanas sem folga – fato do qual Edgar, trabalhador terceirizado, não reclamava, de acordo com seu irmão. O documento dos auditores do trabalho diz que, apesar do fato do silo não ter qualquer sistema de ancoragem por cordas, essencial para a realização do trabalho em segurança, a cooperativa “culpou apenas os trabalhadores acidentados pela ocorrência, afirmando que eles não usavam cintos de segurança e não seguiram os procedimentos”.

Essa é a situação do trabalhador rural brasileiro. Trabalho ininterrupto, pouca perspectiva – apesar de que Edgar tinha planos, brutalmente interrompidos, de fazer faculdade e prestar concurso para policial – e descaso por parte do Estado, que se escusa de sua responsabilidade acerca dessa violência contra o povo afirmando que tem “perna curta”, ou seja, faz vista grossa para a superexploração. “Segundo o Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais, o número de profissionais na ativa é o menor dos últimos 20 anos: há hoje 2.305 auditores-fiscais em todo o país, e 1.339 cargos estão vagos.” Essa lacuna se agrava com os cortes orçamentários do desgoverno Temer.

Por Fred Gonçalves, no Jornal A Pátria

Fontes

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45213579

http://criticadaeconomia.com.br/a-miseria-do-agronegocio-brasileiro/

http://criticadaeconomia.com.br/as-fantasiosas-virtudes-do-agronegocio-brasileiro-2/

https://www.cia.gov/library/publications/the-world-factbook/

https://www.valor.com.br/brasil/5354759/pib-brasileiro-cresce-1-em-2017-apos-dois-anos-de-queda-mostra-ibge

https://opiniao.estadao.com.br/noticias/geral,brasil-pais-poupador-de-terras,70002143515

https://www.marxists.org/portugues/marini/1973/mes/dialetica.htm

https://www.marxists.org/portugues/marini/1991/03/brasil.htm

http://categorizando.wixsite.com/inicio/single-post/2016/08/06/Artigo-p-download-O-Desenvolvimento-do-Subdesenvolvimento-de-Andre-Gunder-Frank

Nota dos editores: nem todas as posições expressas neste texto condizem necessariamente e/ou integralmente com a linha política de nosso site ou da União Reconstrução Comunista.

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