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"Síria, a revolução das barbas aparadas"

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    NOVACULTURA.info
  • há 2 horas
  • 5 min de leitura
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Por fim, tudo se resumia a aparar as barbas, vestir um terno e ajustar o nó ao pescoço — da gravata, é claro — para que tudo fluísse com harmonia, para que os terroristas que desde 2011 devastaram a Síria sejam recebidos nos meticulosos salões do Ocidente como verdadeiros lacaios.

 

Assim, suas ações, que pareciam vindas dos porões da história, foram esquecidas. Quem se lembra agora de que os funcionários que acompanham o presidente sírio Ahmed al-Sharaa sejam os mesmos mujahideens que seguiam o emir do Hayat Tahrir al-Sham (HTS), antes Frente al-Nusra, tributário da al-Qaeda, Abu Mohammad al-Golani. De fato, aqueles que mastigavam corações de inimigos diante das câmeras assassinaram milhares de pessoas por não adorarem, à sua maneira, o mesmo Deus; os que estupraram milhares de mulheres; incorporaram crianças às suas fileiras, que inclusive seus comandantes mantinham como escravas sexuais. Os que literalmente colocavam seus inimigos para arder em jaulas enquanto os filmavam, com qualidade hollywoodiana. Como fizeram com o piloto jordaniano Moaz al-Kasasbeh, abatido em al-Raqqa, no norte da Síria, em três de janeiro de 2015. Esses mesmos que transmitiam ao vivo decapitações em massa, ou destruíram o sítio arqueológico de Palmira, que, com seus 4 mil anos de antiguidade, havia sido declarado em 1980 patrimônio cultural da humanidade.

 

Esses ferozes mujahideens que hoje combinam as cores de suas gravatas com ternos e camisas caros consentem que seu inimigo sionista, que incorporou definitivamente as colinas do Golã — tomadas em 1967 e anexadas unilateralmente de forma definitiva em 1980 — avance também sobre as “zonas de amortecimento desmilitarizadas”, cerca de 240 quilômetros quadrados, que desde então estavam sob custódia da Força das Nações Unidas de Observação da Separação (FNUOS).

 

Por isso, não deixa de ser paradoxal que o nome de guerra do presidente al-Sharaa tenha sido por tantos anos al-Golani, “do Golã”. Lugar de onde sua família era originária e do qual foi expulsa nos primeiros anos da ocupação sionista.

 

A um ano da queda do presidente Bashar al-Assad, a República Árabe Síria, pouco a pouco, parece, vista do exterior, estar se normalizando após quatorze anos de guerra. Embora, em seu interior, ergam-se as sombras de um emirado à imagem do califado que o Daesh havia estabelecido ao longo da fronteira sírio-iraquiana entre 2014 e 2019.

 

Pois as hordas de al-Golani continuam com seus massacres contra as minorias religiosas do país, principalmente os alauítas, aos quais aderiam a família al-Assad, embora também sofram os drusos, os xiitas, os sunitas moderados e os cristãos.

 

Sabe-se que, para os mujahideens, qualquer um que não seja estritamente sunita wahabita é passível de ser considerado kafir (herege), e, portanto, deverá pagar as consequências de sua “culpa”.

 

Como já vimos em março deste ano, milícias paramilitares sunitas do regime de al-Golani assassinaram milhares de membros da comunidade alauíta nas regiões costeiras e ocidentais do país.

 

Por isso, até mesmo as Nações Unidas, tão relutantes em condenar crimes quando não são cometidos por Rússia, Irã, China, Cuba, Venezuela, Coreia do Norte, Hezbollah, Hamas ou houthis, reconheceram os massacres, nos quais famílias inteiras de alauítas foram exterminadas pelos esbirros do emir al-Golani.

 

Enquanto isso, entre abril e julho passados, grupos de autodefesa xiitas-alauítas e também drusos enfrentaram as forças do atual governo que, junto a clãs beduínos sunitas, atacaram al-Sweida, a capital da Síria drusa. Como já havia ocorrido em alguns subúrbios de Damasco, em Latakia e em outras zonas costeiras. Em todos esses cenários ocorreram intensos combates, nos quais não faltaram ataques com artilharia leve contra bairros populares onde se concentram as minorias perseguidas, deixando milhares de mortos e feridos e milhares de deslocados.

 

Enquanto isso, para além dos acordos firmados no final do ano passado com os curdos, que controlam o nordeste do país, as tensões continuam.

 

Rumo ao Emirado Islâmico Sírio?

 

Talvez soe exagerado falar sobre a construção de um emirado na Síria atual, com tantos amigos ocidentais. Embora, por suas ações, possa-se suspeitar que se avance rumo a uma ditadura de cunho fundamentalista. A um ano exato de sua entrada vitoriosa em Damasco, transformou em inimigo qualquer dissidente, entendendo-se por isso todos aqueles que não respondem à sua maneira de interpretar o Corão. Diferentemente do Emirado Islâmico do Afeganistão, os sírios — ou o que quer que tenham sido — triunfaram graças aos Estados Unidos, enquanto os talibãs o fizeram derrotando-os. Por isso, em “homenagem” a tamanha solidariedade de Washington, al-Sharaa, em novembro passado, tornou-se o primeiro presidente de seu país a visitar Washington desde 1946. O que Trump premiou com a promessa de um rápido levantamento das sanções que haviam sido impostas ao seu país durante os governos dos al-Assad.

 

Além disso, o ex-terrorista reuniu-se ao longo do ano com o emir do Catar, Tamim bin Hamad al-Thani, o presidente francês Emmanuel Macron e o chanceler alemão Friedrich Merz, entre outras figuras relevantes do Ocidente e aliados do mundo árabe.

 

Tanta submissão até agora não resultou em nenhum benefício para reativar a economia que eles próprios se encarregaram de demolir ao longo desses quase quinze anos. Nem mesmo as monarquias do Golfo Pérsico, que tanto investiram a seu favor durante a guerra, parecem muito decididas a fazê-lo na paz. Assim, os projetos de investimento para o desenvolvimento e a reconstrução continuam no plano “espiritual”. Segundo estudos do Banco Mundial, apenas a reconstrução das áreas danificadas, sem falar da modernização das regiões historicamente relegadas, superaria os 216 bilhões de dólares.

 

Lugares como o campo de refugiados palestinos de Yarmouk, antes de intensa e constante atividade comercial, seguem inativos, já que tanto a maioria das moradias quanto os estabelecimentos comerciais foram destruídos. Enquanto milhares de antigos residentes retornam desde a queda de al-Assad, após terem fugido depois dos ataques de 2018, agora não encontram onde se estabelecer, pois toda a área foi tomada por bandos armados, que trabalham um pouco para o novo governo e muito para seu próprio benefício.

 

Nessa desordem imposta pelos capitães de al-Golani, transformados em funcionários, parece não haver compreensão de seu novo papel. Por isso, continuam com suas operações de limpeza étnica e religiosa, ao mesmo tempo em que as mortes por vingança seguem na ordem do dia.

 

Para além do que se cozinha no interior da Síria, onde poderia explodir, à maneira do Iraque, uma guerra entre facções, uma Síria sem al-Assad, no contexto da solução final da questão palestina por parte de Israel, junto à invasão do Líbano e à destruição do Hezbollah, parece acalmar o historicamente agitado Oriente Médio. Onde resta apenas o Irã como o único fator de resistência às intenções norte-americanas-israelenses sobre toda a região, onde as barbas aparadas parecem estar entrando na moda.

 

Por Guadi Calvo, no Línea Internacional

 

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