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Gramsci: "Democracia Operária"

Foto do escritor: NOVACULTURA.infoNOVACULTURA.info

 

Um problema se impõe hoje, urgentemente, a cada socialista que tenha vivo o sentido da responsabilidade histórica que incumbe às classes trabalhadoras e a seu Partido, o qual representa a consciência ativa e crítica e operante desta classe.

 

Como dominar as imensas forças sociais que a guerra desencadeou?

 

Como discipliná-las e dar-lhes uma forma política que contenha em si a virtude de desenvolver-se normalmente, de integrar-se continuamente, até tornar-se a ossatura do Estado socialista na qual se encarnará a ditadura do proletariado?

 

Como ligar o presente ao futuro, satisfazendo as urgentes necessidades do presente e trabalhando eficazmente para criar e “antecipar” o futuro?

 

Este escrito pretende ser um estímulo ao pensar e ao operar; pretende ser um convite aos melhores e mais conscientes operários para que reflitam e, cada um na esfera da própria competência e da própria ação, colaborem na solução do problema, fazendo convergir para ele a atenção dos seus camaradas e de suas associações.

 

Somente através de um trabalho comum e sólido de esclarecimento, de persuasão e de educação recíproca nascerá a ação concreta de construção.

 

O Estado socialista já existe potencialmente nos institutos de vida social características das classes trabalhadoras exploradas.

 

Conectar entre si estes institutos, coordená-los e subordiná-los numa hierarquia de competências e de poderes, centralizá-los fortemente, porém, respeitando as necessárias autonomias e articulações, significa criar aqui e agora uma verdadeira e própria democracia operária, em contraposição eficiente e ativa ao Estado burguês, preparada desde já para substituir o Estado burguês em todas as suas funções essenciais de gestão e domínio do patrimônio nacional.

 

Hoje em dia, o movimento operário é dirigido pelo Partido Socialista e pela Confederação do Trabalho; mas o exercício do poder social do Partido e da Confederação se realiza, para grande massa trabalhadora, indiretamente, por força de prestígio e de entusiasmo, por pressão autoritária, por inércia.

 

A esfera de prestígio do Partido se amplia cotidianamente, atinge estratos populares até agora inexplorados, suscita consenso e desejo de trabalhar proficuamente pelo advento do comunismo em grupos até agora ausentes da luta política.

 

É necessário dar uma forma e uma disciplina permanente a estas energias desordenadas e caóticas, absorvê-las, articulá-las e potencializá-las, fazer da classe proletária e semi-proletária uma sociedade organizada que se eduque, que obtenha experiência, que adquira uma consciência responsável dos deveres que incumbem as classes que conquistam o poder.

 

O Partido Socialista e os sindicatos profissionais não podem absorver toda a classe trabalhadora; isto só seria possível através de um trabalho de anos e dezenas de anos.

 

Eles não se identificam imediatamente com o Estado proletário; nas repúblicas comunistas até agora existentes eles continuam a subsistir independentemente do Estado, como instituições de propulsão (o Partido) ou de controle e de realizações parciais (os sindicatos).

 

O Partido deve continuar a ser o órgão de educação comunista, o fogo da fé, o depositário da doutrina, o poder supremo que harmoniza e conduz às metas as forças organizadas e disciplinadas das classes operárias e camponesas.

 

Precisamente para desenvolver rigidamente este ofício, o Partido não pode escancarar as portas às invasões de novos aderentes, não habituados ao exercício da responsabilidade e da disciplina.

 

Mas a vida social da classe trabalhadora é rica de instituições, articula-se em múltiplas atividades.

 

De fato, é necessário que estes institutos e estas atividades se desenvolvam; organizem-se de modo complexo, una-se num sistema vasto e agilmente articulado que absorva e discipline inteiramente a classe trabalhadora.

 

A oficina com suas comissões internas, os círculos socialistas, as comunidades camponesas são os centros de vida proletária nos quais é necessário trabalhar diretamente.

 

As comissões internas são órgãos de democracia operária que é necessário libertar das limitações impostas pelos empreendedores, e nos quais é necessário infundir vida nova e energia.

 

Hoje, as comissões internas limitam o poder do capitalista na fábrica e desenvolvem funções de arbitragem e disciplina.

 

Desenvolvidas e enriquecidas, deverão ser amanhã órgãos do poder proletário que substituirá o capitalista em todas suas funções úteis de direção e de administração.

 

Já aqui e agora os operários devem deveriam proceder à eleição de vastas assembleias de delegados, escolher entre os melhores e mais conscientes camaradas, sobre a palavra de ordem: “Todo o poder da fábrica aos comitês de fábrica”, coordenada com outra: “Todo o poder do Estado aos Conselhos operários e camponeses”.

 

Um vasto campo de propaganda concreta revolucionária se abriria para os comunistas organizados no Partido e nos círculos de bairro.

 

Os círculos, em conformidade com as seções urbanas, deveriam fazer um recenseamento das forças operárias da zona, bem como transformar-se na sede dos conselhos de bairro dos delegados de fábrica, o gânglio que articula e centraliza todas as energias proletárias do bairro.

 

Os sistemas eleitorais poderiam variar de acordo com o tamanho das oficinas; porém, dever-se-ia tentar eleger um delegado para cada quinze operários divididos por categoria (como se faz nas oficinas inglesas), chegando, por eleições graduais, a um comitê de delegados de fábrica que inclua representantes de todo o complexo do trabalho (operário, empregados, técnicos).

 

No comitê de bairro, deveria tentar-se incorporar delegados também de outras categorias de trabalhadores que habitam o bairro: garçons, motoristas, condutores de bonde, ferroviários, lixeiros, empregados domésticos, comerciários, etc.

 

O comitê de bairro deveria ser a emanação de toda a classe trabalhadora que habita o bairro, emanação legítima e influente, capaz de fazer respeitar uma disciplina, investida de poder, espontaneamente delegado, bem como capaz de ordenar o fechamento imediato e integral de cada trabalho em todo o bairro.